A desigualdade econômica e social na América Latina e no Caribe é um problema profundo e persistente. Apesar do progresso em determinados indicadores econômicos, a região continua sendo a mais desigual do mundo. De acordo com o relatório Desigualdade SA, publicado pela Oxfam no início deste ano, a riqueza das três pessoas mais ricas da América Latina aumentou 70% desde 2020, enquanto a metade mais pobre da população ficou ainda mais pobre.
Em comparação, os países da OCDE – que incluem muitas das economias mais avançadas do mundo – têm uma distribuição de renda mais equitativa. O Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) estimam que, nesses países, os 10% mais ricos têm quatro vezes a renda dos 10% mais pobres, em contraste com a média de doze vezes nos países da região latino-americana.
A diferença é abismal e é exacerbada pela falta de mobilidade social. Diferentemente da Europa e da América do Norte, onde há mais oportunidades para indivíduos de famílias de baixa renda melhorarem sua situação econômica por meio da educação e do emprego, na América Latina e no Caribe as barreiras estruturais são muito mais difíceis de serem superadas. Fatores como a educação pública deficiente, a informalidade generalizada do trabalho e a corrupção limitam severamente as possibilidades de progresso.
Nesse cenário sombrio, está surgindo um ator potencialmente importante na redução da desigualdade: a empresa socialmente responsável (“ESR”). Definida como aquela que não busca apenas a lucratividade econômica, mas também considera o impacto social e ambiental de suas operações, a ESR, ou negócios sustentáveis, ganhou atenção nos últimos anos, já que um número cada vez maior de empresas na região está alinhando seu crescimento com objetivos de desenvolvimento sustentável e práticas mais éticas em relação ao trabalho decente, diz um estudo da Organização Internacional do Trabalho.
Uma estratégia que pode gerar benefícios
Isso se deve ao fato de que a responsabilidade social corporativa (RSC) não é apenas um ideal ético, mas também uma estratégia de negócios que pode gerar benefícios sociais, materiais e financeiros tangíveis. Entre os benefícios sociais incluem-se a melhoria da reputação corporativa, o aumento da satisfação dos funcionários e o envolvimento com as comunidades, entre outros. Os benefícios materiais e financeiros incluem ganhos de eficiência, maior competitividade, acesso a novos mercados e capital destinado à sustentabilidade.
As ESRs podem contribuir para a redução da desigualdade de várias maneiras, como, por exemplo, oferecendo empregos de qualidade com salários justos e benefícios adequados, o que é fundamental em uma região onde a informalidade e a insegurança laboral são desenfreadas. As empresas também podem investir nas comunidades locais, melhorando a infraestrutura e os serviços básicos, como educação e saúde, e adotar práticas sustentáveis que protejam o meio ambiente, garantindo que os recursos naturais permaneçam disponíveis para as gerações futuras.
Entretanto, a realidade é complexa e nem todas as iniciativas socialmente responsáveis são concebidas da mesma forma, nem atingem seu potencial transformador. Embora a ESR possa ser uma força positiva, ela não é a solução para o problema maior da desigualdade. A implementação eficaz das práticas de RSC exige um compromisso genuíno por parte das empresas e não apenas uma estratégia de relações públicas. Além disso, o impacto da RSC é limitado pelo escopo e pelo tamanho de cada empresa, e as iniciativas individuais, embora valiosas, não podem resolver sozinhas os problemas estruturais que perpetuam a desigualdade.
Portanto, a ESR desempenha um papel importante na mitigação da desigualdade na América Latina e no Caribe, mas, por si só, é insuficiente para resolver esse problema profundamente enraizado. Exemplos bem conhecidos de empresas que implementam estratégias sustentáveis ou socialmente responsáveis incluem a padaria mexicana Grupo Bimbo, que implementa programas para melhorar a educação e o bem-estar de seus funcionários e de suas famílias e políticas para integrar pessoas com deficiência em sua força laboral.
Outra é a multinacional brasileira de cosméticos Natura & Co, que investiu significativamente na conservação da Amazônia e no apoio às comunidades locais. O BID publica anualmente um índice de sustentabilidade corporativa que destaca as 100 empresas mais sustentáveis que operam na região. Entre elas estão multinacionais como a empresa alemã de roupas e calçados Adidas e a multinacional estadunidense de produtos de consumo Colgate-Palmolive, e multilatinas como a empresa mexicana de cimento Cemex e o conglomerado colombiano de alimentos Nutresa.
Esses exemplos bem-sucedidos não devem nos cegar para o fato de que as empresas operam em um marco regulatório e econômico que também precisa evoluir para facilitar a redução da desigualdade. Em seu relatório, a Oxfam reitera que os governos têm um papel crucial a desempenhar na criação de políticas que promovam a justiça econômica e social, como sistemas tributários progressivos, investimentos em educação e saúde pública e a implementação de leis trabalhistas que protejam os direitos dos trabalhadores.
A sociedade civil também deve permanecer vigilante e ativa, pressionando tanto as empresas quanto os governos a cumprirem suas responsabilidades. A colaboração entre o setor privado, o setor público e a sociedade civil é essencial para criar um ambiente em que a igualdade de oportunidades seja uma realidade para todos os cidadãos.
Embora as empresas socialmente responsáveis possam e devam fazer parte da solução para a desigualdade na América Latina, seu impacto será limitado se não houver apoio regulatório adequado e promovido por parte dos governos. A luta contra a desigualdade é um desafio multidimensional que exige uma abordagem abrangente, na qual as partes interessadas e os atores sociais desempenham um papel ativo e coordenado. Somente por meio de um esforço coletivo e sustentado poderemos aspirar a uma região mais justa e equitativa.
Autor
Economista. Analista de mercado e investimento sustentável em Dow Jones. Possui Pós-graduação em Economia e Negócios Internacionais na Faculdade de Economia da Hochschule Schmalkalden (Alemanha).