A política e, portanto, os governos que se sucedem eleição após eleição, têm a função de resolver os problemas conjunturais e estruturais de uma sociedade. Os problemas que uma sociedade enfrenta em uma conjuntura eleitoral são definidos no presente, ao mesmo tempo em que questões do passado continuam a ser arrastadas. Trata-se de questões que, de acordo com sua duração e impacto, às vezes determinam situações críticas, embora pareçam se expressar no presente político.
Esse cruzamento entre questões estruturais, ou seja, questões que permanecem, se redefinem e se acumulam, e problemas que parecem ser só uma expressão do presente, é o que confere os pontos críticos à política. Para as sociedades, são temas presentes que o governo eleito deve resolver. Mas para os governos, trata-se de temas árduos que são difíceis de desvendar e muito mais difíceis de explicar à sociedade. Trata-se de um cruzamento complexo entre a gestão do futuro próximo e o imaginário social e político da cidadania, ou ao menos da cidadania que se envolve na política.
As culturas políticas que as sociedades vão traçando geração após geração desempenham um papel importante para definir e situar esses imaginários no continuum histórico de cada país. Na Argentina, a gestão dos problemas que surgem no presente político eleitoral é definida a partir de um imaginário baseado no passado para depois ser projetada para o futuro. Este é um problema político importante para os governos em exercício.
Os problemas que a Argentina vem enfrentando há anos, claramente expressos em ciclos econômicos não virtuosos e seu impacto nas questões sociais mais urgentes, como emprego, distribuição de renda ou bem-estar social, são pensados e definidos a partir de um imaginário do passado, onde essa relação entre economia e bem-estar social havia sido resolvida de forma positiva. Ou seja, os anos do peronismo. Afinal, um slogan clássico da política argentina é: “Os anos mais gloriosos foram os peronistas”.
Se a questão é a economia e o eterno ciclo não resolvido entre crescimento e recessão, o discurso apela para as décadas em que havia políticas industriais, empresas públicas fornecedoras de infraestrutura, importantes empresários nacionais, investimentos públicos e privados. Se o tema é o aumento progressivo do desemprego e da informalidade laboral, recorre-se a um passado de pleno emprego, acordos coletivos, formalidade laboral e salários suficientes. Quando nos concentramos na questão social, novamente a imagem recua para épocas de pobreza praticamente insignificante, mobilidade social, bem-estar progressivo e generalizado.
A mesma lógica se repete ao analisar as profundas deficiências institucionais que afetam o país há décadas. Âmbitos como educação pública, universidades, saúde, habitação e cuidados infantis mostram uma deterioração evidente, produto do mau funcionamento do Estado. Mas antes de nos concentrarmos em uma reforma estatal que fortaleça política e financeiramente sua estrutura institucional, voltamos a pensar nos tempos em que havia saúde pública de qualidade para todos, as escolas ofereciam educação real e mobilidade social, as universidades formavam profissionais para o desenvolvimento nacional e o crédito estatal impulsionava obras de infraestrutura e ampliava o acesso à moradia.
A memória histórica é um dispositivo político de primeira ordem em termos de impulsionar as demandas da sociedade para a política e comprometer esta com o bem-estar público. O problema é quando essa memória se cristaliza e é utilizada como único vetor de orientação da política. Os problemas políticos do presente exigem um diagnóstico temporal adequado para projetar, a partir desse estado e possibilidade de coisas, um futuro possível de reordenação e melhoria.
Essa é uma das chaves da política argentina. A variável principal não é gerenciar os problemas que se repetem continuamente, definindo-os em suas características e relações causais contemporâneas, mas voltar a um passado distante, onde essas questões foram resolvidas em determinações internas e externas que se volatilizaram há décadas. O resultado líquido, governo após governo, é a frustração social e um recomeço.
Isso não significa que os governos operem dentro dessa lógica em termos de negociações, acordos e elaboração de políticas públicas. Mas sim, grande parte do imaginário social não se baseia no resultado possível dessas políticas, mas no que deveria ser, já que assim foi em algum momento.
No contexto latino-americano atual, onde a política comparada oferece um instrumental metodológico de primeira ordem para analisar situações nacionais, mas com a prudência de não minimizar as enormes diferenças, um contraexemplo é a política brasileira. Embora a complexidade da política brasileira seja ainda maior, dado seu papel regional e geopolítico, ela se resolve absolutamente imaginando o futuro. Um futuro que mudará se à definição atual de uma questão específica forem aplicadas as receitas — políticas públicas — projetadas.
Quem sabe se essa modalidade política de tratar os problemas seja a mais eficaz. Mas, mesmo que não produza os resultados esperados, provavelmente não gera a frustração que produz esperar que no futuro as coisas sejam como no passado.
Tradução automática revisada por Isabel Lima