O resultado da última eleição presidencial realizada neste domingo no Chile, sem dúvida, admite múltiplas interpretações. O candidato da direita conservadora, pertencente ao Partido Republicano, obteve 58,1% dos votos, um resultado contundente que se repetiu em todas as regiões do país e que é inédito na história eleitoral da direita. Em contrapartida, a candidata Jeannette Jara, do Partido Comunista e apoiada por um amplo espectro de partidos de esquerda, alcançou 41,8%.
A primeira conclusão que emerge é que se trata da primeira vez, desde o retorno à democracia, que um candidato de direita obtém uma vitória dessa magnitude. É certo que os segundos turnos tendem a criar maiorias artificiais; no entanto, nas duas vitórias eleitorais anteriores da direita, em 2010 e 2017, com o triunfo de Sebastián Piñera, representante de uma direita mais liberal e crítica da ditadura, não houve um resultado próximo ao desta eleição.
Este resultado eleitoral, somado aos distintos processos eleitorais ocorridos desde 2019, constitui mais um sintoma de uma reconfiguração da clivagem política no Chile. Esta explicação realça a dimensão política e agencial da clivagem acima das dimensões sociais, sustentando que estas são “construídas politicamente”.
Qual é o significado desta eleição no processo político chileno?
Uma das ideias que começou a se instalar é que estes resultados, tanto os das eleições parlamentares como os do primeiro turno presidencial e a eleição de Kast como presidente, expressam a configuração de uma nova clivagem política, deslocando o eixo democracia-autoritarismo instalado desde o fim dos anos 80 e que ordenou a discussão política até 2010.
Concordo com essa leitura a partir de uma mudança de época na sociedade chilena e em suas oscilações eleitorais, junto à emergência de ideias orientadas para definir os problemas públicos e reduzir a incerteza dos atores e eleitores. Esse processo também se expressa no surgimento e na reorganização das forças partidárias, a partir de novos diagnósticos políticos difundidos por diferentes agentes.
A noção de clivagem política foi desenvolvida no caso chileno pelos especialistas Torcal e Mainwaring (2003) para analisar os legados pós-autoritários do sistema partidário, particularmente o eixo entre opositores e defensores do “regime de Pinochet” (1973-1990). Esses autores acrescentam que as clivagens não derivam só de divisões sociais, mas também são moldadas pela agência política.
As mudanças ocorridas nas décadas de 1980 e 1990 transformaram profundamente a sociedade chilena. O processo de modernização reconfigurou o Estado e sua relação com o mercado, reduziu a pobreza e fortaleceu uma classe média, mas distante do Estado. Paralelamente, os comportamentos sociais foram modificados, privilegiando o consumo e o individualismo, enfraquecendo o tecido social e os vínculos com os partidos e favorecendo, em certos setores, valores mais pós-materiais e identitários.
Esse processo alterou as expectativas dos cidadãos que, apesar de experimentarem melhorias materiais, começaram a manifestar sinais de fadiga social e mal-estar. A educação, apresentada como a principal via de mobilidade social, tornou-se um dos grandes triunfos e também decepções do modelo, segundo diferentes interpretações. As mobilizações estudantis de 2006 e 2011 foram sinais precoces desse esgotamento.
O diagnóstico sobre a crise do “modelo neoliberal”, surgido a partir do movimento estudantil de 2011, constituiu o sustento ideológico sobre o qual se consolidou a Frente Ampla como novo ator político relevante, até alcançar a Presidência no período 2022-2025. Esse diagnóstico apontou para o modelo econômico herdado da ditadura e promoveu uma agenda de reformas estruturais, apoiando o segundo governo de Michelle Bachelet (2014-2018) e, posteriormente, interpretando a eclosão social de outubro de 2019 como um questionamento integral da ordem econômica e política.
No entanto, a violência associada à “explosão social” (2019) e o impacto do fenômeno migratório impactaram profundamente amplos setores da sociedade. A proposta da Convenção Constitucional apoiada pelo presidente Gabriel Boric não conseguiu incorporar adequadamente essas preocupações e tendeu a interpretar o mal-estar como uma soma de demandas identitárias, o que resultou em sua rejeição retumbante no plebiscito de 2022.
Do lado da direita, a resposta inicial foi limitada. A direita tradicional, apesar de ter conquistado a Presidência em 2018, manteve um discurso predominantemente tecnocrático que perdeu capacidade explicativa após a crise de outubro de 2019. José Antonio Kast, que se desvinculou do partido conservador UDI, articulou desde 2017 um projeto político alternativo, fundando o Partido Republicano, crítico das reformas impulsionadas durante o segundo mandato de Michelle Bachelet e das política identitária, sob uma narrativa de declínio institucional permeada por preocupações morais.
Este marco discursivo, inicialmente imaturo — como evidenciado pela derrota de Kast na campanha presidencial de 2021 e pelo fracasso da segunda proposta constitucional liderada pelos Republicanos em 2023 — refinou-se ao longo do tempo e ganhou ressonância num contexto marcado pela insegurança, migração e estagnação econômica. Nesta eleição, Kast conseguiu impor uma narrativa que suplantou o discurso da candidata do Partido Comunista, Jeannette Jara, centrado em desigualdades sociais, ameaças aos direitos e riscos autoritários.
Parafraseando o pesquisador e filósofo estadunidense George Lakoff, o discurso de Kast apelou à figura de um “pai rigoroso” que promete restaurar a ordem perdida diante de uma esquerda que oferece uma “família protetora” à incerteza social das famílias chilenas. Esse resultado demonstra que Kast conseguiu cooptar um conjunto de ideias que reorganizou a direita em torno da noção de uma “crise do Estado”, cuja solução é enquadrada em termos de “esforço”, “liberdade” e “ordem”.
Assim, as transformações estruturais, a “explosão social” e os processos constituintes configuraram um período em que se intensificou a discussão sobre as mudanças sociais e de valores da sociedade chilena, formando um marco dentro da qual se forjou uma nova clivagem política. O êxito inédito de Kast sugere que, ao menos por ora, ele foi quem conseguiu cooptá-la com maior eficácia. Contudo, isso não está isento de riscos, pois a narrativa de declínio deve ceder lugar ao reconhecimento de um Chile socialmente mais complexo e à construção de um horizonte futuro para o setor.
Tradução automática revisada por Isabel Lima










