O ex-presidente do Equador, Jamil Mahuad, refletiu recentemente em uma entrevista com o acadêmico Manuel Alcántara, ex-vice-reitor da Universidade de Salamanca, no Latinoamérica 21, sobre as ameaças que vivem vários países da região latino-americana e, em particular, o seu, que atravessa uma crise severa de violência que reduziu à expressão que dá título a este artigo.
Mahuad, atualmente professor da Universidade de Harvard, mostra sua preocupação com o avanço do narcotráfico na região e ressalta, com todas as letras, que as ações violentas do narcotráfico se parecem cada vez mais com terrorismo. Basta olhar para o que aconteceu nas últimas semanas em seu país, quando grupos equatorianos de crime organizado vinculados ao Cartéis mexicanos de Sinaloa e de Jalisco Nova Geração tomaram várias cidades de assalto, deixando um rastro de morte e temor coletivo que obrigou o governo de Daniel Noboa a tomar decisões de emergência para restabelecer a governabilidade.
No entanto, embora Noboa tenha conseguido controlar a situação, especialmente nas prisões, a ameaça segue latente e é provável que a retirada desses grupos signifique um passo atrás para depois dois para frente. Já vimos a capacidade operacional para assassinar Fernando Villavicencio, um candidato presidencial e, mais recentemente, um vice-promotor, e realizar ações que nos remetem a situações similares às do México envolvendo os cartéis de Sinaloa e Jalisco.
A maior diferença entre os presidentes Noboa e López Obrador, até agora, é que o equatoriano decidiu nomear esses ataques à população ao reconhece-los como terrorismo e atuar de acordo, arriscando sua vida, enquanto o presidente mexicano segue vendo-o como um assunto de crime organizado. Há uma diferença substantiva entre as duas categorias jurídicas, tanto na postura política de quem hoje representa o Estado equatoriano quanto nas ações dissuasivas do sistema de segurança e, melhor ainda, nas penas contra os membros dessas organizações internacionais.
Certamente, até agora, a iniciativa que considera os cartéis mexicanos como terroristas surgiu durante o mandato de Donald Trump e foi rejeitada pelo governo de López Obrador por ser “um atentado à soberania nacional”. Entretanto, a gravidade da situação não foi suficiente para que o Congresso da União ao menos discutisse a figura prevista no Código Penal (artigo 139) de considerar os cartéis como organizações terroristas. Isso levaria a uma mudança fundamental na política de segurança, a política de “abraços e não balas”, que após cinco anos tem um balanço negativo.
Mas voltando às expressões do ex-presidente Mahuad, ele ressalta que o processo de avanço do crime transnacional em nossas sociedades passa por três momentos:
O crime organizado toma a iniciativa de avançar no processo de captura das sociedades, e os poderes públicos não atuam além de sua capacidade reativa, o que significa não levar as figuras jurídicas a outro nível de tal forma que, como no caso da jihad islâmica, sejam consideradas um perigo não só ao país hóspede, mas para a comunidade internacional.
Que, diante dessa liberdade operacional, os cartéis ampliam sua infiltração na economia mediante a lavagem de dinheiro, na política através dos governos municipais e estaduais e suas forças de segurança, nos meios de comunicação e nos partidos políticos, na representação política e suas decisões etc., o que significa um enfraquecimento gradual dos pilares do sistema democrático.
E que, finalmente, diante da inação dos governos, esses grupos acabam por capturar toda a estrutura de governo de maneira que se configure um narcoestado.
No México, estamos na segunda etapa desse processo de captura do Estado. Essa situação hoje é palpavelmente na frequente retirada das forças de segurança diante as investidas de grupos armados em distintas regiões do país; na eliminação física de aspirantes a cargos eleitos popularmente, como acaba de acontecer em Chiapas, Veracruz e Morelos, e na extorsão de produtores agrícolas (abacateiros, limoeiros etc.), vendedores de frango e até de negócios familiares de tortilhas.
Não se pode descartar que esteja em marcha em diferentes regiões uma operação similar à das eleições estaduais de 2021, quando os distintos cartéis inibiram e promoveram candidaturas para cargos de representação política e sua expressão mais lamentável foram os assassinatos de possíveis candidatos.
Ou seja, nas chamadas “maiores eleições da história”, que ocorrerão na primavera, há um jogador nas sombras que está atuando abertamente. E é provável que isso se torne mais visível conforme o processo eleitoral avança, sem que haja uma estratégia à vista, além de declarações não oficiais, de contenção e garantia de que não haja interferência desses grupos, mas que fiquem à vontade para impor sua vontade.
A experiência recente do Equador deve ser a referência obrigatória para evitar uma maior deterioração da vida pública. Lá, um candidato à presidência foi assassinado; lá, tomou-se consciência de que não se pode deixar a iniciativa para os grupos do crime organizado; lá, defende-se as instituições democráticas e luta-se contra essa ameaça crescente às nossas frágeis democracias. Tomara que essa inação no México não acabe nos ensinando uma lição e que nos aproximemos mais um passo do inferno de um narcoestado.
Autor
Professor da Universidade Autônoma de Sinaloa. Doutor em Ciência Política e Sociologia pela Universidade Complutense de Madri. Membro do Sistema Nacional de Pesquisadores do México.