Uma região, todas as vozes

L21

|

|

Leer en

Trump, o 4 de julho e o uso político da memória

O dia 4 de julho de 2025 marca não apenas uma data comemorativa nacional, mas também um retrato incômodo do presente político, científico e diplomático dos Estados Unidos sob o segundo mandato de Trump.

As efemérides no âmbito político geralmente permitem construir ou consolidar narrativas significativas que ajudam a fortalecer a comunidade como um todo ou a validar um determinado e específico estado de coisas. São feriados nos quais a pausa laboral é marcada por declarações oficiais e eventos destinados a satisfazer o orgulho local ou, conforme o caso, nacional. Momentos para reivindicar o passado e projetar o futuro. Dias com naturezas muito distintas que impregnam a atmosfera de solenidade. Algumas efemérides ultrapassam fronteiras e adquirem um caráter universal. É o que acontece com os dias 4 e 14 de julho, que vão além do contexto estadunidense ou francês para projetar seus significados para além desses limites — e, com uma configuração bastante diferente, também acontece com o 1º de maio.

No discurso do Dia dos Caídos, Donald Trump destacou que haverá uma grande celebração no dia 4 de julho de 2026 para comemorar o 250º aniversário dos Estados Unidos. De forma enfática, afirmou: “De certo modo, fico feliz por ter perdido aquele segundo mandato, porque [risos] eu não seria o presidente… Além disso, em 2026 teremos a Copa do Mundo e, em 2028, os Jogos Olímpicos em Los Angeles”. E concluiu: “Conseguem imaginar? Perdi aqueles quatro anos — e agora vejam o que tenho! Tenho tudo. É incrível como as coisas funcionam. Deus fez isso; eu também acredito. [Aplausos.] Deus fez isso”.

Mas isso será no ano que vem. O que pode dizer o presidente norte-americano para a comemoração de 2025, apenas cinco meses e meio após sua posse em 20 de janeiro e daquele discurso em que mencionou seis vezes a palavra “Panamá”? Quero me concentrar apenas em três aspectos do muito que ocorreu nesse intervalo, relacionados ao cenário doméstico da ciência, à (des)ordem regional em sua vizinhança e às suas relações com os antigos aliados europeus. Questões que podem ajudar a traçar uma cartografia muito particular deste 4 de julho.

Em maio passado, um artigo da The Economist contabilizou que, desde o retorno de Trump à Casa Branca, cerca de 8 bilhões de dólares haviam sido cancelados ou retirados de cientistas ou instituições científicas — o que representava quase 16% do orçamento anual de subsídios federais para o ensino superior. Outros 12,2 bilhões de dólares foram rescindidos, mas os tribunais os restabeleceram desde então. Os NIH e a NSF haviam cancelado mais de 3.000 subsídios já aprovados, segundo o Grant Watch, um site de monitoramento dirigido por acadêmicos; um número desconhecido foi descartado pelo DoE, DoD e outros órgãos. A maioria dos cancelamentos afetou pesquisas que desagradam Trump e sua equipe, incluindo estudos associados a DEI (Diversidade, Equidade e Inclusão), mudanças climáticas, desinformação, Covid-19 e vacinas. Outras interrupções atingiram pesquisas realizadas em universidades de elite. Isso resultou em um aumento de um terço no número de pedidos de emprego no exterior por cientistas norte-americanos, em relação ao período homólogo; por outro lado, o número de pesquisadores estrangeiros interessados em vir aos Estados Unidos caiu um quarto.

Zhu Jingyang, embaixador da China na Colômbia, escreveu recentemente no La Silla Vacía uma irônica diatribe: “O atual presidente dos Estados Unidos tem um apelido em nossas redes sociais. Chamamo-lo de ‘camarada’, porque nos ajuda a construir a nação. Que favor ele está fazendo ao seu próprio país com esse objetivo de ‘Make America Great Again’. Não, ele está ajudando a tornar grandes os outros”. Fora dessa invectiva não isenta de sarcasmo, na América Latina, deixando de lado os casos de Cuba, Nicarágua e Venezuela, Trump tem levado ao limite as tensões nas relações com Colômbia, México e Panamá, três países que sempre demonstraram um nível de colaboração e proximidade com os Estados Unidos. Mantém um distanciamento significativo com o Brasil e o Chile e, em contrapartida, consolidou relações de inequívoca amizade apenas com Argentina, Equador e El Salvador.

Com relação aos seus tradicionais parceiros europeus, o horizonte também é complexo. Além dos conflitos causados pelas tarifas e pela incapacidade de melhorar a situação nos cenários de guerra na Ucrânia e no Oriente Médio, sua insistência em exigir maiores compromissos orçamentários com defesa abriu um conflito de consequências imprevisíveis. O governo espanhol, liderado pelo socialista Pedro Sánchez, questionou a exigência norte-americana de que os países alcancem um orçamento de defesa equivalente a 5% do PIB.

Na ausência de uma política comum de defesa europeia, essa exigência se apresenta como uma medida arbitrária, sob o pretexto de que os Estados Unidos pagaram demais por muito tempo — sem considerar os benefícios indiretos obtidos com o mercado europeu. Por outro lado, como destacou a IV Conferência Internacional sobre Financiamento para o Desenvolvimento, realizada em Sevilha, negligenciar essa agenda em favor de esforços financeiros para gasto militar, em um contexto de rearmamento global, é a pior das decisões para o futuro, pois a estabilidade global também está em jogo no Sul Global.

*Tradução automática revisada por Janaína da Silva

Autor

Otros artículos del autor

Doctoranda en Ciencia Política en el Instituto de Estudos Sociais e Políticos de la Univ. do Estado do Rio de Janeiro (IESP-UERJ). Magíster en Ciencia Política por la Univ. Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO).

Diretor do CIEPS – Centro Internacional de Estudos Políticos e Sociais, AIP-Panamá. Professor Emérito da Universidade de Salamanca e UPB (Medellín). Últimos livros: “O gabinete do político” (Tecnos Madrid, 2020) e “Traços de democracia fatigada” (Océano Atlántico Editores, 2024).

spot_img

Postagens relacionadas

Você quer colaborar com L21?

Acreditamos no livre fluxo de informações

Republicar nossos artigos gratuitamente, impressos ou digitalmente, sob a licença Creative Commons.

Marcado em:

COMPARTILHE
ESTE ARTIGO

Mais artigos relacionados