O avanço do reconhecimento dos direitos LGBT+ na América Latina começou com a chegada do século XXI, quando em 2002 a Suprema Corte argentina decidiu a favor da adoção entre casais do mesmo sexo. Desde então, foram aprovados 75 direitos de alcance nacional em 13 países, que beneficiam de maneira diferenciada as pessoas das diversidades sexuais e de gênero.
Os países que reconheceram os direitos LGBT+ o fizeram através de quatro vias principais de aprovação: Executivos, Legislativos, Judiciários e Órgãos Públicos Autônomos. Isto implica que os direitos, embora tenham um alcance nacional, têm estatutos jurídicos diferentes. Aqueles aprovados pelo Legislativo modificam as leis como os códigos civis, por outro lado, os que são reconhecidos pelas outras três vias nem sempre conseguem mudar a gramática legal e alguns inclusive requerem um segundo processo de judicialização.
Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Cuba, Equador, El Salvador, México, Panamá, Peru e Uruguai modificaram paulatinamente ao longo de 20 anos as estruturas cissexistas (a crença de que os corpos validados são aqueles cujas identidades binárias de gênero estão estritamente sujeitas à genitália, os homens “verdadeiros” têm pênis e as mulheres “verdadeiras” têm vulvas) e heterossexuais que imperam na ordem política, social e simbólica.
Isto foi possível graças ao ativismo LGBT+, que tem lutado desde os anos 70, muitas vezes à custa de suas vidas.
A longa luta pelos direitos da população LGBT+
Os processos históricos de transição política na região concentraram-se na formalidade processual, sob a necessidade de conceber aos cidadãos a partir do imperativo da homogeneidade. Isto implica que, em prol de fazer prevalecer a razão normativa no espaço público para garantir a imparcialidade, negaram a especificidade dos corpos e seus desejos, assim como a diferença de raça, gênero, orientação sexual, entre outros traços que ameaçam a unidade e coerência homogênea da qual se articula a democracia liberal.
As lutas de longa data pelas diversidades sexuais e de gênero, assim como a escuta e atenção que receberam nos cenários internacionais de direitos humanos, permitiram que suas demandas ingressassem nos marcos de compreensão da legalidade dos direitos humanos. Isto significou que os países democráticos que firmaram acordos internacionais nesta área fossem obrigados a atender a estas exigências.
Mas estes processos não têm sido automáticos. Apesar da obrigação internacional que foi construída, as pessoas LGBT+ tiveram que batalhar para fazer valer as convenções e tratados internacionais em matéria de direitos humanos. Essa batalha foi travada mediante diferentes estratégias, como alcançar as pessoas congressistas mais empáticas aos direitos LGBT+ ou o litígio estratégico, até mesmo a chegada esporádica e limitada de pessoas das diversidades sexuais e de gênero a cargos de representação popular.
Avanços e desafios pendentes
A experiência dos países no reconhecimento desses direitos evidencia que surgiram, na maioria das vezes, sem uma harmonização legal ou vinculativa. Por exemplo, reconheceram as uniões civis ou o casamento igualitário sem a robustez legal que envolve o casamento heterossexual, que inclui o direito à adoção ou a gama de benefícios legais de previdência social, como o direito à saúde, à assistência infantil e à pensão do parceiro em caso de falecimento, entre outros.
Em muitos casos, como no México (2017), o voto das pessoas trans em todo o país foi aprovado pelo Instituto Nacional Eleitoral. A medida deste órgão público autônomo está situada na ausência legal de alcance nacional do reconhecimento do direito à identidade de gênero. Isto foi aprovado a nível subnacional, e foi somente em janeiro de 2021 que este mesmo órgão, a mando do Tribunal Federal Eleitoral, estabeleceu medidas afirmativas para que as pessoas de diversidade sexual e de gênero tivessem cotas de acesso às candidaturas para cargos de representação popular.
No Peru, o direito à identidade de gênero foi reconhecido em 2016 mediante uma sentença ditada pelo Tribunal Constitucional. Mas o processo de retificação de sexo em documentos de identidade deve ser feito através de procedimentos sumários (julgamentos abreviados) onde este processo ainda está sob tutela judicial. Ou seja, a retificação do sexo deverá ser ordenada por um juiz.
Além disso, esses processos no Peru não preveem que as pessoas trans gozem do direito à identidade de gênero em seu DNI, embora o façam em outros tipos de documentos considerados “menores”. A este respeito, foram apresentadas demandas diante do Tribunal, que por sua vez ordenou que o Registro Nacional de Identificação e Estado Civil reconhecesse o direito à identidade de gênero. A resposta até agora, no entanto, tem sido negativa.
Estas formas desenfreadas e desvinculadas de reconhecer os direitos reafirmam as condições de violência e discriminação que as pessoas LGBT+ sofrem por não responder aos mandatos cissexistas e heterossexuais sob os quais se encora a moral da condição cidadã liberal.
Não podemos esquecer que os direitos foram aprovados em apenas 13 países e em alguns deles apenas um foi reconhecido, como El Salvador, dois na Bolívia e Panamá ou cinco no Chile, frente aos 13 direitos na Argentina ou os 10 no Uruguai, onde também foram geradas políticas públicas a esse respeito.
O atraso com que os direitos das pessoas LGBT+ começam a ser reconhecidos exige uma genuína empatia e acuidade legal dos governos democráticos da América Latina para reconhecer o direito a partir do compromisso de tornar extensiva a dignidade dessas pessoas que historicamente tem vivido à margem da decência humana.
Autor
Professora e pesquisadora do Departamento de Estudos Políticos e Governamentais da Universidade de Guanajuato (México). Membro do Sistema Nacional de Pesquisadores do México. Especialista no status de cidadania de pessoas LGBT+.