As eleições nos Estados Unidos ocorreram em um momento em que a economia está se recuperando da recessão pós-pandemia. De fato, há um crescimento marcado por uma taxa de cerca de 3%, com inflação baixa de 2% e baixo desemprego, segundo dados do FMI. No entanto, as experiências diárias de muitos eleitores foram marcadas por tensões financeiras, especialmente com o aumento dos custos de alimentos, combustível, hipotecas e crédito. Essa desconexão ajuda a explicar a popularidade do presidente Trump, que ganhou o voto popular devido a realidade das dificuldades econômicas. No entanto, durante a campanha eleitoral e na mensagem de seu primeiro discurso como presidente eleito, reforçou os julgamentos conservadores sobre questões sociais chave, como aborto e imigração, o que gerará um perigoso senso de urgência e necessidade na política, nacional e internacional.
O resultado dessas eleições terá impactos de longo alcance na saúde global e nos direitos reprodutivos, não só nas políticas dos Estados Unidos, mas a nível internacional, consolidando e legitimando uma janela de oportunidade para líderes conservadores e de direita em todo o mundo. Isso se alinha diretamente com os valores dos conservadores religiosos, que estão ganhando influência na saúde internacional e se opõem à expansão das liberdades reprodutivas, enquanto buscam desfinanciar e enfraquecer as organizações que trabalham com mulheres e em direitos de gênero, sexuais e reprodutivos, como o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), entre outras.
Enquanto isso, a imigração é uma segunda frente em que a influência de Trump é significativa. Ele prometeu reviver e expandir as políticas restritivas de imigração de seu primeiro mandato. Comprometido com uma campanha de deportação sem precedentes, ameaçou empregar recursos militares e diplomáticos para expulsar imigrantes sem documentos e usou termos desumanos para se referir a eles, comparando-os a uma ameaça ao bem-estar moral e à segurança do país. Houve uma retórica aberta que enquadrou os imigrantes sem documentos como uma ameaça moral e criminosa, especialmente para as “mulheres suburbanas”, o que atraiu alguns eleitores latinos e mulheres brancas através de uma mistura de discurso de medo e uma narrativa de segurança.
Nesse panorama polarizado, a divisão ideológica nos EUA reflete uma tendência global crescente: uma divisão acentuada entre um novo populismo de direita, forte e assertivo e um progressismo enfraquecido. Essas eleições impulsionarão o primeiro mediante apelos conservadores por segurança e ordem em detrimento de direitos e inclusão, intensificando a reação contra os direitos humanos e a solidariedade como pilares democráticos, com importantes repercussões a nível regional e global.
Ademais, a vitória de Trump também terá repercussões significativas na cooperação regional, especialmente em temas migratórios. As relações entre Estados Unidos e México se tornarão tensas devido aos planos de Trump, que ameaçou impor altas tarifas comerciais se o México não reforçar o controle migratório. O presidente eleito pretende que o México atue como o principal “guarda” na fronteira. Esse enfoque é parte de um esforço mais amplo de externalizar o controle migratório estadunidense a países latino-americanos.
Também será de relevância estratégica a colaboração entre Panamá e Estados Unidos em matéria migratória, enquanto continua viva a promessa do novo presidente panamenho, José Raúl Mulino, de fechar o Tampão de Darién, uma passagem crítica para os migrantes em sua travessia à América do Norte. Muitos desses migrantes estão em situação de migração forçada prolongada após não receberem proteção e condições de integração em sociedades anfitriãs na América do Sul.
Mulino se alinhou a posturas migratórias mais rígidas e demonstrou sua predisposição para implementar fortes controles fronteiriços, respaldada pela pressão e apoio logístico dos Estados Unidos. Essas medidas incluem a facilitação de deportações, o que implica um compromisso com políticas restritivas que poderiam impactar nos direitos dos migrantes e aumentar o risco de violações humanitárias na região, intensificando as tensões diplomáticas e os desafios para a região.
Autor
Professora de Política Internacional da Universidade de Southampton. Doutora em Política e Relações Internacionais pela Univ. de Warwick. Mestre em Relações Internacionais pela Univ. de Miami e FLACSO-Argentina.