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O presidencialismo está em crise

Nos anos 1960 e 1970, os golpes de Estado liderados pelas forças armadas eram recorrentes na América Latina. Nas duas primeiras décadas do século XXI, no entanto, as interrupções dos mandatos presidenciais desenvolveram outras características. Das catorze interrupções, apenas duas foram golpes de Estado e as demais foram renúncias ou destituições realizadas pelos parlamentos. Embora estas diferenças sejam substanciais, uma vez que um regime encabeçado pelos militares não é o mesmo que o encabeçado pelos civis, a interrupção de um mandato presidencial sempre gera crises nos sistemas políticos, independentemente das formas.

Entre 2000 e 2020, vários países da América Latina passaram por crises derivadas da rigidez do presidencialismo. Neste período houve dois golpes de Estado bem-sucedidos -Jamil Mahuad no Equador (2000) e Manuel Celaya em Honduras (2009) – e um fracassado – Hugo Chávez na Venezuela (2002).

Além disso, houve cinco destituições através dos parlamentos. Em 2000, Alberto Fujimori demitiu-se inicialmente do exterior, mas o Congresso peruano acabou o retirando oficialmente do cargo. Em 2005, Lucio Gutiérrez foi destituído em meio a uma profunda crise econômica. E, mais tarde, em 2012, Fernando Lugo foi deposto no Paraguai e, em 2016, Dilma Rousseff no Brasil, em ambos os casos como consequência do confronto entre as facções que apoiavam seus governos e aquelas que estavam contra o mesmo. O último presidente destituído por um Congresso foi Martín Vizcarra no Peru no final de 2020, uma situação que gerou rejeição por parte dos cidadãos.

Finalmente, seis presidentes renunciaram ao cargo nos últimos 20 anos. Fernando de la Rúa na Argentina em 2001, enquanto na Bolívia, Gonzalo Sánchez de Losada renunciou em 2003 e Carlos Mesa em 2005, todos os três em meio a graves crises econômicas e políticas. Otto Pérez Molina na Guatemala em 2015 e Pedro Pablo Kuczynski no Peru em 2018 renunciaram por alegações de corrupção. E o último, Evo Morales em 2019 pelas alegações de fraude eleitoral. A crise presidencial de 2019 na Venezuela, envolvendo a legitimidade e o reconhecimento de dois presidentes, Juan Guaidó e Nicolás Maduro, requer uma classificação separada, mas faz parte do mesmo conjunto de eventos críticos dos presidencialismos na região.

As debilidades do presidencialismo

O principal problema do presidencialismo latino-americano é que seu desenho é rígido, ou seja, os períodos de governo são fixos, ao contrário dos sistemas parlamentares, e concentra as capacidades de ação governamental em uma figura unitária: o detentor do poder executivo. O presidente é chefe do governo e, portanto, da administração pública, mas é também chefe de Estado e, consequentemente, representante supremo de uma comunidade política. Esta dupla função gera problemas se os outros poderes não são autônomos e independentes.

Outros fatores que enfraquecem o presidencialismo são um sistema partidário pouco institucionalizado e altamente fragmentado, e uma fraca internalização da rule of law, o que gera impunidade e, consequentemente, desconfiança no sistema político como um todo, algo evidente na América Latina, onde violar sistematicamente a lei tem custos muito baixos e benefícios muito altos, especialmente para as elites.

Em suma, nos sistemas presidenciais dos países latino-americanos – uma má cópia do modelo estadunidense – as crises governamentais geralmente se transformam em crises de sistema. E isto frequentemente termina com uma nova destituição ou renúncia presidencial.

O retorno da liderança populista

Como se as deficiências acima mencionadas não fossem suficientes para abalar os sistemas políticos, os presidencialismos latino-americanos têm outro fator de risco: os próprios presidentes. Em nossa região, aqueles que aspiram à presidência geralmente se apresentam em cada campanha perante a opinião pública e o eleitorado como a encarnação da solução para todos os problemas sociais. E quando as situações pioram, esta lógica adquire uma nuance “cesarista” no sentido gramsciano.

Como o escritor chileno Ariel Peralta Pizzarro assinalou em 1939, o cesarismo é aquela solução arbitrária e centrada na personalidade que é apresentada como necessária diante da incapacidade dos atores coletivos de chegar a acordos plurais para encontrar soluções profundas. Esta lógica permaneceu ao longo do tempo e emerge com força quando os sistemas políticos não conseguem processar as demandas do sistema social.

Diante dos problemas do presidencialismo, as lideranças carismáticas com bases movimentistas reemergiram na América Latina, substituindo os partidos e com tendências populistas. Estes líderes fomentam uma relação de dominação que tenta eliminar as mediações a fim de criar um tratamento patrimonialista e personalista.

Na Colômbia, Álvaro Uribe promoveu uma reforma em 2004 que lhe permitiu ser reeleito imediatamente, enquanto no Equador, Rafael Correa promoveu uma nova constituição em 2008 que lhe permitiu ser reeleito no ano seguinte. Na Bolívia, Evo Morales, já durante seu segundo mandato e com uma nova constituição, manipulou o judiciário para favorecer sua terceira reeleição, o que resultou em uma crise do sistema que terminou com sua renúncia em 2019. Em El Salvador, Nayib Bukele assumiu a Assembleia Legislativa em fevereiro de 2020, com o apoio de um setor militar e policial para intimidar os congressistas a apoiar uma de suas políticas. Na Argentina, Cristina Fernandez governa por cima do atual presidente em suas funções e provavelmente também o fez durante o segundo mandato de seu marido, Nestor Kirchner. No México, Andrés Manuel López Obrador, e no Brasil, Jair Bolsonaro, governam com lógicas proto-autoritárias, aceitam as regras da democracia, mas fazem o melhor que podem para não se deixarem guiar por seus princípios. Enquanto Nicolás Maduro transformou a Venezuela em um regime autoritário.

Os processos de democratização das últimas décadas promoveram reformas para reduzir o poder dos executivos. Os controles legislativos sobre os gabinetes foram aumentados, os mecanismos de impeachment foram redesenhados ou foram criados órgãos constitucionais autônomos para controlar as políticas e ações dos governos. Em alguns casos, se optou pela ampliação da separação de poderes, como nas constituições de Equador, Bolívia e Venezuela. Paradoxalmente, porém, na maioria dos países os sistemas eleitorais também foram fortalecidos ao incorporar o segundo turno eleitoral e permitir a reeleição, e os poderes do executivo para legislar também foram aumentados. Essas lógicas criaram presidencialismos híbridos e institucionalmente fracos.

O presidencialismo opera em um contexto de cidadania latino-americana com um fraco espírito democrático que favorece os deslizamentos autoritários. Enquanto não for fomentar uma cultura democrática, nossas sociedades continuarão a confiar que uma única pessoa pode resolver todos os seus problemas de forma mágica.

Tradução do espanhol por Maria Isabel Santos Lima

Foto de Cancillería Ecuador em Foter.com

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Cientista político. Professor da Universidade de Guanajuato (México). Doutorado em Ciência Política pela Universidade de Florença (Itália). Suas áreas de interesse são a política e as eleições na América Latina e a teoria política moderna.

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