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Brasília, uma cópia de Washington

A invasão e destruição das sedes institucionais dos três poderes do Estado brasileiro, que residem na capital Brasília, é a reprodução do que aconteceu em Washington dois anos atrás. Trata-se de uma estratégia comum entre setores de extrema-direita de diferentes partes do mundo que busca, por qualquer meio, deslegitimar a democracia, suas instituições, e desestabilizar Governos eleitos democraticamente.

Por volta do meio-dia de domingo, quando a capital ainda não havia retornado à rotina depois do recesso, uma turba de manifestantes pró-Bolsonaro entrou nas instalações públicas. Como aconteceu em Washington, os violentos manifestantes de extrema-direita tiveram tempo suficiente para destruir os símbolos da democracia brasileira antes que fossem removidos pela polícia.

A complacência das forças policiais da capital frente ao tumulto de uma multidão vandalizando o patrimônio público evidencia uma cadeia de decisões displicentes que expõem não só a incompetência do alto comando da polícia, mas também sua conivência, que beira a prevaricação e cumplicidade, enquanto, do lado dos manifestantes, seu enquadramento está claramente sujeito à lei de antiterrorismo do Brasil.

Por outro lado, talvez o maior perigo para a democracia e o governo de Luiz Inácio Lula da Silva se encontre na relação de subordinação das Forças Armadas à figura de Jair Bolsonaro, uma fisiologia inédita em que foram dados privilégios e milhares de cargos da administração pública foram entregues aos militares; inclusive, alguns ganhavam salários estratosféricos.

Assim, dos gestos de ameaça em círculos privados, como o de  não emprestar continência ao chefe de Estado, também é possível acreditar que dentro das Forças Armadas poderiam esconder e ativar elementos que poderiam atuar deliberadamente e em paralelo ao Estado de Direito. Isto, com o objetivo de fomentar enfrentamentos não convencionais a fim de ferir politicamente o governo de Lula.

A esta perigosa articulação se somam as milícias paramilitares que atuam há uma década em algumas cidades do Brasil e que se desenvolveram mesmo sob o reconhecimento público de Jair Bolsonaro. Esta atitude do ex-presidente, que agora está em Miami, permitiu armar setores de extrema-direita sob a fiscalização deficiente das Forças Armadas e que poderiam muito bem atuar em termos de um aumento da violência.

A responsabilidade política do ex-presidente Bolsonaro tem a ver com o reconhecimento de sua derrota nas eleições de 30 de outubro de 2022. Desde então e até a posse de Lula da Silva, Bolsonaro entrou literalmente em um estado catatônico, sem capacidade de reação ou de digerir a derrota – que não contemplava –; nos dois únicos eventos públicos em que participou, chorou impotentemente diante a debandada de seus antigos aliados.

A onda de frustração de seus apoiadores após a derrota foi proporcional à violência que, por meio de intimidação e perseguição, incluindo vários assassinatos por motivos políticos, ocorreu diariamente entre os simpatizantes e militantes de Lula da Silva durante a campanha eleitoral. Os espaços públicos ocupados por bolsonaristas criaram uma atmosfera artificial de vitória frente ao silêncio de um eleitor contrário que evitava se manifestar publicamente para evitar represálias.

Após a derrota e a interpretação do silêncio de Bolsonaro como sinal para agir, milhares de bolsonaristas ocuparam as frentes dos quartéis militares em algumas cidades do Brasil para exigir um golpe de Estado. Desde orações sob chuva torrencial até marchas em ziguezague, os fanáticos, embriagados pelo pseudo-patriotismo e estimulados pelo hino nacional, exigiram a derrubada do Governo. O Brasil testemunhou as imagens mais surrealistas e absurdas da história da república e talvez da América Latina.

Durante essas semanas e antes de Lula assumir a Presidência, nos acampamentos bolsonaristas montados em frente aos quartéis, começaram a surgir planos violentos, como impedir a tomada de posse do presidente em 1º de janeiro. Neste marco, Bolsonaro abandonou o país dois dias antes da inauguração, e ao não entregar a faixa presidencial, endossou, em certa medida, as estratégias dos acampamentos.

Diante do abandono do poder por parte de Bolsonaro, o presidente do Tribunal Eleitoral e ministro do Supremo Tribunal de Justiça (STF), Alexandre de Moraes, um dos protagonistas em defender a transparência da disputa eleitoral, buscou acusar criminalmente os patrocinadores da organização de atos que conspiravam contra a democracia. Alguns bolsonaristas foram presos e outros foram multados. No entanto, não foi suficiente.

A posse de Lula da Silva, numa atmosfera de normalidade com simbolismo relevante, deu a sensação de um ambiente político apaziguado, e não se esperava um episódio semelhante ao que ocorreu no Capitólio dos Estados Unidos após a derrota de Donald Trump. Por isso, a depredação e tentativa de destruição da sede dos três poderes por bolsonaristas chocou não só os brasileiros, mas também uma grande parte da comunidade internacional.

Frente a este cenário desolador, não basta que o Governo federal intervenha no âmbito da segurança pública em Brasília ou retire o governador do Distrito Federal do poder para afirmar a democracia. Na verdade, este pode ser apenas um episódio de um conjunto de eventos que podem seguir presentes. Por isso, é necessário aplicar a lei e evitar a impunidade para finalmente pacificar o país.

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Cientista político. Professor e pesquisador associado da Universidade Federal de Goiás, (Brasil) Doutor em Sociologia pela Univ. de Brasília (UnB). Pós-doutorado na Univ. de LUISS (Italia). Especializado em estudos comparativos sobre a América Latina.

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