Falar de democracia nos dias de hoje é falar de suas crises. E, quando nos referimos a elas, a palavra tão em voga nos últimos anos entra rapidamente no debate: populismo. Sim, o populismo se tornou popular. Os populistas são populares. Eles representam com profunda convicção – às vezes com um radicalismo preocupante – os desconfortos de uma sociedade que não encontra solução diante de opções “sensatas” ou “razoáveis” e deposita sua fé – porque o populismo exige, acima de tudo, fé – em líderes com discursos messiânicos. Entretanto, nos detemos demais nessa fotografia do líder de braços abertos, deixando de pertencer a si mesmo, e não tanto naqueles seres que o cercam e o seguem fielmente – porque o populista também exige fidelidade.
A identificação com o líder não é apenas uma questão ideológica ou de patrocínio, mas de trajetória. Líderes como o presidente mexicano Andrés Manuel López Obrador, proveniente de áreas humildes, com aparência humilde e linguagem humilde, representam a história de muitos no México. Porque sua biografia é a de muitos: homens e mulheres insatisfeitos com um sistema que falhou com eles; inimigos, imaginários e reais, contra os quais lutar; vitórias e derrotas que deixaram sua marca. Em uma sociedade desprovida de entusiasmo, a necessidade de um líder populista – uma biografia, uma autobiografia que represente – torna-se a única esperança de transcendência, torna-se a esperança do México, como foi o slogan da campanha de AMLO em 2018.
O populismo, observa a cientista política ítalo-americana Nadia Urbinati, é um “majoritarismo extremo”. Seu povo, não porque pertença a ele, mas porque ele o limita à sua visão, não é apenas o único povo, mas o autêntico. Se o Estado tem o monopólio da força, ele também busca o monopólio da narrativa. A única biografia que importa é a do líder – ou seja, o “povo” – e, portanto, qualquer um que conteste essa narrativa é rotulado como inimigo. Mas, diferentemente do fascismo, o populismo não elimina seus adversários; pelo contrário, ele os alimenta e precisa deles. Por um lado, há a legitimidade que o líder populista recebe de seus seguidores – de seus eleitores, porque o populismo sustenta essa legitimidade democraticamente – e, por outro, a dos inimigos: sem eles, o populismo fica sem os responsáveis por seus fracassos, e um populista que aceita seus erros não é um populista.
Entre os inimigos habituais do populismo estão a mídia, os órgãos autônomos e qualquer contrapeso que surja. O que é preocupante não é apenas o fato de o líder populista no poder atacar e questionar, muitas vezes por meio de acusações falsas, os críticos de seu governo, mas também o fato de isso ser transferido para seus seguidores. Trabalhos recentes sobre os seguidores de López Obrador mostram que eles são mais propensos a censurar a mídia. O fato de se identificarem como parte do povo também depende do fato de sentirem ou não simpatia por López Obrador. Para López Obrador, a única realidade legítima é a que ele nomeia: a mídia que o questiona quer prejudicá-lo; as instituições e organizações autônomas são um ataque à sua chamada Quarta Transformação; os grupos ambientalistas, feministas e intelectuais, etc., são produto do neoliberalismo e das elites que tanto buscam afetar seu governo. A disputa narrativa é, como sempre foi, uma disputa de ficções; uma disputa para pertencer a uma ficção; uma luta, portanto, de idiomas: nós falamos pejeñol, escreveu o jornalista e escritor mexicano Jesús Silva Herzog.
Apesar da má gestão da pandemia, da violência e da deterioração do sistema de saúde, entre outros problemas enfrentados pelo governo de López Obrador, sua popularidade continua alta. Embora tenham sido implementados diversos programas sociais que sugerem o motivo pelo qual o presidente continua tendo grande estima, pode-se pensar que, devido aos diversos fracassos de sua administração, sua popularidade estaria em baixa a essa altura. No entanto, desde o início de maio deste ano, cerca de 60% aprovam o presidente, com resultados questionáveis.
O que acontece quando um populista obtém resultados em aspectos fundamentais para a sociedade? Ou seja, o que acontece quando o populista não apenas acerta o diagnóstico, mas é eficaz em resolvê-lo? Ou, mais complicado ainda, o que acontece quando um populista, com fortes tendências autoritárias, é eficaz? Esse é o caso de Nayib Bukele, presidente de El Salvador, que, por meio de um perfil populista e severamente autoritário, construiu uma narrativa baseada na eficácia, como demonstrou em sua luta contra a violência das gangues que causou tantos danos ao país centro-americano. Apesar dos muitos questionamentos nacionais e internacionais sobre as medidas implementadas pelo presidente salvadorenho, sua enorme popularidade é inquestionável. Em uma sociedade em que um discurso representativo não é suficiente, a eficácia se torna a única forma possível de representação. O fato de o presidente Bukele ter contornado a Constituição de seu país para ser reeleito, de ter invadido o Congresso acompanhado por militares ou de perseguir qualquer crítico de seu governo não é suficiente para neutralizar os resultados e a eficácia que ele demonstrou. A “eficrácia”, como a chama o escritor argentino Martín Caparrós. Como podemos falar de democracia para uma sociedade devastada pela violência como a salvadorenha? Como podemos apontar que o caminho populista não é o ideal se o caminho que o precedeu foi justamente o que o provocou? E essas perguntas apontam, em vez de respostas, para mais perguntas: para quem a academia fala? E ela não cai em uma espécie de monólogo coletivo? Ao mesmo tempo, diferentes meios de comunicação, em vez de alertar, rotulam como populista qualquer ator político que não lhes agrade. Embora muitos não gostem, os populistas são populares e, sem cair na mesma dinâmica populista, é necessário, mais do que nunca, ouvi-los e levá-los a sério, antes que esse tipo de liderança se torne mais apreciado e popular do que a própria democracia.
Autor
Licenciado em Comunicação (Universidad Autónoma de Baja California) e pós-graduado em Estudos Políticos e Sociais pela UNAM.