A América Central está em um ponto de ruptura. A região está enfrentando uma multiplicidade de crises que a tornaram ainda mais vulnerável, apesar da extrema fragilidade que vem experimentando há três décadas.
A pandemia aumentou as desigualdades e também a pobreza e a pobreza extrema (de 33,7% para 40,2% na Nicarágua e de 7,4% para 11,9% em El Salvador, respectivamente), e agravou a debilidade estrutural das economias nacionais. Segundo um relatório da Secretaria Executiva da CEPAL (2020), o PIB regional sofreu uma contração de 6,2% em 2020. Historicamente, as realidades estruturais das desigualdades socioeconômicas coincidiram com Estados frágeis, se não em colapso, e produziram altos índices de violência.
Neste contexto, surgiu nas agendas um problema diferente: a evidência da urgência climática na América Central. Com dois furacões, Eta (13-14 de novembro) e Iota (17-18 de novembro), a região sofre os efeitos da mudança climática. Entretanto, o apoio à reconstrução volta a ser debatido e ajudar a região se apresenta como um dilema político e moral.
Esta reflexão se baseia em dois aspectos: a promessa de atenção renovada da nova administração estadunidense com o Plano da Aliança para a Prosperidade do Triângulo do Norte remodelado e a chegada da ajuda internacional após os furacões Eta e Iota.
Por que um dilema político?
Em 1998, a região foi violentamente impactada pelo furacão Mitch. Foi uma primeira manifestação da devastação que tais eventos climáticos poderiam produzir diante da incapacidade (para proteger e reconstruir) e da falta de preparação (para antecipar) dos Estados diante dos riscos climáticos. Mesmo assim, o problema das limitações dos Estados da América Central em termos de regulamentação e cumprimento de seu dever soberano já estava sendo levantado.
Naquele momento, a região foi inundada por fundos de cooperação internacional, em particular através do Grupo de Madri, que ajudou a articular uma “Agenda de Modernização e Transformação para o Século XXI”, cujos objetivos eram fortalecer as capacidades dos Estados.
Depois de mais de vinte anos, quais têm sido os resultados? Capacidades inexistentes ou insuficientemente desenvolvidas; cooptação e captura de fundos de cooperação externa; corrupção maciça. No período posterior ao furacão Mitch de 1998, o caso nicaraguense foi emblemático pelo desvio de milhões de dólares.
Atualmente, há uma sensação de déjà-vu. Diante dos impactos dos furacões Eta e Iota, as promessas de ajuda se multiplicaram: o BID com US$ 1,2 milhões; a Organização Internacional para as Migrações (OIM) com US$ 750.000 ou o USAID com US$ 17 milhões, entre outros.
A implantação desta ajuda posterior ao desastre levanta mais uma vez a questão da capacidade dos Estados para implementá-la. É neste contexto que é apresentado o projeto de Biden, que consiste em uma reativação do plano criado em 2014 para fortalecer a governança na região com uma contribuição de um bilhão de dólares e que foi cancelado sob a administração Trump no início de 2017.
O futuro plano de Biden consiste na reativação do compromisso dos Estados Unidos com a América Central com um programa de quatro bilhões de dólares para migração, segurança, Estado de Direito, corrupção e desenvolvimento contra a pobreza.
Entretanto, tanto a ajuda orientada para a reconstrução quanto a cooperação estadunidense estão ocorrendo em um contexto de altíssima fragilidade institucional, intensificada pelas crises econômica, social e sanitária. As democracias foram ainda mais enfraquecidas por graves casos de corrupção e alta instabilidade político-institucional.
Nesses contextos, há um risco de desvio, cooptação ou captura de recursos. De fato, quando Joe Biden afirma que “os desafios futuros são formidáveis. Mas se existe vontade política, não há razão para que a América Central não possa se tornar a próxima grande história de sucesso do Hemisfério Ocidental”, ele sugere uma longa série de desafios. Será que os efeitos pós-Mitch serão replicados na América Central?
Desde 1998, as ameaças climáticas têm se intensificado e são diagnosticadas como irreversíveis. Neste contexto, o istmo centro-americano é uma das regiões mais vulneráveis do planeta. De político, o dilema se tornou moral.
Após a passagem de dois furacões, um futuro sombrio está se aproximando para a região. As mudanças climáticas intensificarão os eventos como enchentes, secas, furacões e tempestades, com consequências imediatas como deslizamentos de terra, vendavais, destruição de casas, deslocamento, etc. E a América Central terá que enfrentar uma grande variedade de ameaças naturais sísmicas, episódios de terremotos, eventos climáticos extremos, elevação do nível do mar.
Tendo em vista os desastres ocorridos e, sobretudo, a limitada capacidade dos Estados, a questão da distribuição da ajuda deve ser colocada em novos termos. Por quanto tempo se manterá a ideia de que populações e territórios ameaçados pela mudança climática podem ser enfrentados através da ajuda internacional?
A nível global, a legitimidade dos Estados é questionada ao carecer de uma estrutura adequada para enfrentar fenômenos de alcance transnacional. Na América Central, são acrescentadas sociedades altamente vulneráveis e Estados deslegitimados e em colapso, com exceção da Costa Rica e do Panamá.
A América Central – especialmente os países do Triângulo Norte – é uma região de fluxos humanos de saída e isto se intensificará com os sucessivos desastres climáticos que transformarão partes de seu território em áreas inóspitas.
A política externa da nova administração Biden e a reativação da ajuda à região, assim como o restante da ajuda internacional injetada em regiões que sofrem com desastres naturais, convida à reflexão para evitar a repetição de erros. Ademais, a natureza da própria ajuda deve ser reavaliada para não continuar aplicando remendos em vez de atacar as causas estruturais.
Este duplo dilema nos leva a pensar na adaptação e na ampliação das consequências humanas a médio e longo prazo, assim como na pluralidade e heterogeneidade dos atores que podem intervir, para além do Estado.
Frente a esse cenário, é necessário levar em conta os novos modos de governança, particularmente os regionais e multilaterais. No dia 12 de dezembro do ano passado foi celebrado uma nova Cúpula de Ação Climática, onde foi debatido o fortalecimento da cooperação entre os Estados do istmo, a consolidação das instituições técnicas regionais e o desafio de uma maior inserção da região nas arenas diplomáticas multilaterais. Em suma, esses são alguns dos principais desafios da América Central no século XXI.
*Tradução do espanhol por Maria Isabel Santos Lima
Foto do Coordenador Nacional de Redução de Desastres no Foter.com / CC BY-NC-ND
Autor
Professor de Ciência Política na Univ. de Tours (Francia) e pesquisador do Observatório Político da América Latina (OPALC) do Sciences Po (París). Doutor em Política Comparada pelo Sciences Po. Especializado em regionalismos comparados e política latino-americana.