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A teologia do domínio e as guerras culturais na política brasileira

A Teologia do Domínio impulsiona no Brasil uma ofensiva político-religiosa: ocupar instituições, impor a moral bíblica e travar “guerras culturais” contra os direitos LGBTQIA+, o aborto e a educação com enfoque de gênero. Com Bolsonaro e figuras como Nikolas Ferreira, o pentecostalismo conservador ganha poder, tensiona o Poder Judiciário e corrói a laicidade e a democracia.

A corrente dominionista propõe a construção de nações cristãs através da ocupação de instituições-chave da sociedade, como forma de se preparar para a “segunda vinda” de Jesus. Sustentada pela crença de que o mundo está envolvido em uma luta espiritual do “bem” contra o “mal”, mobiliza igrejas e líderes religiosos para atuar no campo político-institucional com o objetivo de expandir suas agendas morais e impor seus valores religiosos à sociedade.

A Teologia do Domínio está relacionada a um conceito de família, que representa o pilar da sociedade, um espaço onde os valores religiosos são transmitidos de geração em geração, baseado na união entre homem e mulher (Gênesis 2:24), com o propósito do amor, da procriação e da educação dos filhos (Efésios 6:4). Nessa teologia, a moral é um sistema imutável, revelado por Deus e transmitido por líderes religiosos. Esse sistema serve, além disso, como mecanismo de controle social sobre a sexualidade, o corpo e as estruturas familiares. O dominionismo se configura como uma forma de ativismo político-religioso que busca “reconquistar” a sociedade para Deus através da ocupação estratégica das instituições.

Os dominionistas acreditam que os cristãos têm o dever de dominar as sete esferas da sociedade (família, educação, mídia, política, economia, artes e religião) para estabelecer o Reino de Deus na Terra. A visão dominionista é pós-milenista: acredita-se que, antes da “segunda vinda” de Cristo, os cristãos devem restaurar a moralidade bíblica e instituir uma ordem social baseada nos valores do Evangelho. Isso justifica o compromisso político dos pentecostais, que se apresentam como soldados espirituais na luta contra o “mal”, representado por ideias como feminismo, direitos LGBTQIA+, comunismo e secularismo. A política se torna um campo de batalha espiritual, no qual o objetivo não é negociar, mas derrotar o inimigo.

Essa configuração religiosa se consolidou no Brasil com a eleição do presidente Bolsonaro em 2018, apoiado por denominações pentecostais, como a Igreja Universal do Reino de Deus e a Assembleia de Deus. Seu governo incorporou líderes religiosos a ministérios estratégicos, promoveu uma aliança entre o cristianismo conservador e o projeto político autoritário. O fenômeno, entendido como “Cristofascismo”, estabelece um tipo de fundamentalismo que instrumentaliza a fé para legitimar o autoritarismo, a hierarquia e a intolerância.

O dominionismo usa a política para moldar a opinião pública e captar o apoio dos eleitores, promovendo uma legislação que reflita seus valores e concepções morais. Um dos protagonistas dessas batalhas culturais é o deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG), o mais votado em 2022. Alinhado com o dominionismo, é autor do livro “O cristão e a política: descubra como vencer a guerra cultural” (2023), no qual convoca os cristãos a lutar contra o comunismo, o feminismo, a “ideologia de gênero” e os direitos LGBTQIA+.

A linguagem agressiva e carismática desse líder radical o torna uma figura central na atuação político-religiosa. A ascensão do deputado representa a consolidação de uma nova geração de políticos evangélicos, midiáticos, combativos e ideologicamente alinhados com a extrema direita. Seu discurso reforça a polarização temática e contribui ao avanço de uma agenda autoritária que coloca em risco os pilares do Estado democrático de direito.

Sobre o tema das uniões entre pessoas do mesmo sexo, a pesquisa mostra que, embora o Supremo Tribunal Federal (STF) tenha reconhecido esse direito em 2011, parlamentares conservadores buscaram reverter essa conquista com projetos como o PL 5167/09, que visa proibir o reconhecimento legal. Outros projetos de lei tentam alterar o Código Civil para restringir a noção de família à união entre um homem e uma mulher biológicos. Em resposta, setores progressistas propuseram iniciativas para consolidar os direitos dos casais LGBTQIA+ na legislação ordinária, mas esses projetos enfrentam forte resistência.

No campo do aborto, a maioria dos projetos de lei analisados visa restringir ainda mais o acesso ao procedimento, mesmo nos casos em que ele já é legalizado. A retórica utilizada baseia-se em princípios religiosos, como a defesa da vida desde a concepção, e no argumento de que o aborto é uma forma de assassinato sancionada pelo Estado. Por outro lado, os movimentos feministas e as organizações de direitos humanos defendem a descriminalização como uma questão de saúde pública, equidade e autonomia das mulheres.

A educação é outro campo de intensa disputa. O projeto “Escola sem Partido”, defendido por parlamentares dominionistas, busca eliminar das salas de aula os debates sobre gênero, sexualidade e direitos humanos. A escola é apresentada como um espaço de “doutrinação ideológica”, que precisaria ser resgatado para “proteger a infância” e os “valores familiares”. O projeto pretende, na prática, restringir a liberdade de ensino e impor uma visão religiosa conservadora no currículo escolar.

A extrema direita no Brasil defende valores como a família nuclear tradicional, segundo os preceitos bíblicos e a moral religiosa, e rejeita ideias como igualdade de gênero, diversidade e inclusão social. Os grupos pentecostais são afiliados a essa ideologia, com uma visão de um Estado limitado que seria guiado por Deus e acima da lei. Os pentecostais, que se traduziram politicamente em uma aliança com a extrema direita, servem como um dos pilares de apoio para essas batalhas culturais no Brasil. As igrejas, especialmente as associações evangélicas neopentecostais, garantiram aos políticos uma ampla base de apoio social. E a expansão do ativismo religioso evangélico pentecostal é evidente nas propostas legislativas apresentadas entre 2018 e 2024.

Essas agendas incluíam a criminalização da educação e dos direitos reprodutivos, entre outros, todos percebidos como violações dos direitos humanos. Os líderes religiosos alinhados com a Teologia da Prosperidade e a Teologia do Dominionismo também ganharam protagonismo e projeção na mídia, usurpando a agenda moral e vigilante para despertar o engajamento, a monetização e a adesão religiosa nas redes sociais. O Poder Judiciário brasileiro tornou-se um importante contrapeso para controlar os avanços conservadores, mas é alvo de críticas e ameaças da extrema direita, que busca reduzir seus poderes e influenciar a opinião pública contra ele.

Por fim, acredita-se que a moralização da política baseada em valores religiosos excludentes coloca em risco o pluralismo e a laicidade do Estado. A Teologia do Domínio, ao transformar disputas políticas legítimas em batalhas espirituais entre o bem e o mal, elimina o espaço para o diálogo, a negociação e o reconhecimento da diversidade. O avanço desse modelo é uma ameaça à democracia, especialmente porque instrumentaliza a fé para legitimar a exclusão de minorias e a criminalização de direitos fundamentais.

Tradução automática revisada por Isabel Lima

Autor

Doutora em Ciência Política (Universidade de São Paulo – USP). Professora da UFMG - Universidade Federal de Minas Gerais, presidente da ABRAPEL - Associação Brasileira de Pesquisadores Eleitorais. Membro do Conselho Diretor da Wapor - LATAM.

Mestre em Antropologia e doutoranda em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Pesquisadora do grupo "Opinião Pública, Marketing Político e Comportamento Eleitoral" da UFMG.

Doutor em Ciência Política. Pós-doutorado pela UFMG e bolsista do CNPq em projeto financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG). Pesquisador do Grupo "Opinião Pública, Marketing Político e Comportamento Eleitoral" (UFMG).

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