A Corte Constitucional do Equador, instância máxima de controle constitucional, acaba de admitir a possibilidade de impeachment do presidente da república, Guillermo Lasso. As questões em torno desta decisão são matéria de elucidação e discussão política entre cidadãos e especialistas em matéria constitucional: a Corte tem se conduzido como instância estritamente de acordo com a letra da lei e da Constituição, ou seu trabalho tem sido politicamente tendencioso?
Paradoxalmente, pode-se argumentar que enquanto a decisão da Corte permite que o presidente se submeta ao impeachment, a natureza de sua decisão parece ser o melhor respaldo para o próprio governo. Mais do que dar resposta à pressão das ruas ou do governo, é provável que a Corte tenha levado seriamente em consideração a gravidade da crise política e, por derivação, a crise social que o país está atravessando. Uma rejeição do pedido de impeachment teria significado o melhor incentivo para assegurar que o conluio entre a oposição parlamentar e o movimento social pudesse ser resolvido com as consequências de desestabilização e agravamento da crise.
A Corte rejeitou duas das três acusações como infundadas, ou seja, aquelas referentes ao delito de extorsão, e deixou em aberto a possibilidade de investigar o delito de peculato, sabendo que o contrato alegadamente fraudulento no qual se baseia a acusação foi estipulado em 2018, dois anos antes de Lasso ser instalado em Carondelet.
O que poderia ser entendido como uma decisão que afeta o governo, acaba favorecendo-o. A opção de morte cruzada, que foi vista como a possível resposta do presidente perante a pressão da assembleia, parece estar descartada pelo menos por enquanto. O presidente decidiu submeter-se ao julgamento da assembleia, um caminho que poderia ser mais suportável para ele, dada a condição da assembleia onde o espectro das “maiorias em movimento” continua assombrando seus corredores. Além disso, isto lhe permite evitar “o aquecimento das ruas”, um terreno no qual o presidente teria tido, ou teria, conforme o caso, mais a perder.
É possível prever dois cenários ou consequências no futuro imediato: ou o Presidente é destituído pela assembleia, caso em que ocorreria uma sucessão constitucional com o Vice-Presidente assumindo o mandato, ou o Presidente sai vitorioso, caso em que a oposição parlamentar sofreria uma grave derrota com o enfraquecimento dos atores que promovem o impeachment (UNES e PSC), os quais veriam como mais problemático seu projeto de reposição para as eleições de 2025.
O que está em jogo no possível desfecho da crise é a capacidade de contenção das forças e suas tensões por parte da institucionalidade do país. Até agora, parece que tem esta capacidade; o impeachment é um recurso que a Constituição prevê e mostra a necessária fiscalização que deve caracterizar a legislatura. Por outro lado, a Corte, ao aceitar esta possibilidade, oferece um rumo e uma saída para as tensões políticas e evita soluções disruptivas e dá ao presidente a possibilidade de se defender com as armas da argumentação, evitando saídas que poderiam exacerbar os enfrentamentos.
Voltemos à nossa pergunta inicial: a Corte é imune a pressões políticas ou se viu influenciada em sua decisão? Poderia se dizer que a Corte não se limitou a ser um mero filtro de trâmite que julga sobre o respeito ao procedimentalismo jurídico, mas que assumiu considerações políticas que têm a ver com uma interpretação reforçada sobre sua missão como instância que zela pela constitucionalidade, estabilidade e a salvaguarda do Estado de direito e da própria constitucionalidade.
Sua decisão questiona uma matéria substantiva na qual o complexo entrelaçamento entre legalidade e constitucionalidade, entre política e legalidade, é elucidado. Parece que a Corte tomou uma decisão política neste caso, sem que, no entanto, esta operação tenha significado qualquer tipo de politização partidária. Isto é um sinal de maturidade institucional e os atores estão dispostos a respeitar rigorosamente as consequências de sua efetiva concretização na gestão da crise? O marco institucional no Equador tem a capacidade de enfrentar estes desafios?
A resposta a estas perguntas será elucidada nas próximas semanas. No momento, restam dois caminhos ao governo: convencer os membros da assembleia e reduzir a maioria que poderia censurá-lo, ou, no pior cenário, ativar o recurso da morte cruzada se o resultado do julgamento acontecer em momentos de grave transtorno nacional, caso em que seria cumprido com um dos requisitos que prevê a constituição para ativá-la.
Autor
Sociólogo. Lecionou em diferentes universidades do Equador e é autor de vários livros. Doutor em Sociologia pela Università degli Studi di Trento (Itália). Especializado em análise política e institucional, sociologia da cultura e urbanismo.