O aumento das drogas sintéticas está gerando novas preocupações na América Latina. Embora o fentanil tenha atraído a maior parte da atenção, outras substâncias psicoativas não estão apenas redefinindo o cenário de dependência e overdose, mas representam uma séria ameaça à saúde pública e à segurança na região.
Nos últimos anos, os Estados Unidos enfrentaram um aumento preocupante na prevalência e na diversidade de drogas sintéticas. De acordo com um relatório recente da Drug Enforcement Administration (DEA), esse fenômeno não só constitui um desafio significativo para a saúde pública do país, mas também para sua estrutura legal e regulatória.
Embora a América Latina ainda não tenha abordado essa questão de forma rigorosa, ela se encontra em uma encruzilhada. A proliferação de laboratórios clandestinos e a falta de regulamentação no setor farmacêutico contribuíram para o surgimento gradual de novas drogas sintéticas na região. De acordo com o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), “o fornecimento de drogas ilícitas – que continua a atingir níveis recordes – e as redes cada vez mais ágeis de traficantes estão exacerbando as crises mundiais convergentes e desafiando os serviços de saúde e as respostas policiais”.
O relatório da DEA também lança luz sobre o fenômeno crescente do uso de múltiplas drogas, ou seja, o uso simultâneo de várias substâncias, uma situação que complica ainda mais o tratamento da dependência. Essa tendência ao uso de combinações de drogas sintéticas exacerba os riscos à saúde e apresenta desafios significativos para os profissionais de saúde na identificação e no tratamento de overdose e dependência. O uso de múltiplas drogas reflete a complexidade da dependência moderna e destaca a necessidade de abordagens holísticas e multifacetadas para prevenção, educação e tratamento.
O fenômeno do fentanil e outras drogas sintéticas
Os Estados Unidos foram duramente atingidos pelo fentanil, uma droga que já causou mais de 90.000 mortes por overdose e criou uma crise de saúde pública. A presença do fentanil no mercado de drogas ilícitas substituiu outras substâncias mais tradicionais, complicando ainda mais a situação. Esse fenômeno, conhecido como “substituição de drogas”, representa um desafio adicional para as autoridades que buscam controlar o problema.
Embora ainda não seja tão prevalente quanto nos Estados Unidos, a possibilidade de um aumento no tráfico e consumo de fentanil na América Latina é uma ameaça real. Em uma entrevista ao Infobae, Laura Richardson, comandante geral do Comando Sul dos Estados Unidos, disse: “É apenas uma questão de tempo até que o fentanil se torne uma epidemia na América Latina. O que vemos é a cocaína, que é a droga predominante nessa região…. Cocaína misturada com fentanil. Portanto, temos que trabalhar melhor juntos para ajudar a acabar com essa atividade criminosa que só permite que essas redes criminosas e seus portfólios se expandam”.
A ameaça não é apenas o fentanil. Os nitazenos, uma classe de opioides sintéticos desenvolvidos desde a década de 1950, ressurgiram recentemente como outra preocupação global. Essas substâncias, que podem ser centenas ou milhares de vezes mais potentes do que a morfina, representam um perigo significativo devido à sua alta toxicidade e à capacidade de não serem detectadas. Embora não tenham sido realizados testes clínicos formais, acredita-se que os nitazenos também possam ganhar terreno na região, com efeitos mais devastadores do que o fentanil.
Junto com os fentanil e os nitazenos está a cetamina, reconhecida por seu papel como anestésico e sedativo em ambientes médicos e veterinários, que atraiu o interesse tanto no âmbito médico e quanto no recreativo devido aos seus efeitos psicoativos e dissociativos. Embora seu uso terapêutico no tratamento de distúrbios psiquiátricos, como a depressão resistente ao tratamento, seja promissor, sua popularidade como droga recreativa, conhecida como “Special K”, gera preocupações significativas com a saúde pública.
O abuso de cetamina acarreta riscos significativos, incluindo o potencial de dependência, efeitos colaterais adversos e danos no trato urinário. Além disso, sua combinação com outras substâncias, como opiáceos e benzodiazepínicos, aumenta o risco de overdose e de efeitos colaterais graves.
Ao mesmo tempo, os benzodiazepínicos de marca, apresentados em forma de pílula e muitas vezes falsificados para se parecerem com medicamentos legítimos, representam outra preocupação crescente no mercado de drogas recreativas. Embora pareçam inofensivas, essas substâncias podem ter efeitos variados nos usuários, desde causar ansiedade ou agitação até agir como depressores ou alucinógenos. Além do risco de overdose, que é consideravelmente maior do que o dos benzodiazepínicos convencionais, essas drogas podem desencadear uma ampla gama de efeitos adversos, como sedação excessiva e risco de lesões, especialmente quando combinadas com outros depressores do sistema nervoso central, como os opiáceos.
Desafios e oportunidades na América Latina
A falta de recursos é outra restrição à capacidade de resposta dos países latino-americanos. Isso é agravado por fatores como a corrupção, a insuficiente coordenação entre as agências governamentais e o baixo financiamento para programas de prevenção e tratamento da fabricação, do tráfico e do consumo de drogas sintéticas.
Para enfrentar esse problema na América Latina, é essencial adotar um enfoque integral que inclua ações preventivas e políticas públicas eficazes, como o fortalecimento do controle farmacêutico, a revisão da legislação existente e a implementação de medidas para detectar e prevenir o tráfico de drogas sintéticas. Também é fundamental promover a conscientização pública sobre os riscos associados ao uso dessas substâncias e fomentar a colaboração regional para enfrentar essa crescente ameaça.
Nesse sentido, a cooperação internacional desempenha um papel fundamental na luta contra as drogas sintéticas. A América Latina deve trabalhar em estreita colaboração com os Estados Unidos e outros países afetados para compartilhar informações, coordenar ações e combater efetivamente o tráfico ilícito de drogas. Isso inclui a colaboração na interceptação de carregamentos de drogas, o desmantelamento de redes de narcotráfico e o fortalecimento dos sistemas de justiça criminal para levar os traficantes à justiça.
Autor
Doutor em Políticas Públicas pela Universidade IEXE (México). Pesquisador da Organização dos Estados Ibero-Americanos (OEI). Assessor organizacional de forças policiais no México e consultor em segurança pública e privada.