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Chile em seu labirinto constitucional

Passadas algumas semanas desde o histórico plebiscito chileno, o que explica a categórica diferença entre os resultados dos plebiscitos de 2020 e 2022? Enquanto no plebiscito de entrada de 2020 78% dos eleitores eram a favor de começar o processo para substituir a Constituição atual, no plebiscito de saída quase 62% dos eleitores rejeitaram a proposta de nova Constituição elaborada no ano passado pela Convenção Constitucional. Com o voto obrigatório, a Rejeição ganhou em todas as regiões do país e em nível local, a opção Aprovar ganhou – por pouco – em apenas oito das 345 comunas do território nacional. No nível demográfico, a Rejeição ganhou entre homens e mulheres e em todas as faixas etárias.

Como explicar tais diferenças? Em grande medida, as causas têm a ver com a configuração da Convenção Constitucional e o texto emanado por ela. A Convenção perdeu rapidamente sua legitimidade original e o texto emanado tornou-se controverso. Na verdade, as razões para ganhar assentos na Convenção são similares (ou mesmo idênticas) às razões pelas quais a Aprovação perdeu o plebiscito de saída.

Em primeiro lugar, a Convenção foi eleita com um sistema eleitoral proporcional (baseado no da Câmara dos Deputados, mas com modificações) e voto voluntário. Isto significou que os representantes foram eleitos com níveis relativamente baixos de participação (votaram 43% do eleitorado). Por isso, muitas personalidades ganharam assentos com base em demandas muito sentidas por alguns setores, mas de nicho. Várias dessas numerosas demandas refletidas na proposta não repercutiram no amplo eleitorado que participou no domingo com voto obrigatório.

Em segundo lugar, os independentes tiveram muito protagonismo na Convenção graças às facilidades que lhes foram dadas para competir em um ambiente de crítica aos partidos tradicionais. Ainda que grupos independentes tenham desempenhado um papel importante na busca de acordos, vários representantes não-partidários estiveram no centro de alguns dos episódios mais polêmicos e ressonantes durante as sessões. A independência política, inicialmente vista como uma virtude, acabou prejudicando a Convenção na opinião pública.

Outro fator importante foi a crítica aos governos no poder. Quando os membros da Convenção foram eleitos em maio de 2021, a direita foi duramente castigada nas urnas; isso foi ao menos em parte pela criticada gestão do governo do Presidente Sebastián Piñera. Este ano, o voto pela Aprovação esteve muito alinhado com a baixa aprovação do Presidente Gabriel Boric, que teve uma brevíssima lua-de-mel em um contexto de inflação, estagnação econômica e insegurança cívica.

A convenção também incorporou 17 assentos reservados para os povos indígenas do país, cujos representantes estavam geralmente localizados na ala esquerda da Convenção. A proposta constitucional continha muitas mudanças relativas a esses povos, algumas das quais – como por exemplo a plurinacionalidade – foram questionadas não apenas pela direita, mas também por setores da centro-esquerda. Estas inovações não repercutiram nos eleitores indígenas: em lugares como Puerta Saavedra no sul, onde quase 80% da população é de etnia mapuche, 68% da população preferiu rejeitar.

O Chile fica, portanto, em uma encruzilhada, com uma Constituição vigente despejada desde 2020 mas sem uma substituição à vista. Olhando para frente, no entanto, uma lição importante: a intenção de envolver os cidadãos através de plebiscitos, eleições de representantes e iniciativas populares pode ajudar a legitimar, mas não garante que o processo constituinte seja bem sucedido. De fato, a participação cidadã não substitui a capacidade do processo de se alinhar melhor com os interesses dos distintos setores políticos. 

A incerteza quanto à continuidade e à forma do processo constituinte é, semanas após o plebiscito de saída, bastante alta. É responsabilidade de todos os partidos políticos com aspirações democráticas dar continuidade a um processo que levará à adoção de um novo texto constitucional que de fato atraia uma maioria de cidadãos. 

*Tradução do espanhol por Giulia Gaspar

Autor

Cientista político. Professor associado do Departamento de Estudos Políticos da Universidade de Santiago do Chile e pesquisador adjunt do Centro de Estudos de Conflitos e Coesão Social (COES). Doutor em Governo pela Universidade do Texas em Austin.

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