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América Latina: a política econômica em um contexto de disputa de poder

Em janeiro de 2023, as cinco maiores economias da América Latina tinham governos que se reconheciam como progressistas ou de esquerda. Em vários desses países, os governos de esquerda foram o resultado recente de um longo período em que foram implementados a agenda do Consenso de Washington e um projeto de transformação da economia e da sociedade definido como neoliberalismo. No Brasil, apenas em 1º de janeiro Luiz Inácio Lula da Silva tomou posse como presidente, deixando para trás quatro anos de governo de Jair Bolsonaro, que foi amplamente qualificado como de ultradireita. Na Colômbia, a continuidade dos governos que realizaram as chamadas reformas estruturais não foi afetada, apesar da persistência de conflitos político-militares. No México, a aplicação do ajuste estrutural e de todo o programa de reformas realizado no âmbito do Consenso de Washington começou no final da década de 1980 e continuará até o final do governo de Enrique Peña Nieto, em dezembro de 2018. Em vários desses países, as crises bancárias, do mercado de ações e cambiais assumiram uma dimensão internacional. A recorrência desses processos é uma característica da execução de reformas estruturais, que são acompanhadas por recessões econômicas de diversas proporções e pela manutenção de uma considerável desigualdade social.

O contexto de contínuas crises financeiras e notável desigualdade social não é um obstáculo para que o mapa da região sofra mudanças em poucos meses que reflitam a contínua disputa pelo poder que se abriu com a emergência de governos progressistas nos últimos anos. Na Argentina, em dezembro de 2023, inicia-se um governo que, desde o primeiro dia, realiza um programa econômico de ajuste radical. Ele sustenta que todos os problemas da economia se devem ao déficit fiscal e que a única solução é implementar o que ele denomina de plano de estabilização de shock, que compreende uma política monetária, fiscal e cambial que assume a forma do decreto intitulado Bases para a reconstrução da economia argentina, que ele está tentando impor com base na figura da Necessidade e da Urgência. 

Até o momento, houve um protesto social generalizado contra as medidas do governo de Javier Milei, e o uso da força para enfrentá-lo está se multiplicando. Entre as medidas que está tentando estabelecer, ele está preparando um decreto para permitir a intervenção das Forças Armadas na segurança interna sob o pretexto de enfrentar agressões de organizações terroristas. No campo da política econômica, o governo argentino tem o apoio do Fundo Monetário Internacional (FMI), que declarou por meio de seu porta-voz: “A equipe do FMI respalda as medidas anunciadas hoje [12 de dezembro de 2023] pelo novo ministro da Fazenda da Argentina, Luis Caputo. Essas fortes ações iniciais visam melhorar significativamente as finanças públicas de uma forma que proteja os mais vulneráveis da sociedade e fortaleça o regime cambial”. Mais recentemente, o conselho executivo do FMI aprovou o desembolso de US$4,7 bilhões para apoiar os esforços do governo de Milei para restaurar a estabilidade macroeconômica.

Durante décadas, esses têm sido os termos de referência constantes do FMI para qualificar as ações tomadas pelos governos da região na aplicação das medidas contidas nos programas de ajuste estrutural e para explicar suas próprias ações. Outras organizações financeiras e econômicas multilaterais, como o Banco Mundial, a OCDE e o Banco Interamericano de Desenvolvimento, também utilizam considerações semelhantes para se relacionar com os países da região, defendendo esse tipo de propostas, argumentando que elas são necessárias para promover o crescimento econômico. As propostas de política econômica e as medidas implementadas para garantir sua realização defendidas por essas organizações fazem parte de uma disputa que está presente em toda a região e que, em graus variados, se materializa na atividade política e molda o conteúdo da política econômica. Sua ação se soma à de outros atores sociais que defendem o mesmo projeto em cada um dos países da região. Uma de suas consequências é que, até o momento, o crescimento econômico sustentado não foi alcançado, mas tem sido um fator que gera dificuldades na implementação das propostas de mudança apresentadas pelos governos progressistas. No Equador, o resultado da eleição presidencial extraordinária implicou a continuidade das propostas de política econômica no contexto das reformas estruturais. Na Guatemala, por outro lado, o governo de Arévalo conseguiu assumir o cargo em meio a disputas contínuas com os órgãos do poder judiciário e com diversos setores políticos da direita do país.

Ao percorrer toda a geografia do subcontinente, observa-se que, nos países em que existem governos que se definem como progressistas ou de esquerda, a liderança política e a implementação da política econômica enfrentam uma oposição constante com pesos variados. Um exemplo notável é a trajetória do governo chileno, que não conseguiu aprovar uma nova Constituição que se distanciava da aprovada durante o governo de Augusto Pinochet, mas também não conseguiu realizar uma reforma fiscal apresentada como necessária para poder executar várias das medidas de política econômica que fazem parte da proposta de transformação que defende. Entretanto, o maior ponto de discrepância está entre o conteúdo da política monetária conduzida pelos bancos centrais e grande parte do restante da política econômica promovida por esses governos.

O contexto geral em que predomina a política monetária é o de um crescimento debilitado liderado pelas principais economias avançadas. A prioridade é combater a inflação, considerando que ela é, antes de tudo, um fenômeno monetário. O excesso de oferta monetária, de crédito ou de gastos públicos está em sua origem, e diante disso, o recurso é aumentar as taxas de juros de referência. Os comunicados da Reserva Federal, do Banco Central Europeu e do Banco da Inglaterra indicam que as taxas de juros permanecerão nos níveis elevados em que se encontram há meses e inclusive não descartam novos aumentos, principalmente porque não se observa uma debilidade significativa e sustentada nos mercados laborais. 

Na América Latina, as diretorias dos bancos centrais, incluindo os países com governos progressistas, compartilham a mesma opinião. O argumento monetarista é aceito, gerando dificuldades adicionais para o avanço do crescimento das economias e dificuldades ainda maiores para a implementação de políticas econômicas que reduzam a desigualdade social e promovam o desenvolvimento. Os meios de financiamento das atividades econômicas na região estão sujeitos a uma espécie de restrição externa, na medida em que não há capacidade de controlar os movimentos internacionais de capital devido às regras estabelecidas nos próprios países da região. Trata-se de uma disputa de grande importância que ocorre no próprio espaço do Estado e tem um impacto notável no curso geral da política econômica e no projeto de mudança que esses governos estão realizando. A maior dificuldade se dá na área de investimento e em seu necessário incremento para viabilizar um crescimento sustentado compatível com as tarefas de desenvolvimento.

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Professor e Pesquisador Sênior no Departamento de Economia da Univ. Autônoma Metropolitana (UAM), Unidade Iztapalapa. Coordenador do Prog. de Pesquisa Universitária sobre Integração nas Américas. Doutorado em Estudos Latino-Americanos pela UNAM.

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