O voto obrigatório é uma característica comum na América Latina: 13 países da região decidiram que o sufrágio não é só um direito, mas também um dever, reforçado com diversos graus de sanção e eficácia. Sob essa premissa, o voto obrigatório busca que todos os setores da sociedade participem ativamente na tomada de decisões públicas, contribuindo assim para uma democracia mais inclusiva. No entanto, por trás dessa obrigatoriedade se escondem desafios complexos: o ato de votar, por si só, nem sempre se traduz em participação engajada e informada.
O recente estudo do GPS Ciudadano, elaborado pela consultoria de opinião pública Datavoz no Chile – país que reintroduziu o voto obrigatório em 2022 após uma década de voto voluntário – revela uma realidade que ressoa em toda a América Latina. No contexto desse estudo, os entrevistados consideram a falta de voto como uma infração social de alto calibre, mais grave do que atos como não pagar pelo transporte público ou jogar lixo em espaços protegidos. Essa constatação sugere que, para os cidadãos, votar é mais do que um ato eleitoral; é uma responsabilidade ética, uma expressão de engajamento cívico e uma engrenagem fundamental na roda da sociedade democrática.
Entretanto, o voto obrigatório não é a solução mágica para alcançar uma democracia robusta e representativa. Esse mecanismo, embora eficaz para mobilizar os eleitores, não garante que a participação se traduza em representação genuína ou em uma restauração da confiança nas instituições e nos partidos políticos, o que continua sendo um tema pendente em grande parte da América Latina. A região enfrenta um desafio que vai além da simples obrigação: como transformar esse dever em um exercício de participação consciente e de conexão real com o sistema político?
A questão central não é só se o voto deve ser obrigatório ou voluntário, mas como assegurar que esse ato obrigatório contribua para uma democracia realmente próxima de seus cidadãos. Embora a participação aumente em países com voto obrigatório (segundo o Instituto Internacional para Democracia e Assistência Eleitoral — IDEA, em uma média de 7% em comparação com países com voto voluntário), esse aumento nem sempre reflete uma cidadania bem informada ou engajada. A América Latina precisa de um enfoque renovado, em que a educação cívica e a comunicação política honesta e acessível se tornem os pilares que sustentam um eleitorado consciente de seu poder e responsabilidade.
Um dos desafios mais comuns em países com voto obrigatório é o aumento de votos nulos e em branco, que em muitos casos denotam mais desilusão do que desinteresse. O mal-estar cidadão não é apagado nas urnas; pelo contrário, se torna visível quando os cidadãos se sentem obrigados a votar sem opções que percebem como autênticas ou representativas.
No Chile, as eleições recentes mostram dados que apenas confirmam esse último argumento: mais de 25% dos votos foram nulos ou em branco nas eleições para conselheiros regionais, 10,7% na eleição de prefeitos, 18% para governadores e 21,4% para vereadores. Esse fenômeno é um sinal de profunda desconexão, que não é resolvida por sanções econômicas, mas por uma mudança real no relacionamento entre os cidadãos e seus representantes.
A obrigatoriedade do voto pode ser uma ferramenta poderosa em nossa região, mas seu impacto depende de muito mais do que sanções. A percepção dos cidadãos do voto como um dever fundamental é um bom ponto de partida, mas deve ser complementada por esforços que busquem reconstruir a confiança nas instituições e na representatividade democrática. A América Latina deve avançar em direção a uma democracia na qual a educação cívica e a transparência na candidatura facilitem a participação genuína, conectando os cidadãos com as instituições e reforçando um senso de pertencimento e compromisso.
Uma democracia forte não é construída só com o comparecimento às urnas; é construída por eleitores informados e engajados, cujas vozes refletem uma vontade autêntica e consciente. A experiência do Chile serve como um lembrete para toda a América Latina: o voto obrigatório pode ser só o primeiro passo para uma democracia plena, mas o verdadeiro desafio está na construção de um sistema que reflita fielmente a diversidade e a vontade de nosso povo.
Autor
Sócio Diretor de Tendências Sociais em Datavoz, consultor de opinião pública. Doutor em Políticas Públicas (U.Chicago), acadêmico da Universidad del Desarrollo (Chile).