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Dos BRICS ao G7 e à OTAN: os dilemas do Sul Global

No decorrer das últimas duas semanas, se realizaram as cúpulas dos BRICS, do G7 e da OTAN. As duas cúpulas que aconteceram na Europa consolidaram a aliança transatlântica e a unidade do Ocidente em torno do apoio à Ucrânia e à ameaça da Rússia à segurança europeia.

O novo conceito estratégico aprovado pela OTAN deu um novo significado à organização, com a Rússia como a iminente e principal ameaça, e a China como um desafio estratégico crescente. Ainda restam diferenças e desacordos a serem resolvidos no marco da Aliança – particularmente sobre onde foi parar a “autonomia estratégica” da União Europeia –  mas é evidente que o governo do Presidente Joe Biden conseguiu reverter os desalinhamentos causados por Donald Trump em sua relação com seus aliados, restaurar os vínculos com eles e atrair o Japão, Coréia do Sul, Austrália e Nova Zelândia com vistas a um eventual confronto com a China no Indo-Pacífico.

Em resumo, com a realização das duas cúpulas, Washington conseguiu a articulação do bloco ocidental e se esforçou para incorporar novos aliados. 

Enquanto isso, em outros lugares do planeta, as potências emergentes continuaram avançando na articulação de um bloco alternativo. Além do questionamento da OTAN por seu papel em gerar a crise na Ucrânia por parte da Rússia, a China acrescentou suas críticas à organização, enquanto – no contexto da crescente convergência estratégica entre os dois países – o quadro institucional eurasiático se consolidava.

Não apenas pelo papel da Iniciativa do Cinturão e Rota, impulsionada pela China, mas também pela sua harmonização com a União Econômica Eurasiática, a crescente centralidade da Organização de Cooperação de Xangai no âmbito regional, a reafirmação da Organização do Tratado de Segurança Coletiva, impulsionado pela Rússia e a mais recente reunião do Conselho do Cáspio que inclui o Irã.

Fizemos um acompanhamento detalhado destes processos em dois livros – Eurasia y América Latina en un mundo multipolar, de 2019  (posteriormente traduzido para o russo) e, mais recentemente, em Guerra y transición global, ¿cómo se gestó la guerra en Ucrania y cómo nos afecta?, que foi publicado há pouco tempo. 

O divisor de águas da guerra da Ucrânia e do efeito bumerangue das sanções ocidentais contra a Rússia sobre a economia internacional evidenciam não apenas um ponto de inflexão no processo de transição do sistema internacional para uma nova configuração das relações de poder mundial, mas também a decantação de tendências definidas na conformação de blocos em disputa pelo domínio global.

No entanto, a formação desses blocos também dá origem à necessidade de somar aliados e parceiros no Sul Global. Assim, o grupo BRICS está sendo fortalecido e reativado, concentrado em questões de cooperação econômica, geração de acordos de livre comércio e, por iniciativa da Rússia, aprofundamento de um processo de desdolarização das economias emergentes, com avanços incipientes na Eurásia. Soma-se a isto a ampliação do grupo com a incorporação da Argentina, Irã e outros aspirantes.

Em conjunto, esses complexos processos levantam questões sobre o não alinhamento de alguns atores (Índia, ASEAN) no eventual confronto entre blocos, e sobre a periferização de outros (África, parte da América Latina) sob o impacto conjunto das ameaças de uma crise alimentar e energética, da inflação crescente e de uma eventual recessão econômica diante de um crescente confronto entre blocos.

O atual contraponto entre o G7 e a OTAN, por um lado, e os atores euroasiáticos e os BRICS, por outro, não configura um prognóstico animador para a paz e a estabilidade mundial. O esforço ocidental para excluir a Rússia da próxima reunião do G20 na Indonésia também não configura um bom presságio para a governança global.

* Texto publicado originalmente no Clarín da Argentina

Tradução do espanhol por Giulia Gaspar. 

Autor

Presidente Ejecutivo de la Coordinadora Regional de Investigaciones Económicas y Sociales (CRIES). Consejero pleno del Consejo Argentino de Rel. Internacionales (CARI). Fue Director de Asuntos del Caribe del Sistema Económico Latinoamericano (SELA).

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