Há um ano, Joe Biden era o presidente dos Estados Unidos e enfrentava altos níveis de desaprovação da maior parte da sociedade. Com 38% de aprovação por parte dos eleitores, sua performance desastrosa no debate presidencial em junho transbordou os limites para o partido democrata, que forçou sua saída em plena campanha presidencial.
Kamala Harris lançou sua candidatura presidencial com apoio do presidente apenas um mês após assumi-la, tornando-se a candidata com menos tempo na história dos EUA para conquistar o eleitorado — pouco mais de cem dias de campanha. Diferentes analistas apontaram que o modo abrupto da decisão, quase que como uma segunda opção, a situação de vice ou alguém que entra como um tapa buraco, quando a primeira alternativa não pode mais continuar, tornou bastante plausível supor que ela não tivesse nenhuma chance de ganhar com os desafios que enfrentou.
Hoje, refletindo sobre sua derrota, é possível ponderar que tal cenário poderia ter sido evitado. Durante três anos, jornalistas e analistas alertaram sobre a idade avançada e a baixa aprovação de Joe Biden. Caso o partido e Biden tivessem acolhido essa percepção, a esquerda dos EUA poderia ter promovido uma campanha primária mais forte, possivelmente evitando o retorno de Donald Trump.
Hoje, o Brasil vive um cenário político com semelhanças às eleições norte-americanas de 2024, marcado pela queda de popularidade e pela presença de uma figura amplamente conhecida: Lula. Com mais de 40 anos de atuação política, Lula deixou um legado significativo, especialmente por políticas como o Bolsa Família, com impactos duradouros nas áreas de assistência social, saúde, educação e moradia. Seu retorno à presidência, após a prisão e a derrota de seu partido em 2018, reforça sua relevância, sendo hoje a principal liderança política e eleitoral do país.
Antes do início das campanhas presidenciais de 2026, é essencial que a esquerda brasileira esteja atenta ao cenário político nacional, às tendências internacionais e às novas demandas do eleitorado. Este é um momento estratégico para acumular massa crítica e aprender com as recentes derrotas da esquerda em outros países, como os EUA, Argentina e Itália. A candidatura de Lula em 2026 será marcada por desafios distintos daqueles enfrentados em suas vitórias anteriores, exigindo novas estratégias e leitura de contexto. É provável que o atual presidente, que conquistou a eleição de 2022 por apenas dois pontos de diferença, no resultado mais acirrado da história democrática do país enfrente o momento de maior vulnerabilidade para uma derrota do que em qualquer outro momento neste século.
Segundo dados da pesquisa do PoderData, a desaprovação do governo Lula em março chegou a 53%, e 44% dos eleitores acham que o governo é pior que o governo Bolsonaro. A confiança no presidente também vem caindo, e quase 60% dos eleitores brasileiros disseram não confiar no presidente. Segundo apontado na pesquisa, os eleitores não aprovam a atuação do governo em nenhuma área da gestão federal. Em particular, estão insatisfeitos com o combate à inflação, e só 17% avaliam a economia como ótima/boa, e 23% a acham regular. Tais números são muito próximos da aprovação recebida na economia pelo governo Biden, um ano antes da eleição norte-americana.
Por outro lado, o governo Lula prometeu que até o fim do ano a inflação cairá. Porém, é preciso considerar se tal avaliação do governo sobre a inflação pode mudar. Sem dúvida, este será um dos principais temas explorados pela direita ao longo da campanha, juntamente com a propagação de desinformações, como a suposta taxação do Pix.
A direita, contudo, usa e abusa de fake news como uma arma política para avançar sua agenda, inclusive no que concerne à saúde do presidente. A ministra de relações institucionais, presidente do PT e deputada federal Gleisi Hoffmann, argumentou recentemente em sua defesa que a “maior fake news de todos os tempos” seria uma das principais razões para a queda de popularidade. Não há possibilidade de que a onda de desinformação pare no ano que vem. Ao contrário, nas eleições dos EUA houve intensificação. Por isso, mesmo que a saúde do presidente Lula siga excelente, o fato é que há de se pesar que este será um dos flancos abertos para ataques na campanha.
O momento para se evitar que todas essas vulnerabilidades do atual presidente desaguem em uma derrota nas urnas já está dado. Se tomado o exemplo da derrota de Joe Biden, uma das possibilidades no horizonte seria escolher alguém e apoiar a renovação política desde o início, antes da campanha começar. Discutir a renovação da esquerda é crucial para superar a extrema direita, é algo que o estudo das derrotas internacionais da esquerda pode ensinar ao Brasil. O povo brasileiro, e especialmente a coalização pela democracia que concorda com a agenda política do governo Lula, merece decidir sobre quem pode somar seus esforços em um novo governo.
A esquerda brasileira, apesar de não ter escolhido até o momento um sucessor aparente, precisa pensar no longo prazo, nos próximos quarenta anos da democracia brasileira. É possível destacar figuras da esquerda com potencial para liderar o Brasil à frente. Se tomarmos o sucesso eleitoral em pleitos anteriores, e uma vasta linha de partidos colaboradores e possibilidades para chapas, aparecem no horizonte, com sucessos recentes nas urnas: Marina Silva (REDE -AC), João Campos (PSB-PE), Geraldo Alckmin (PSB), Simone Tebet (MDB-MS), Eduardo Paes (PSD-RJ) e até mesmo o ministro do Supremo Tribunal Federal, Flávio Dino. Uma nova geração de líderes de esquerda, incluindo nomes da centro-esquerda, desponta no cenário político. Um dos principais acertos da eleição de 2022 foi a ampla coalizão em defesa da democracia. Para evitar repetir os erros de 2018, é fundamental que o PT considere alianças mais amplas e não se isole em suas próprias idiossincrasias.
O presidente Lula declarou que ainda está pensando se irá concorrer para a reeleição. Porém, essa decisão não é algo que diga respeito apenas à vontade do presidente. Discuti-la representa uma escolha profunda sobre o futuro do país. Os aprendizados sobre o caso Joe Biden e as próprias memórias de 2018 no Brasil devem nos alertar sobre o que queremos para o futuro próximo e de longo prazo. O atual presidente Donald Trump, com uma agenda antidemocrática e autocrática em curso, ainda assim é idolatrado por setores da direita e extrema direita brasileira. Nenhum cenário seria pior para a agenda da equidade econômica, da justiça social, dos direitos humanos e da democracia do que os caminhos que o retorno da extrema direita poderia conduzir neste país.