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Equador e a eterna consulta refundacional

No Equador, cada crise política encontra sua saída nas urnas, mas as sucessivas consultas populares acabaram reforçando o ciclo de incerteza, em vez de promover a renovação institucional.

No Equador, a consulta popular tornou-se um recurso clássico do poder. Daniel Noboa, que convocou uma para 16 de novembro de 2025, segue um roteiro conhecido: apelar ao eleitorado para contornar bloqueios institucionais. Quase todos os seus antecessores fizeram o mesmo. A questão não é se isso é original, mas se serve para algo mais do que ganhar tempo.

Todo o poder para o presidente?

Desde a recuperação da democracia em 1978 — quando o eleitorado votou entre opções de Constituição —, oito dos dezesseis presidentes do período convocaram vinte e duas consultas, com um total de oitenta e uma perguntas, segundo o banco de dados do Center for Research on Direct Democracy (c2d).

Dado não menos importante: apesar de a Constituição de 2008 da “Revolução Cidadã” ter incorporado mecanismos que podiam ser ativados pelos cidadãos, apenas foi registrada uma convocação desse tipo. Esta surgiu após um longo e sinuoso caminho de uma década de bloqueios institucionais: a consulta iniciada em 2013 sobre o Parque Nacional Yasuní, uma das zonas mais biodiversas do planeta, foi bloqueada pelo governo de Rafael Correa e reativada em 2023. Mais de 58% da população votou a favor de manter no subsolo quase mil milhões de barris de petróleo, mas a implementação dos resultados, em qualquer caso, está em perigo.

Quando se trata de consultas populares, os presidentes são os principais protagonistas. Seus objetivos têm sido principalmente quatro: ganhar força em contextos de fraqueza pessoal e/ou confrontos com o Congresso (León Febres Cordero em 1986; Sixto Durán-Ballén em 1994 e 1995; Lenín Moreno em 2018; Guillermo Lasso em 2023; Daniel Noboa em 2024); legitimar-se após crises ou rupturas institucionais (Fabián Alarcón em 1997); mobilizar as bases usando a consulta para fazer campanha (Correa em 2017, quando a fez coincidir com as eleições e propôs um pacto ético que usou contra Lasso); ou impulsionar mudanças nas regras do jogo, em especial mediante assembleias constituintes (Alfredo Palacio em 2006; Rafael Correa em 2007 e 2011; Noboa em 2025).

Que eles tentem não significa que sempre consigam. Mas, dado que os últimos cinco presidentes o fizeram, seria de se pensar que se trata de um mecanismo eficaz. Vejamos.

Do total de temas submetidos a votação popular (81), 72% das questões foram aprovadas (funcionais ao presidente). No entanto, as coisas não são simples. Muitas vezes, os eleitores hierarquizam preferências incongruentes: se desaprovam o presidente, rejeitam “sua consulta” para não fortalecê-lo, mesmo quando concordam com o conteúdo. Por exemplo, Sixto Durán-Ballén promoveu duas consultas com quinze perguntas, e todas foram rejeitadas, inclusive algumas que, a priori, poderiam parecer muito populares. No Equador, país habituado ao recurso plebiscitário, costuma-se convocar o “voto em bloco” (tudo sim ou tudo não).

Os governantes tendem a vencer quando articulam uma narrativa de ruptura e a oposição está fragmentada (Correa 2011), e costumam perder quando enfrentam desgaste institucional (Lasso 2023). Também ocorreram situações intermediárias, como a de Noboa em seu primeiro mandato, quando obteve o Sim em nove das onze questões submetidas à votação, em meio a uma crise política e tensões pela expansão extrativista.

Líder novo, estratégia antiga

Como seus antecessores, Noboa agora ativa um referendo para se relegitimar com uma narrativa refundacional, mas também para impulsionar reformas profundas. Busca ativar o voto em bloco e construir um discurso de “modernização” diante do “bloqueio político”. E é que ele não enfrenta só o Congresso, mas também teve conflitos com a Corte Constitucional.

Noboa tentou convocar uma Assembleia Constituinte por decreto, mas o Tribunal declarou a medida inconstitucional. Em seguida, enviou um pacote de sete perguntas, ao qual outras foram acrescentadas. O Tribunal rejeitou algumas (como a que propunha autorizar a contratação por hora no setor turístico) e solicitou emendas. No final, restaram quatro questões, das quais três se qualificam como referendos — usados para aprovar reformas legais ou constitucionais — e uma como consulta popular — que pode ser convocada sobre qualquer assunto de interesse público e, uma vez qualificadas pelo Tribunal Constitucional, passam diretamente para o Conselho Nacional Eleitoral (CNE).

Os referendos são sobre bases militares, financiamento público a partidos e redução do número de deputados. A consulta popular refere-se à convocação de uma Assembleia Constituinte, cujos resultados deverão ser ratificados em referendo.

Quanto aos apoios e rejeições, é previsível que a proposta conte com o apoio das elites empresariais e dos setores urbanos médios atraídos pelo discurso da eficiência. Noboa tenta se distanciar do correísmo e do ciclo de instabilidade anterior (Lasso), apresentando-se como o jovem reformista que pode terminar o que outros não conseguiram. Na oposição estão o correísmo, o movimento indígena — cuja principal organização, a CONAIE, mantém grande capacidade de mobilização — e os ambientalistas.

A questão ambiental tem sido central na política equatoriana recente. O presidente promove o maior leilão de petróleo das últimas décadas e sua proposta constitucional busca impulsionar uma legislação mais atraente para investidores externos à custa do enfraquecimento da proteção ambiental, social, cultural e trabalhista.

Todos os caminhos levam à incerteza

Diante da consulta, há três cenários possíveis. Um resultado ambíguo poderia reproduzir o desgaste e a perda de autoridade que Lasso sofreu. Uma vitória do Não impulsionaria a reorganização da oposição correísta e do movimento indígena, que em 2023 esteve a um passo de entrar no segundo turno. Um Sim retumbante poderia conceder a Noboa seu mandato refundacional para promover a Constituinte. No entanto, seria apenas mais um movimento no tabuleiro: o próximo passo seria eleger os deputados encarregados de redigir a nova Constituição, que depois deveria ser ratificada em referendo.

A experiência chilena mostrou que o humor popular está cada vez mais volátil. No Equador, o ponto de partida também não é animador: a “eterna consulta” substitui a construção institucional pela ilusão de uma saída plebiscitária.

Tradução automática revisada por Isabel Lima

Autor

Pesquisadora Sênior do Centro Albert Hirschman para a Democracia, Instituto de Pós-Graduação de Genebra. Doutora em Ciências Políticas e Sociais pela Universidade Pompeu Fabra (Barcelona) e bacharel em Ciência Política e Ciências da Comunicação Social pela Universidade de Buenos Aires, é cofundadora da Rede de Mulheres Cientistas Políticas.

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