Abimael Guzmán faleceu no sábado passado, aos 86 anos de idade, após passar três décadas na prisão, dada sua condição de líder e fundador do grupo armado Partido Comunista do Peru – Sendero Luminoso (PCP-SL), responsável por mais de 35.000 mortes oficiais, de acordo com a Comissão da Verdade e Reconciliação.
Nascido em Arequipa em 1934, estudou Direito e Filosofia na Universidade Nacional de San Agustín, onde conheceu pela primeira vez a obra do pensador marxista José Carlos Mariátegui e, em particular, seu trabalho magistral sobre os Sete ensaios de interpretação da realidade peruana. No entanto, sua figura experimentou um maior protagonismo quando, em 1962, chegou à cidade de Ayacucho para assumir uma cátedra como professor de Filosofia na Universidade Nacional de San Cristóbal de Huamanga. Foi lá que ele rapidamente se tornou uma figura de destaque no Partido Comunista do Peru – Bandeira Vermelha (um fragmento pró-Chinês do PCP, de 1964), bem como um reconhecido líder universitário, graças ao apoio do então reitor, Efraín Morote Best.
O Ayacucho que Guzmán encontrou se caracteriza por uma profunda agitação social, indignados pelas demandas em favor do direito à educação pública e pela reabertura da universidade. Morote Best ajudou a politizar a universidade e, com o apoio da Frente Estudantil Revolucionária, o pensamento político da UNSCH foi tingido de vermelho monocromático. Assim, o maoísmo – quase uma exceção entre os guerrilheiros latino-americanos – surgiu como uma das abordagens que melhor se adapta às tensões, contradições e carências de Ayacucho e, para tal, a universidade e os centros educacionais atuaram como a vanguarda do pensamento revolucionário maoísta.
Abimael Guzmán, a partir do grupo Facção Vermelha, evoca a necessidade de uma violência claramente ideologizada, inicialmente restrita a lutas educacionais, mas que rapidamente se voltou para o colapso do Estado. Ayacucho é o ponto de partida para promover uma ruptura revolucionária que supera os aspectos que Guzmán entende ser a base de todos os males do Peru: a dominação feudal e a marca imperialista.
A este respeito, o país andino deveria imitar a experiência da China – para onde ele viajou em duas ocasiões, em 1965 e 1967 – interiorizando o sentido de uma guerra popular prolongada e adaptando o pensamento de Mariátegui – ou melhor, desfocando-o e manipulando-o – a partir da submissão dos aportes marxistas em favor de um projeto radical e completamente violento.
A verdade é que a partir de 1969-70 as bases próprias do Sendero Luminoso foram definitivamente assentadas. O homem conhecido como “Camarada Gonzalo” construiu paulatinamente uma espécie de culto messiânico a sua pessoa, cujo fundamento ideológico, até 1983, era elaborar um corpus teórico integrando, primeiro, o marxismo, o leninismo e o maoísmo, e depois sua própria contribuição. Ou seja, se tratava de elevar o “Pensamiento Gonzalo” à teoria primária do marxismo – sem rastro nenhum de Mariátegui – de modo que Guzmán se visse como a quarta espada do comunismo, no mesmo nível de Marx, Lenin e Mao Tse-Tung.
Desde 17 de maio de 1980, quando ocorreu a primeira ação armada do Sendero Luminoso, Guzmán tem plena convicção de que o processo violento e revolucionário deve ir do campo para a cidade; em outras palavras, da periferia para o centro. Deve começar no altiplano andino centro-sul, especificamente em Ayacucho, e conquistar espaço nas províncias de Apurímac e Huancavelica antes de chegar a Lima. Isto porque o altiplano andino era o lugar ideal para orientar um espírito de ódio em direção a uma ordem estabelecida, cuja superação justificava cada indício de sacrifício e confronto.
A utopia do futuro foi interiorizada como o motor da revolução, de maneira que se tornou urgente exibir o fluxo de violência nos enclaves de onde partia o projeto senderista. A ideia de “bater e remover o campo” (em terminologia senderista) não responde a outro propósito senão expulsar todas as autoridades estatais e evitar qualquer tipo de presença nos lugares esquecidos pela história peruana dos quais surgiu o Sendero Luminoso.
Isso, em todo caso, e em um plano claramente local, se materializou nos primeiros anos da década de oitenta, especialmente entre 1982 e 1984, embora acompanhado de doses imensuráveis de morte, terror e violência. Ademais, deve-se mencionar a resposta errática de um Estado que desconhecia o inimigo que enfrentava, que mesmo inicialmente o subestimou – já que em termos de ameaça, os olhos estavam voltados para o Equador – e que acabou impulsionando uma política de excessos contra a população civil que, igualmente, deixou o Estado como responsável por mais de 25.000 mortes, a maioria delas violentas, na primeira metade da década de oitenta.
Isso, sem dúvida, teve a contribuição da estratégia liderada por “Gonzalo”, que colocava o partido na vanguarda de qualquer estrutura revolucionária e entendia a necessidade de se fundir com as massas, de modo que para o Estado todo camponês que falasse a língua quechua em Ayacucho era suscetível de ser considerado parte do Sendero Luminoso. Desde então, em meados da década de oitenta, o confronto com a força pública peruana era absoluto e o país tornou-se um dos enclaves mais violentos do continente – junto com Colômbia, Guatemala e El Salvador – além de exibir o maior número de mortes violentas no menor período de tempo.
Abimael Guzmán quis acelerar as condições revolucionárias da história fazendo uso de uma cota de sangue ultrapassada, que começou com ações de agitação e propaganda e passou rapidamente para “execuções seletivas” (fazendo uso do jargão senderista) e ações armadas de natureza terrorista contra o Estado peruano e a sociedade civil.
A partir de meados da década de 1980, o principal enclave do ativismo senderista era, acima de tudo, a cidade de Lima. No campo, as forças foram estrategicamente acumuladas, mas Lima foi o trampolim ideal para dar voz à abordagem senderista. A cota de sangue (também um conceito claramente cunhado por Guzmán) nunca deixou de estar presente. A guerra e a morte tinham que ser a preocupação mais importante da sociedade peruana e isto exigia dispor de todos os recursos necessários para manter enormes doses de violência.
Assim, a tanatofilia foi elevada a um dogma de fé no Sendero Luminoso. O selo de compromisso com uma revolução que só deixou consigo morte, destruição e um fujimorismo que, desde 1990, soube capitalizar perfeitamente a prisão de “Gonzalo”. Sua captura – que completou 29 anos ontem – marcaria o início do fim de um dos grupos armados mais sanguinários do século XX na América Latina.
Entretanto, sua morte não nos permite virar uma página da história peruana que ainda hoje abriga importantes carências em termos de verdade, justiça, reparação e não repetição para as vítimas – oficiais e não reconhecidas – da violência política que ocorreu, acima de tudo, entre 1980 e 1992. Espera-se que Guzmán encontre em seu túmulo a paz que ele arrancou do povo peruano.
* Tradução do espanhol por Maria Isabel Santos Lima
Autor
Cientista político. Professor da Universidade Complutense de Madri. Doutor em Ciência Política e Mestre em Estudos Contemporâneos da America Latina pela Univ. Complutense de Madri.