Em seu renomado trabalho sobre política externa, David Baldwin destaca que o conhecimento político (policy-relevant knowledge) é um dos componentes mais importantes, juntamente com a criatividade, no estudo das relações internacionais. Observando a política externa argentina sob o comando do Presidente Javier Milei, é muito difícil encontrar qualquer exemplo prático de conhecimento ou competência relevante para políticas. O mesmo pode ser dito da Ministra das Relações Exteriores, Diana Mondino, que demonstrou suas habilidades diplomáticas ao exibir supostas analogias fisionômicas na população chinesa depois de visitar Pequim para tratar da difícil questão SWAP. Entretanto, a política externa na América Latina não costuma ser objeto de ação conjunta do executivo, muito menos de concertação com os congressos nacionais, uma característica dos sistemas presidencialistas latino-americanos. Em outras palavras, é o chefe de Estado que projeta e age em nome do país na arena global.
Longe de debater os efeitos negativos e positivos de tal tradição, no caso de Milei parece que sua criatividade, impulsividade e personalíssima ideologia conduzem a política externa da Argentina. Se a diplomacia foi criada para evitar conflitos, promover a paz e beneficiar os povos do mundo, Milei escolheu outro caminho para a Argentina. Sua criativa política externa não se baseia em fatos, dados ou pragmatismo. Um exemplo evidente é a compra dos 24 caças dinamarqueses F-16 para uma nação que não corre o risco de guerras vizinhas ou globais, mas que, acima de tudo, se encaixa em uma estratégia para agradar aos Estados Unidos e cumprir o papel que Washington deseja para a Argentina há alguns anos. Em outras palavras, na disputa internacional entre os Estados Unidos e a China, a Argentina deveria construir um exército treinado pelos Estados Unidos e pelo Reino Unido, limitando a influência chinesa.
É difícil entender como a ideologia economicista e o libertarianismo comercial de Milei podem explicar a predileção por armamentos quando se trata de se movimentar no cenário internacional. Em todas as variantes liberais, sejam elas libertárias ou neoliberais, os líderes tendem a dar preeminência aos negócios. Regionalmente, Marcos Robledo já detectou esse pragmatismo quase mercantilista na política externa do Chile neoliberal, onde, especialmente durante o governo de Sebastián Piñera, o impulso empresarial prevaleceu nas decisões de política externa, mantendo um perfil discreto sempre que possível. Por outro lado, a política externa do governo Milei acabou sendo reativa e declarativa, no sentido de que a burocracia diplomática teve de operar em reação às declarações explícitas do presidente. Em vez de uma agenda institucional definida ou de um planejamento de ação externa, são os abraços (com Trump e empresários norte-americanos) e os insultos (a AMLO, Lula e Petro) que definem o destino da Argentina atual no mundo. De fato, Alejandro Frenkel fala de uma doutrina verdadeiramente internacional de Milei, vinculada a um “ocidentalismo” confuso, subordinado aos Estados Unidos e a Israel (aparentemente parte do Ocidente), que poderia ser contraproducente para os interesses da Argentina. A nova Guerra Fria, uma leitura do tabuleiro geopolítico mundial compartilhada por Milei e pelos internacionalistas, parece ser uma infeliz conformação desejada pelo próprio Milei, em que a Argentina seria “a nova Meca do Ocidente“.
O problema é que o Ocidente elogiado por Milei não está correndo nessa mesma direção. Os próprios Estados Unidos estão tentando amortecer seu envolvimento nos conflitos em Gaza e na Ucrânia, propõem uma reindustrialização forçadamente protecionista, especialmente sob uma possível administração Trump, e a política externa de Washington se entrelaçou com os direitos civis e sociais. Por sua vez, Milei defende vigorosamente Israel, tanto em palavras quanto nas Nações Unidas, e diferencia entre globalismo econômico e sociopolítico, promovendo o primeiro, mas combatendo o segundo. Se o seu entendimento de globalismo social incluir direitos reprodutivos e sociais, então a coexistência com o setor democrata e grande parte do establishment norte-americano será impossível. Em um momento de dilema entre ameaça e tranquilidade com a China, Milei promove a abertura de bases militares e a militarização do Atlântico Sul, o que pode não estar necessariamente de acordo com a vontade dos Estados Unidos. O mapa-múndi de Milei é uma rejeição do eurocentrismo medieval com a inserção dos Estados Unidos e de Israel, mas se esquece completamente da América Latina.
Os processos emancipatórios que têm atraído a região, como o BRICS e a CELAC, não convencem Milei, que prefere se ater aos fóruns tradicionais, incluindo Davos, que não facilitaram a realização das necessidades globais da Argentina. O componente latino-americano nem mesmo se limita à vizinhança: Milei procura o G7, o FMI e a OCDE, em vez de se reunir com os líderes latino-americanos. As questões espinhosas de Cuba e Venezuela já receberam uma rejeição brusca de qualquer forma de colaboração por parte de Milei, ao contrário de AMLO, Lula, Petro e outros governantes. Por outro lado, resta saber se o Bukelismo e a ascensão da direita no Chile, Equador e Paraguai poderiam legitimar algum tipo de conservadorismo regional que levaria Milei a jogar suas cartas na América Latina. Em conclusão, um dos perigos reais da criativa política externa de Milei é a exclusão da Argentina de um lugar privilegiado no contexto político latino-americano, com riscos também para a esfera econômica e comercial. A falta de pragmatismo reduz a política externa de Milei a interações dicotômicas entre amigos e inimigos que podem ter consequências negativas para a condição já precária do país. Em um Sul Global comprometido com a multipolaridade, a Argentina corre o risco de permanecer no funil da estagnação econômica, da dependência e da inflação, sem a capacidade de diversificar sua projeção internacional.
A aberta subordinação a Washington não garante favorecimento na complexa distribuição de poderes do Congresso norte-americano, sendo, além disso, um ponto de interrogação a direção internacional do império estadunidense a partir de novembro de 2024. Milei está rompendo com uma tradição pacifista, racional e equilibrada da política externa argentina para projetar sua própria imagem no mundo, não a do país. Parece que seis meses foram suficientes para implementar essas mudanças rapidamente, mas, em caso de fracasso, será impossível se livrar de sua criativa política externa.
Autor
Cientista político com mestrado em Diplomacia e Relações Internacionais pela Escola Diplomática da Espanha. Mestrando em Estudos Latino-Americanos pela Universidade de Georgetown, onde é Assistente de Ensino e Pesquisa.