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Até onde o regime cubano poderá evoluir?

As manifestações do mês de julho do ano passado em Cuba, uma das mais importantes desde o início da revolução de 1959, irromperam, em parte, devido à crise sanitária causada pela pandemia da COVID-19, pela escassez e o racionamento de alimentos e medicamentos, e pelas restrições à liberdade de expressão e de reunião. Estas mobilizações, que pegaram o regime de surpresa, reabriram uma série de expectativas em torno das possibilidades de uma transformação democrática do regime cubano.

Mas como poderíamos imaginar esse processo de transição na ilha? Quais seriam as alternativas, tendo em conta as diversas experiências de transições em regimes não democráticos? Tendo em mente a centralidade dos processos de liberalização econômica e de democratização política, existem três grandes cenários alternativos: uma democratização do regime, uma abertura econômica sem democratização política ao estilo do Vietnã, ou uma mudança de liderança sem mudanças estruturais, que poderíamos denominar como uma “camporização/balaguerização” do regime político cubano.

Uma via para a democratização significaria uma mudança de regime político que poderia compreender – ou não – uma transformação de seu modelo de organização produtiva. Poderia tratar-se de uma transição para a democracia sem uma transição necessária para uma economia de mercado, como os processos que aconteceram na América Latina durante a década de oitenta. Dentro desta mesma via, a transição também poderia implicar uma dupla transição, como a que ocorreu nos países da Europa Oriental nos anos noventa, de regimes totalitários para regimes democráticos e de economias planificadas para economias de mercado.

A segunda via, que poderíamos denominar como “vietnamização” do regime cubano, implicaria uma transição de uma economia planificada para uma descentralizada, mas sem uma mudança de regime político. O processo de liberalização econômica no Vietnã começou com um processo de reformas conhecido como Do Moi no ano de 1986. Nisto, o país do sudeste asiático legalizou a criação de empresas e depois as incentivou expressamente com o objetivo de criar um regime de livre mercado.

Esta transição começou com reformas básicas na agricultura coletivizada e foi se ampliando para diferentes setores que diversificaram notavelmente sua economia. O Vietnã também estabeleceu uma lei de investimento estrangeiro, normalizou sua relação com o resto dos países do mundo – incluindo seu inimigo, os EUA – e privatizou muitas de suas empresas estatais.

Este processo de abertura econômica, no entanto, não foi acompanhado por uma mudança de regime político. O Partido Comunista realizou as mudanças econômicas, enquanto reafirmava sua primazia política no país e a mística em torno de seu passado heroico, embora não mais com conotações pró-soviéticas.

A última via seria a “camporização/balaguerização” do regime, que implicaria uma mudança na liderança política, seja sobre um “reagente” sob a tutela ideológica e política do líder, como já foi o caso com o delegado pessoal do General Perón, ou seja, Héctor J. Cámpora, na Argentina, ou um sucessor que, diante o desaparecimento físico ou da retirada do referente natural do antigo regime, assume uma liderança tendente à autonomização, tal como ocorreu no caso de Joaquín Balaguer, que sucedeu ao assassinado Rafael Leónidas Trujillo e deslocou paulatinamente do poder os herdeiros deste último na República Dominicana: o processo em curso não parece ter resolvido, pelo menos a curto prazo, este dilema de nos encontrarmos com um mero delegado pessoal como Cámpora ou um líder que vai adquirindo um maior grau de autonomia como Balaguer. Em qualquer uma destas situações, estão ausentes tanto a possibilidade de liberalização econômica quanto a democratização política.

Analisadas essas três possíveis vias de transição, poderia Cuba traçar sua própria rota para a democratização política? Isto dependerá de alguns fatores fundamentais.

Em primeiro lugar, do fortalecimento da sociedade civil e seus correlatos na construção de uma sociedade política. Em segundo lugar, da disposição dos atores sociais e políticos para a cooperação e o estabelecimento de regras mínimas de convivência. Assim, os acordos de Punto Fijo, Frente Nacional ou Moncloa poderiam servir como referência, mesmo em condições distintas. Também dependerá da relação futura que o sistema político estabelecerá com as Forças Armadas em uma busca por criar um ambiente de mútuas e generosas concessões, sendo, talvez, a experiência do processo de paz na Colômbia uma referência. Finalmente, é de vital importância a reedição de um ambiente internacional mais favorável à democracia, que está atualmente em questão.

Embora tenhamos testemunhado numerosas transições exitosas nas últimas décadas, o papel do Estado na sociedade, o papel das Forças Armadas, a debilidade organizacional da oposição, a ausência (ou fraqueza) de uma tradição democrática e o contexto internacional são aspectos que dificultam a possibilidade de qualquer transição. Por isso, a transição política e econômica implica um enorme desafio para Cuba.

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Cientista político. Professor Associado da Universidade de Buenos Aires (UBA). Doutor em América Latina Contemporânea pelo Instituto Universitario de Investigación Ortega y Gasset (Espanha).

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