Um recente seminário sobre Respostas Regionais à Crise na América Latina abordou o aumento sustentado das estratégias para reduzir os espaços cívicos em vários países da região e a crescente pressão sobre os cidadãos e seus direitos.
De acordo com o relatório Civicus 2020, o espaço cívico diminuiu em 22 dos 32 países da região, tendo sido sufocado e bloqueado em 8 deles. O México, Brasil e Venezuela – como a situação mais preocupante – parecem ser os casos mais evidentes, mas outros países não escapam desta tendência geral.
As regras impostas pelas quarentenas
De fato, em muitos casos, a pandemia e as regras impostas pelas quarentenas decretadas e impostas pelos governos no âmbito das políticas de prevenção têm sido utilizadas como pretexto para aumentar o controle, a vigilância e a redução dos espaços cívicos.
Especialmente porque as tendências pré-pandemia – que está se aprofundando e acelerando – estão sendo usadas por alguns governos – tanto de esquerda como de direita – para aumentar o autoritarismo e o controle – muitas vezes inconstitucional – sobre os cidadãos.
Se assumimos uma concepção do espaço cívico como uma esfera na qual os cidadãos ou a sociedade civil se organizam, debatem e atuam – entre estados, empresas e família – em defesa dos bens públicos e dos direitos do cidadão, as medidas impostas no âmbito da pandemia aceleraram a redução desses espaços tanto em nível local e nacional, como também em nível regional e internacional. Esta situação alarmou a comunidade internacional em geral e a comunidade internacional de direitos humanos em particular.
As reivindicações por seus direitos e pelo direito de influenciar as políticas públicas, para poder desenvolver o diálogo com os tomadores de decisão em nível governamental e intergovernamental; o direito de associar-se, expressar-se e agir livremente no âmbito da lei, foram severamente reprimidos por vários mecanismos legais, ilegais ou extra-legais – ou seja, fora da lei, eventualmente com o uso da violência física.
Uma reviravolta orwelliana
Além das medidas legais e dos mecanismos ilegais e extralegais aplicados para desestabilizar a sociedade civil e reduzir sua capacidade de expressão e defesa – em um giro orwelliano – as novas tecnologias também serviram para acelerar a repressão dos espaços cívicos onde os cidadãos se expressam, através de vários mecanismos de controle, vigilância, distorção, censura e intervenção nas redes sociais. Novas tecnologias de controle e monitoramento dos cidadãos são atualmente importantes itens de exportação para a região para alguns dos principais atores do sistema internacional.
Um relatório recente da Fundação Igarapé no Brasil estabelece uma tipologia detalhada de estratégias aplicadas à redução de espaços cívicos pelos governos que incluem: cooptação, coerção direta ou indireta, notícias falsas e desinformação, censura aberta, intimidação e assédio, violação de privacidade (vigilância do indivíduo), violação de direitos civis e políticos, restrições (legais e ilegais) à participação e envolvimento civil. Restrições ao financiamento, violência física, uso de procedimentos inconstitucionais e abuso de poder.
Estas estratégias estão sendo implementadas no contexto de uma transição global complexa, que ameaça os valores básicos do sistema internacional estabelecido, não apenas na esfera econômica, mas particularmente no que diz respeito aos valores associados ao Estado de direito e à governança democrática, às liberdades cidadãs e aos direitos humanos em particular. Qualquer semelhança orwelliana com alguma realidade – próxima ou distante – não é mera coincidência.
*Tradução do espanhol por Maria Isabel Santos Lima
Foto de Miguel Vera em Foter.com / CC BY
Autor
Presidente Executivo da Coordenação Regional de Investigação Económica e Social (CRIES). Assessor titular do Conselho Argentino de Relações Internacionais (CARI). Foi Diretor de Assuntos Caribenhos do Sistema Econômico Latino-Americano (SELA).