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Eleições mexicanas: é a insegurança, estúpido!

Poucas frases são tão banais para representar a importância superlativa de um único fator sobre explicações alternativas como aquela proferida na época que Bill Clinton tornou-se presidente dos Estados Unidos: “É a economia, estúpido!”

O ano era 1992; o presidente George Bush pai buscava a reeleição, confiante de que a onda de popularidade de sua campanha militar contra Saddam Hussein no Iraque e a vitória do Ocidente sobre a antiga União Soviética, dissolvida poucos anos antes, seriam suficientes para manter a presidência. Eram sinais claros de liderança política. O democrata Bill Clinton parecia uma ameaça menor. Só que o eleitor norte-americano estava longe de se preocupar exclusivamente com a política externa ou a nova ordem global em marcha. O que gerava mais ansiedade era seu declínio financeiro e a redução na qualidade de vida. A eleição não se definiria por ideologia, triunfos militares ou superioridade moral no novo mundo em ação, mas pelos bolsos dos eleitores. Daí a consagração do lema “É a economia, estúpido!”

No México, frente às eleições presidenciais que se aproximam, parece ser necessário ajustar essa frase que funcionou como um diagnóstico-síntese para “É a insegurança, estúpido!”. Isso pode nos permitir entender de que se pode tratar as reações dos eleitores em junho. A situação de insegurança que o país vive tem consequências em todas as áreas de nossa vida cotidiana. A medição realizada pelo órgão federal de estatística e censos sobre de insegurança, a chamada ENSU (Pesquisa Nacional de Segurança Pública Urbana), constitui o melhor indicador das reações da sociedade e como mudar os hábitos da população nesse aspecto. Em dezembro de 2023, a última medição, 63% das pessoas exibiram uma percepção aguda de insegurança pública. Entre as mulheres, mais de dois terços se sentiam assim (67%). Entre os homens, pouco mais da metade (54%) compartilhava essas impressões.

De acordo com o relatório, houve uma leve melhora na sensação de segurança pública. Quase seis anos atrás, no início de 2018, o registro da percepção de insegurança excedia os 80% entre as mulheres e 76% na população geral. A população realmente diz que se sente mais segura? Não é exatamente o que nos transmite a cobertura jornalística cada vez mais ampla sobre distintos atos criminosos, ou a classificação de indicadores internacionais, como o aumento do número de homicídios por 100.000 habitantes, que coloca o México no topo.

Talvez devêssemos interpretar essa melhora apenas como fruto de peculiaridades metodológicas na medição, ou seja, como resultado das circunstâncias de insegurança que forçaram os pesquisadores em geral a parar de medir o pulso em muitos lugares dada sua condição perigosa para os próprios profissionais e substituir esses locais de risco por outros em que a vida não estivesse sob ameaça?

Como em muitos outros lugares, existem mapas de risco no México, mas em muitas regiões eles são muito variáveis. Em estados como Tamaulipas, podem mudar radicalmente em poucos dias. Há lugares, como o estado de Guerrero, onde esses mapas são mais estáveis. No entanto, isso não melhora a situação nem o propósito profissional dos pesquisadores, que é justamente obter uma medição fidedigna, completa e irrefutável dos estados de espírito dos cidadãos, como a sensação de insegurança. A porcentagem de caixas que são substituídas na ENSU por entrevistadores do instituto censitário (10 a 20%, dependendo do estado) pode nos dar uma ideia da magnitude do fenômeno da insegurança, lembrando que essa pesquisa é aplicada somente em áreas urbanas (75 cidades) e consulta quase 28.000 domicílios.

A capilaridade dessa sensação de insegurança tem consequências para o processo eleitoral, em particular para a participação. A percepção de risco diminui os níveis de participação em uma eleição. Dada a intensidade com que se manifesta em certos estados, essa incerteza é capaz de interferir nos resultados finais das eleições estaduais, municipais ou distritais a nível federal e local.

A violência relatada na mídia pode aumentar as percepções de insegurança. O gatilho pode ser processos de violência generalizada ou eventos particulares, como os atentados ou homicídios de figuras públicas locais. Não é raro que esses últimos exacerbem as percepções de vulnerabilidade dos cidadãos. Nessa lógica, se uma personalidade pública pode ser alvo de um atentado ou homicídio, um cidadão comum fica ainda mais exposto.

As eleições serão influenciadas pela insegurança? Não há dúvida. A verdadeira questão não é se as impressões de vitimização potencial ou real terão algum efeito sobre a eleição. A questão crítica é saber a magnitude final desse efeito. O mais provável é que seja sobre a participação cidadã no processo e, com abstenção maior, tudo pode acontecer, subvertendo os prognósticos e projeções gerados a partir de suposições de comparecimento em massa às urnas ou – ao menos – na proporção habitual de eleições anteriores.

Embora diferentes autoridades o neguem ou o reduzam a impactos locais e não a nível nacional, tudo indica que os resultados de junho serão fortemente moldados por essa sensação de vida no limite e pelo desejo de sobrevivência. É a insegurança, estúpido!

Autor

Diretor da Parametrics, consultoria especializada em opinião pública. Mestre em Políticas Públicas pela Universidade de Oxford, em Política e em Assuntos Internacionais pela Universidade de Columbia. Membro da WAPOR América Latina.

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