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Além das cotas de gênero: construir a paridade a partir do poder

A experiência demonstra a efetividade das cotas, uma vez que existem diferenças numéricas na presença feminina entre os sistemas políticos em que elas são contempladas e aqueles em que não são.

María Elena Wapenka, ex-deputada do Paraguai, acredita que as cotas de gênero foram uma ferramenta fundamental para que as mulheres tivessem acesso à política em um sistema tradicionalmente dominado por homens. Para ela, as cotas são um meio eficaz de aumentar a representação feminina, pois permitem que as vozes das mulheres sejam ouvidas nos processos de tomada de decisão, algo que antes era quase impossível devido às barreiras estruturais. Ela acredita que, sem as cotas, muitas mulheres continuariam sendo excluídas do sistema político porque elas são uma ferramenta para equilibrar o poder e promover a equidade em um sistema patriarcal e, embora não sejam perfeitas, são uma resposta à discriminação histórica.

Patricia Bullrich, por outro lado, Ministra de Segurança da Nação do governo do Presidente Javier Milei na Argentina, expressou sua discordância com a implementação de cotas de gênero, argumentando que tais medidas podem ser percebidas como uma forma de discriminação reversa e que a igualdade deve ser alcançada através do mérito e da competência.

Ambas as posturas têm nuances e o debate continua sendo uma questão importante na política global. As críticas se concentram na ideia de que, em alguns casos, elas podem resultar na representação de mulheres que não têm apoio popular ou experiência suficientes, o que pode reforçar os estereótipos de que as mulheres só entram nesses espaços por causa de seu gênero, não de sua capacidade.

O sistema de cotas tem sido efetivo para mudar os números da participação das mulheres no poder?

A experiência mundial, especialmente no continente americano, demonstra a efetividade das cotas, uma vez que, aparentemente e em princípio, existem diferenças numéricas na presença feminina entre os sistemas políticos em que elas são contempladas e aqueles em que não são. Atualmente, é comum afirmar que elas tiveram êxito no sentido de aumentar mais ou menos rapidamente a presença feminina nos espaços em que são aplicadas, uma vez que contribuem para criar uma “massa crítica” para a introdução de temas femininos, que se considera que aparece quando há entre 30% e 40% de presença feminina.

A democracia paritária na América Latina e no Caribe ainda está longe de ser alcançada, sendo que a participação das mulheres na tomada de decisões é, em média, de 30%. Apesar dos avanços nas leis de cotas e reformas constitucionais em vários países, os sistemas políticos patriarcais continuam a limitar a igualdade. A representação das mulheres nos gabinetes ministeriais é de 28,7%, e a paridade é alcançada somente no Chile e na Costa Rica. Nos parlamentos nacionais, a participação é de 34,9%, com uma projeção de 40 anos para atingir a paridade. De acordo com o Fórum Econômico Mundial, a região fechou 74,3% de sua brecha de gênero, destacando as melhorias no empoderamento político e nas oportunidades econômicas.

Mas a realidade continua sendo que pouquíssimas mulheres chegam ao poder, pouquíssimas permanecem no poder (geralmente ocupam cargos hiperfeminizados com pouca influência) e quase nenhuma consegue incorporar uma perspectiva feminista em políticas públicas e ações governamentais que consigam mudar as condições das mulheres. 

Todos os informes e relatórios e até mesmo o senso comum racional destacam como estaríamos muito melhor como sociedade se as mulheres participassem e tomassem mais decisões. Mas os números revelam que as mulheres continuam sendo excluídas de todos os espaços de poder. O progresso é lento e há retrocessos. A situação das mulheres está sendo constantemente negociada. Não há mudanças estruturais, apenas mulheres que se masculinizam para manter o poder. A verdade é que todos os dias, em todos os momentos, os direitos das mulheres estão sendo ignorados, ameaçados e minados. 

Paridade como nova bandeira

Mais recentemente, em outubro de 2024, a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW) adotou o Regulamento Geral 40, que coloca a paridade 50-50 como foco principal. Nas palavras do Comitê, o fracasso em alcançar a paridade impedirá que os Estados e a comunidade internacional enfrentem efetivamente os desafios nacionais, regionais e globais urgentes, especialmente aqueles relacionados à paz, à estabilidade política, ao desenvolvimento econômico, às mudanças climáticas e aos avanços tecnológicos, como a inteligência artificial.

Eles a definem como crucial para atingir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável até 2030. Até maio de 2023, nenhum dos 17 havia sido alcançado, especialmente o número 5, Igualdade de Gênero, que está aquém das expectativas globais. O RG 40 afirma que todas as desigualdades são exacerbadas pela discriminação estrutural existente e pelas desigualdades de gênero nas esferas pública e privada.

Com essa recomendação, não há apelo à transitoriedade ou à discriminação positiva; a paridade se torna um princípio universal e permanente. É uma exigência que o feminismo radical vem fazendo há muito tempo: “Sem paridade não pode haver democracia”, “A paridade é um direito constitutivo da democracia”. 

Esse princípio busca a verdadeira igualdade de oportunidades e participação entre os dois gêneros, pois garantiria a equidade total, a transformação estrutural por meio da mudança das dinâmicas de poder e o equilíbrio igualitário da liderança de forma sustentável e duradoura. 

Entretanto, alcançar a paridade pode ser complexo, pois representa uma meta mais ambiciosa. Não se trata apenas de mudar as leis, mas de transformar profundamente as estruturas de poder e as mentalidades sociais. Não se trata apenas de mudar os números, mas de gerar uma mudança cultural que deve romper com tradições patriarcais profundamente enraizadas que limitam a aceitação da igualdade de gênero.

Pessoalmente, estou convencida de que a paridade é uma luta por um direito semelhante ao do sufrágio. Não é uma concessão de partidos políticos, diretorias ou líderes quando escolhem seu gabinete, é um direito político.

Como fazer com que a paridade seja substantiva e não apenas formal?

Para mudar essa situação, é necessária uma transformação estrutural dos papéis e das responsabilidades de gênero nas esferas pública e privada, a fim de promover um contexto no qual mulheres e homens possam conciliar suas obrigações e habilidades profissionais com suas responsabilidades familiares e outras responsabilidades de cuidado em pé de igualdade, por exemplo, por meio de uma nova organização do trabalho e da reconfiguração dos conceitos de produtividade, monetização e economia do cuidado.

De acordo com a CEPAL, a experiência dos países onde a paridade foi efetiva (México, Chile, Argentina, por exemplo) foi o resultado da defesa articulada de diferentes atores: “as próprias mulheres políticas, organizadas em coordenação intra e interpartidária; órgãos de supervisão eleitoral comprometidos com a promoção da igualdade de gênero; partidos políticos e líderes aliados que demonstram um compromisso real com a paridade de gênero nos espaços de tomada de decisões políticas; e o monitoramento e a denúncia de casos de descumprimento por parte do movimento social feminista”.

Em muitos casos, as duas estratégias poderiam ser combinadas: começar com cotas de gênero para gerar representação e visibilidade imediatas e, ao mesmo tempo, trabalhar paralelamente para construir a paridade a longo prazo, garantindo que, uma vez que o progresso seja feito, as estruturas políticas e sociais sejam capazes de sustentar a verdadeira igualdade de gênero.

Embora alguns possam argumentar que as cotas não resolvem todos os problemas, como a representação autêntica ou a qualidade da participação, é inegável que elas abrem portas e tornam o talento feminino visível em um ambiente historicamente dominado por homens.

A agenda feminista é a agenda da igualdade, não da inclusão. Não se trata de se encaixar nesse sistema patriarcal que valoriza o masculino em detrimento do feminino, mas de projetar outro em que mulheres e homens vivam em igualdade de condições. É por isso que há uma necessidade urgente de um grande acordo nacional sobre paridade, em que o Estado, os partidos políticos, o setor privado e a sociedade civil se comprometam a facilitar as condições para que mais mulheres cheguem ao poder. 

Tradução automática revisada por Giulia Gaspar.

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Psicóloga. Mestre em Políticas Públicas com enfoque de gênero. Especialista em Transformação Cultural e Coaching Ontológico. Diretora do FeminismoINC. Autora de “Inconveniente para Transformar” e “Atrevidas: Um manual de trabalho pessoal para o ativismo feminista”.

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