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A crise na Venezuela e o risco de uma nova onda migratória

O novo episódio da crise política na República Bolivariana da Venezuela ameaça provocar uma nova onda de deslocamento forçado no hemisfério.

O novo episódio da crise política na República Bolivariana da Venezuela ameaça provocar uma nova onda de deslocamento forçado no hemisfério.

As últimas eleições presidenciais, realizadas no domingo, 28 de julho, culminaram com a proclamação do presidente Nicolás Maduro como o vencedor da eleição sem ter cumprido as etapas fundamentais do processo de contagem e totalização dos resultados por seção eleitoral pela autoridade eleitoral, conforme estabelecido pelas leis do país.

A falta de transparência e integridade na condução do processo eleitoral foi ratificada por missões de observação imparciais, como as enviadas pelo Centro Carter e pelo painel de especialistas eleitorais da ONU, que também concordaram que os resultados apresentados pelo CNE não refletiam a realidade.

A rejeição dos resultados pela oposição e por vários setores da cidadania deu origem a um ciclo preocupante de repressão estatal, resultando em números alarmantes de violações dos direitos fundamentais da população civil venezuelana. Como resultado, 25 pessoas foram mortas no contexto de protestos pacíficos pelas forças de segurança do Estado ou por grupos armados irregulares sob proteção do Estado. De acordo com relatórios da organização Foro Penal, em 22 de agosto havia 1.503 pessoas detidas, das quais 129 são adolescentes, 14 são indígenas, 18 são pessoas com deficiências, doenças crônicas ou necessidades especiais e 200 são mulheres. Na maioria dos casos, essas detenções ocorreram de forma arbitrária e sem as garantias do devido processo legal, como acesso a um advogado de confiança ou conhecimento das acusações contra eles.

Além da repressão direta, houve tentativas de fechar ainda mais o espaço cívico no país. A promulgação, na semana passada, da chamada “Lei de Fiscalização, Regularização, Atuação e Financiamento de Organizações Não-Governamentais e Organizações Sociais Sem Fins Lucrativos” ameaça a existência de milhares de organizações que prestam assistência humanitária e defendem os direitos humanos na Venezuela.

A possibilidade de uma nova onda de deslocamento forçado

Há mais de uma década, a Venezuela enfrenta uma complexa crise política, econômica, social e humanitária que provocou o deslocamento forçado de mais de 7,7 milhões de pessoas, das quais 6,5 milhões encontram-se em países da América Latina e do Caribe.

As eleições foram observadas de perto pela comunidade internacional devido à possibilidade de estabelecer as bases para uma transição pacífica para a democracia e, com isso, abordar as causas que já levaram mais de 20% da população venezuelana a abandonar seu país nos últimos anos.

Durante a campanha eleitoral, um estudo realizado pela consultoria Poder y Estrategia em 20 de julho deste ano revelou que 18% dos entrevistados expressaram o desejo de emigrar, embora não tivessem planos concretos para isso. Por outro lado, 6% dos entrevistados disseram que já tinham planos para abandonar o país.

Como consequência do agravamento da crise política, os dados sobre os fluxos migratórios nos países com os quais a Venezuela compartilha uma fronteira terrestre demonstram um aumento nas passagens de fronteira, especialmente no Brasil, um leve incremento em comparação com as médias diárias na Colômbia e um aumento notável na proporção de pessoas que fogem da Venezuela devido a violações de direitos humanos e repressão política.

A possibilidade de uma nova onda migratória acontece em um momento de retrocesso nas decisões de política migratória dos países do hemisfério. Nesse sentido, a crescente militarização das fronteiras em alguns países da região, a falta de mecanismos que garantam a regularização migratória, a pouca disposição para implementar a Declaração de Cartagena sobre Refugiados, a crescente exigência de vistos para permitir a entrada de migrantes e os planos de deportação são muito preocupantes, pois só contribuem para criar maiores riscos para as pessoas deslocadas.

Como agravante, os fundos de cooperação internacional alocados para apoiar a resposta humanitária ao fluxo migratório venezuelano na região estão muito abaixo do necessário. De acordo com dados da Plataforma R4V, até 12 de agosto deste ano, apenas 12,5% dos recursos necessários para financiar o plano de resposta para refugiados e migrantes em 2024, estimados em pouco mais de US$ 1,5 bilhão, haviam sido efetivamente cobertos.

Necessidade urgente de proteger as pessoas deslocadas

Diante dessa situação, é essencial que os países do hemisfério tomem medidas para assegurar que as pessoas deslocadas pela crise na Venezuela tenham garantias de proteção internacional ou mecanismos rápidos para sua regularização migratória.

A crise venezuelana é um lembrete da necessidade de atualizar os marcos de proteção para pessoas deslocadas no hemisfério e de garantir respostas adequadas aos desafios enfrentados pelo continente nos tempos atuais. Nesse contexto, a definição de refugiado estabelecida na Declaração de Cartagena oferece uma estrutura normativa clara para proteger os deslocados venezuelanos como refugiados de forma automática.

Dadas as evidências documentadas por organismos internacionais imparciais, como o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), sobre a situação dos direitos humanos na Venezuela, o reconhecimento da condição de refugiado dos cidadãos venezuelanos é uma posição coerente com o direito internacional dos direitos humanos. Essa medida não deve ser interpretada em nenhum momento como uma ação hostil ao estado de origem das pessoas deslocadas.

Nesse sentido, já existem casos exemplares, como a decisão do Estado brasileiro de aderir à definição de refugiado estabelecida na Declaração de Cartagena, o que permitiu a concessão de proteção internacional a mais de 130.000 cidadãos venezuelanos no país.

Por outro lado, é fundamental alertar os países da comunidade internacional sobre a necessidade de reativar os programas de assistência aos seus pares latino-americanos em seus esforços para receber, proteger e integrar os migrantes venezuelanos. É imperativo renovar a cooperação e os compromissos de financiamento para planos de resposta a essa crise migratória na região.

A crise na Venezuela e seus impactos nas Américas exigem a solidariedade de todos. É urgente implementar ações coordenadas que coloquem as vítimas no centro das medidas.

Autor

Doutor em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Pós-doutorando no Programa de Recursos Humanos da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (PRH / ANP).

Advogada, mestre em Gestão Pública e especialista em migração e refúgio. Presidente da Coalizão pela Venezuela.

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