Desde a transição para a democracia no Equador em 1979, nenhum presidente havia registrado a taxa de aprovação de 74,1% que Guillermo Lasso agora desfruta em seus primeiros 100 dias de governo, segundo demonstram os dados da empresa de opinião pública CEDATOS. Há duas explicações para isso. A primeira é o cumprimento de sua principal promessa de campanha: vacinar nove milhões de pessoas – de um total de 17 milhões – contra o coronavírus em 100 dias. O mandatário concentrou-se em atacar uma das três principais preocupações da população, que também incluem o desemprego e a insegurança. A segunda explicação é o bom desempenho da Lasso em comparação com o governo anterior.
Este bom começo de governo, cuja ideologia é contrária à Revolução Cidadã de esquerda que governou durante 10 anos, atravessa, no entanto, dificuldades políticas que eram previsíveis desde o primeiro turno eleitoral devido a sua escassa representação na Assembleia Nacional. A bancada do CREO tem 13 das 137 cadeiras, enquanto seu aliado natural de direita, o Partido Social Cristão (PSC), rompeu a hierarquia e passou para a oposição. Este desencontro pode ser muito custoso já que resta ao presidente governar de forma direta através de decretos.
O governo está consciente de como será difícil aprovar novas leis ou reformar as existentes, especialmente em matéria econômica, dado que a maioria é composta por blocos de esquerda que se negam a aprovar medidas “neoliberais”, de ajuste extremo ou que diluem os processos progressivos de direitos socioeconômicos nos segmentos de maior vulnerabilidade. Os temas de alta sensibilidade para o Governo são a exploração mineral, as novas regras trabalhistas e a relação com os organismos multilaterais de crédito.
A tensão entre o Executivo e a Assembleia não é nova no Equador; a maioria dos presidentes governaram sem maioria legislativa entre 1979 e 2007. Entretanto, a desaprovação da Assembleia no início do mandato nunca foi tão alta, já que apenas 16,4% da população tem confiança nos membros da Assembleia, segundo a CEDATOS. Após os primeiros 100 dias, e com um presidente muito bem qualificado e uma Assembleia desprestigiada, o Executivo ativou a ideia de promover consultas populares para governar.
Consulta popular
Ninguém sabe quais poderiam ser os temas de uma possível consulta popular, mas desde a campanha eleitoral o presidente advertiu acerca da necessidade de eliminar o Conselho de Participação Cidadã e Controle Social (CPCSS), que é o núcleo da Função de Transparência e Controle Social. Esta função designa as principais autoridades do sistema de justiça, controle e superintendências. Nos últimos períodos governamentais, os concursos para controlador, promotor, Conselho Nacional Eleitoral e Conselho Judiciário têm sido severamente questionados.
Outros temas da consulta poderiam ser a configuração de uma assembleia bicameral, apesar de este desenho institucional ter sido utilizado desde o início da república em 1830 até 1979 sem que haja evidência de seus benefícios para a democracia. Várias questões econômicas também poderiam ser incluídas na consulta para a reativação que o executivo está tentando promover, como a reforma trabalhista, entre os aspectos mais importantes e de maior deliberação pública.
Lasso tentou manter sua alta aprovação sem arriscar medidas econômicas que poderiam afetar seu capital político, apesar das demandas cada vez mais recorrentes de setores sociais como professores, sindicalistas e, povos e nacionalidades indígenas. O presidente manteve o esquema de seu antecessor, Lenin Moreno, no sentido de não rever a eliminação dos subsídios de combustíveis, seguindo a carta de navegação com os organismos multilaterais de crédito e dinamizar lentamente a economia com um desconfinamento gradual devido ao êxito da vacinação.
Ares de protesto social
Conviver com o status quo custou ao Governo as primeiras advertências de mobilizações e paralisações a nível nacional por parte da Confederação dos Povos e Nacionalidades Indígenas (Conaie), da Frente Unida dos Trabalhadores (FUT), dos pequenos e médios agricultores e da União Nacional de Educadores (UNE). As exigências do setor social são a revisão da eliminação dos subsídios para os combustíveis, a não exploração da mineração e o pagamento da dívida do Estado ao Instituto de Previdência Social do Equador (IESS), uma dívida que vem se acumulando devido à gestão inadequada de vários governos.
O Governo e os setores sociais não conseguiram chegar a um mecanismo de diálogo para desatar o nó, apesar do governo ter estabelecido um diálogo com o setor indígena nas reuniões iniciais. Diante deste cenário, a sociedade civil vem impulsionando alguns processos de diálogo nacional nos quais se podem encontrar acordos mínimos para um caminho sustentado e de longo prazo. A sociedade poderia desempenhar um papel de protagonista caso as diferenças entre o partido governante e a frente social se tornassem mais agudas, sobretudo pela falta de um sistema partidário para processar e resolver as demandas.
Para concluir
Se a consulta pública é a via para estabilizar a situação política e a tomada de decisões econômicas, o presidente deve manter uma alta aprovação até o fim do ano. Várias questões surgem a esse respeito: quem serão os interlocutores nos territórios para ganhar a consulta antes de ir às urnas? O presidente poderá sustentar sua aprovação se o desemprego e a insegurança piorarem antes do referendo? Como ele conseguirá um acordo de governabilidade com os setores de esquerda que já estão pensando nas eleições locais do próximo ano? Dado o descrédito do sistema partidário, poderia a sociedade civil tornar-se um ator-chave frente a tensão entre o partido no poder e a oposição? Os resultados bem-sucedidos da vacinação serão suficientes para que o governo avance em um país em crise e apatia política? Somente o tempo dirá.
*Tradução do espanhol por Maria Isabel Santos Lima
Autor
Cientista político e comunicador. Coordenador geral de pesquisa do Instituto de Altos Estudios Nacionales - IAEN (Quito). Doutorado em Ciências Sociais pela FLACSO-Equador. Últimos livros (2020): "En el ojo del huracán. Lei de Comunicação no Equador".