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Desinformação, risco global em 2024: novidade ou tradição?

A desinformação e os fenômenos climáticos extremos foram selecionados como os riscos globais a curto prazo mais destacados, segundo o Relatório de Riscos Globais 2024 do Fórum Econômico Mundial (FEM). No entanto, não é nenhuma novidade, especialmente com relação à desinformação. Na verdade, é coerente com as edições anteriores do relatório que prenunciava sua relevância na cena global desde sua primeira publicação, 18 anos atrás.

Inicialmente, foi catalogado como uma simples ameaça. Mas, com o tempo, evoluiu até se tornar um risco nevrálgico, pois sua existência nas redes sociais desde 2013 corroeu as democracias ocidentais e fortaleceu a influência virtual de governos iliberais no exterior com informações imprecisas e narrativas conspiratórias. Mais recentemente, com o boom da inteligência artificial, surgiram novos desafios e preocupações para enfrentá-la, particularmente em períodos eleitorais como o atual ano de 2024. 

O fenômeno da desinformação não é  uma novidade. O que o distingue na atualidade é a presença onipresente da internet e das redes sociais, que transformaram radicalmente a  forma como acessamos as informações. Historicamente, foram criadas diferentes estratégias para mitigar a manipulação da opinião pública. Por exemplo, durante a Guerra Fria, estabeleceu-se nos Estados Unidos um grupo de trabalho conhecido como “medidas ativas” para combater a desinformação proveniente da União Soviética. Com o tempo, surgiram os “fact checkers” ou verificadores, cujo trabalho é detectar erros e notícias falsas nos meios de comunicação. 

Recentemente, essas estratégias se expandiram ao âmbito da tecnologia, já que nas redes sociais, a disseminação de conteúdo malicioso tem sido realizada mediante contas falsas ou automatizadas, conhecidas como bots. Com o avanço da inteligência artificial, esse fenômeno evoluiu a ponto de criar usuários falsos que operam em múltiplas plataformas, sendo capazes de simular interações humanas na internet, ou através de “deep fakes”, que são vídeos ou imagens falsificadas de pessoas aparentemente reais.  

Palavras, definições e desinformação 

Desde suas primeiras edições, os relatórios anuais de Riscos Globais do FEM têm destacado os desafios e as mudanças na compreensão desse fenômeno a nível mundial. Embora o enfoque da desinformação tenha sido certamente abordado, se caracterizou por um conjunto de sinônimos para descrevê-lo, como: “massive digital misinformation, false information, fake news, post-truth, misinformation, deep fakes, disinformation”. À primeira vista, todas essas palavras parecem descrever o mesmo fenômeno, mas é assim. Isso demonstra os esforços que foram realizados para defini-lo de forma precisa e assim poder abordá-lo.  

É essencial recorrer à literatura especializada para compreender adequadamente esses termos: “desinformação” (disinformation) refere-se a informações falsas ou hoaxes que são criadas e difundidas intencionalmente. “Informação errônea” (misinformation) refere-se à transmissão de informação falsa que não têm a intenção de causar danos. O mau uso de informação ou “informação maliciosa” (malinformation) refere-se ao uso malicioso da informação, embora não seja necessariamente criada, já que pode vir de vazamento de dados pessoais, rumores danosos ou informação privada. Por último, “Fake News” é um termo genérico midiático e altamente politizado que tentou descrever esse fenômeno para grandes públicos. 

18 anos depois: tradição 

Apesar das diferentes denominações atribuídas ao fenômeno, desde a primeira edição em 2006, já existia uma compreensão generalizada sobre a desinformação como ameaça futura que poderia levar à erosão da confiança da população em seus governos. Segundo o FEM, esse fenômeno se tornaria uma preocupação global nos próximos 10 anos e o medo se apresentaria como um possível motor da disseminação de informação falsa ao redor do mundo. Em 2012, foi classificado como parte do lado sombrio da conectividade, junto com os ataques cibernéticos, que incluíam fraudes bancárias, roubo de informação, entre outros, que poderiam afetar seriamente a governança global.

Em 2013, a desinformação foi finalmente classificada como um risco global associado às redes sociais, o que facilitou a propagação de informação falsa através de câmaras de eco em momentos de alta tensão política, incrementando consideravelmente a polarização dos usuários. Apesar de 2016 ter marcado um ponto de inflexão com eventos como o Brexit, a eleição de Donald Trump, a revelação dos Panamá Papers, entre outros, a desinformação como um risco não foi surpreendentemente incluída neste relatório anual, nem nos dois anteriores. Devido a esse descuido, em 2017 e 2018, a desinformação passou a ocupar um lugar de destaque nas publicações como uma das potenciais causas da crise na democracia ocidental.

Nos últimos cinco anos, a desinformação emergiu como um risco global relevante para os analistas do FEM. Esse fenômeno cobrou maior importância devido às dinâmicas de infodemia provocada pela pandemia da COVID-19, aos avanços e alcances da inteligência artificial, à persistência de informações falsas online, entre outros fatores. Abordar esse fenômeno tornou-se uma prioridade para diversos atores sociais e políticos. Portanto, sua preponderância em 2024 e nos próximos dois anos não é surpreendente, particularmente considerando que quase 49% da população mundial irá às urnas, abrangendo 18 países na África, 6 nas Américas, 8 na Ásia e 9 na Europa (mais a União Europeia).  

Esses relatórios sobre percepção de riscos globais representam um exercício intelectual significativo dirigido a reduzir a incerteza humana sobre o futuro. No entanto, têm suas limitações, pois não podem antecipar tudo o que pode vir a acontecer. Ao compilar e sintetizar os fenômenos mais urgentes das últimas duas décadas, a desinformação, sem dúvida, ganhou um espaço preponderante no mundo por sua estreita conexão com o uso diário da tecnologia. Isso a coloca não como uma novidade, mas como um fenômeno tradicional nesse período da história.

Autor

Estudiante del Máster en Gerencia del Desarrollo Global de la Universidad de East Anglia, Inglaterra. Máster en Estudios Internacionales de la Universidad de los Andes. Participante del Programa de Formación 360/Digital Sherlocks (DFRLab) del Consejo Atlántico para combatir la desinformación cohortes 2021-2022.

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