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Uma ameaça paira sobre as eleições presidenciais no Brasil

A polarização eleitoral, que já era prevista desde a anulação das condenações do ex-presidente Lula, não apenas se confirma, como projeta uma eleição presidencial plebiscitária, já no primeiro turno. Não só a suposta “terceira via” vira fumaça, como a polarização política tende a se aprofundar, como nunca antes na história deste país. Se há que se lamentar o quanto a polarização rebaixa o debate político-programático, não se pode perder de vista o quanto ela é incontornável, na atual conjuntura.

Neste cenário, um provável segundo turno entre Lula e Bolsonaro, dificilmente irá transcorrer dentro da normalidade democrática. Já sabemos o que esperar de Bolsonaro. Além do “vale tudo” de sua campanha de 2018, ele agora está no controle da máquina civil e militar.

Não por acaso, Bolsonaro tem oscilado positivamente nas pesquisas de intenção de voto, ainda sem ameaçar a liderança de Lula na corrida eleitoral. Mas devemos lembrar que a campanha eleitoral ainda não começou para valer – oficialmente, só em agosto.

Na cabeça golpista de Bolsonaro, chegar a um segundo turno com Lula é a oportunidade para conflagrar o país. Com a intenção de se perder no voto, criar um ambiente de desestabilização política e impedir, de alguma forma, a posse do seu oponente. Embora haja uma distância entre vontade e capacidade no golpismo de Bolsonaro, não se deve subestimar o seu apelo popular, nem tampouco seus vínculos com o ultraconservadorismo internacional e com a oligarquia financeira doméstica e estrangeira.

Todos e todas que, independente da coloração partidária, consideram inaceitável e impensável a continuidade de Bolsonaro, precisam ter em conta o enorme risco de levarmos o pleito para um segundo turno. Uma vitória de Lula, já no primeiro turno, representaria um contundente rechaço ao governo, reduzindo as chances de reação de Bolsonaro e seus apoiadores. Certamente, não é tarefa fácil. Houve segundo turno nas últimas cinco eleições presidenciais.

Não se trata aqui de um argumento retórico com a intenção de chantagear a consciência de eleitores e eleitoras, até porque já nos posicionamos, em outra oportunidade, de forma crítica à chapa Lula-Alckmin. Trata-se, isso sim, de um cenário infelizmente muito provável, por tudo que temos presenciado desde o Golpe de 2016, coroado pelo atual governo neofascista.

Tampouco se está aqui pondo em questão as legítimas opções eleitorais em candidaturas que, tal como a de Lula, se apresentam como de oposição, como nos casos do PDT, UP, PCB e PSTU. Em um ambiente de “normalidade” democrática, o pleito em dois turnos visa, exatamente, a favorecer, no caso de cargos majoritários, a disputa entre diversos projetos políticos, no primeiro turno; e a formação de uma maioria sólida, no segundo, quando projetos opostos disputam os votos. Porém, a inevitável polarização fará já do primeiro turno um plebiscito, em que estará sob escrutínio a aprovação ou reprovação do governo Bolsonaro.

A candidatura Lula é, de fato, a única capaz de fazer frente eleitoralmente à de Bolsonaro. Se Bolsonaro tem os seus 20% de eleitores fiéis, Lula tem sua histórica base de 30%. Mais do que compor uma frente partidária de esquerda ou democrática em torno da candidatura Lula, a importância de uma vitória no primeiro turno impõe uma campanha de movimento, que mobilize as ruas e, principalmente, a juventude.

O chamamento feito por artistas, recentemente, para que a população jovem, de 16 a 18 anos, cujo voto é facultativo, tire o título de eleitor é um exemplo concreto do que se pode fazer em termos de mobilização. A preferência por Lula entre os jovens, de 16 a 24 anos, ultrapassa os 50%.

Campanha de movimento

É necessária uma mobilização que faça ressoar, pelos quatro cantos do país, um retumbante não a tudo que Bolsonaro encarna, como “capitão do mato” das oligarquias financeiras. Como responsável direto pelas milhares de mortes evitáveis na pandemia; por colocar o Brasil de volta no mapa da fome; pelo desmonte da educação pública e da pesquisa; pelo desprezo à cultura; pela institucionalização da mentira, via fake news e a dissimulação de uma deslavada corrupção se dizendo contra a “velha política”; pelo enaltecimento de milicianos, da tortura e de torturadores; pela disseminação da intolerância religiosa, da LGBTfobia e do racismo; pela elevação de preços dos combustíveis, alimentos e das tarifas de serviços públicos; e pelo aumento do desemprego e da precarização do trabalho.

Esta será uma campanha que terá sim que ganhar as ruas e não sair delas. Em 2018, o setor progressista saiu às ruas no segundo turno, naquilo que ficou conhecido como o movimento “vira voto”. Tal movimento conseguiu, de fato, fazer com que a candidatura do Haddad crescesse na reta final. As pessoas saiam às ruas dispostas a ouvir a população sobre suas preferências e motivações, buscando expor as diferenças entre as candidaturas.

Pois bem, precisamos agora de algo semelhante, desde já! Mas, não nos enganemos, a mobilização não se dará apenas pela negação, pelo anti-Bolsonaro. Ela depende também de um horizonte, de uma pauta que aglutine e articule as insatisfações contra o ultraneoliberalismo do atual governo.

Uma agenda que inclua, por exemplo, a revisão de privatizações, do teto de gastos, da reforma trabalhista, da autonomia do banco central; e em favor da reforma agrária, dos direitos dos povos indígenas, do fortalecimento do SUS, da redução no preço dos combustíveis, da tributação dos ricos (lucros e dividendos), da democratização do dinheiro via bancos populares e moedas sociais.

Não se trata de aguardarmos o calor dos acontecimentos de um segundo turno, que poderá nos lançar em um retrocesso ainda maior do que já experimentado até aqui. Cabe, pois, atiçarmos este calor em nosso favor, nos antecipando e mantendo mobilizados, ocupando todos os espaços, privados e públicos, cerrando fileiras contra o bolsonarismo. E se Lula não ganhar no primeiro turno, que permaneçamos, então, mobilizados nas ruas, inclusive para defender, se necessário, a legalidade do pleito, condição mais elementar de uma democracia.

Esta não será apenas mais uma campanha eleitoral. Vivemos um momento singular e decisivo da nossa débil trajetória democrática e somos todos e todas responsáveis pelos seus rumos. É mais do que uma eleição. É sobre a possibilidade de seguirmos lutando pela melhoria de vida da maioria da população, submetida diariamente à violência e à carestia.

Em que pese a importância de Lula e do PT para a democracia brasileira, a tarefa imediata é maior e se impõe sobre qualquer projeto político-partidário. Trata-se de nos confrontarmos com o nosso passado recente e termos a disposição de impedir que o tumor fascista se alastre em metástase na vida nacional.

Autor

Cientista Político. Professor da UNIRIO e da PUC-Rio. Coordenador do Instituto Mais Democracia. Doutor em Ciência Política pelo IUPERJ (atual IESP/UERJ).

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