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Golpe brando no México?

A discussão constitucional não está encerrada e deverá ocorrer no Conselho Geral do INE.

Após o triunfo da coalizão Sigamos Haciendo Historia nas eleições de 2 de junho e o desorientação da oposição social e política, vieram à tona as chamadas 20 reformas constitucionais de despedida do presidente López Obrador, especialmente a que visa refundar o Judiciário, considerado por ele “corrupto” e, portanto, deve ser completamente limpo através da polêmica eleição popular de juízes, magistrados e ministros.

Para o que já faz parte da história, foi implementada uma estratégia na qual o poder executivo – através do Ministério do Interior – anunciou os resultados preliminares das eleições presidenciais e parlamentares antes do Instituto Nacional Eleitoral (INE). Foi particularmente notável a coalizão vencedora ter obtido uma maioria qualificada na Câmara dos Deputados ao obter 72% da representação política, o que significa que os partidos da coalizão podem alterar a Constituição sem a necessidade de fazer um pacto com os partidos da oposição. 

Essa “linha” ditada pelo poder presidencial foi imediatamente reproduzida e socializada de tal forma que, salvo vozes isoladas, foi questionada, já que a referida coalizão, como sabemos agora, só alcançou 54% dos votos emitidos e, somada à sobre-representação legal de 8%, foi suficiente apenas para ter 62% e não 72% dos deputados na câmara baixa – a câmara alta de senadores ficou provisoriamente com 82 contra os 84 necessários para ter também uma maioria qualificada.

A discussão, que até agora é principalmente midiática, terá que ser realizada no Conselho Geral do INE, que é o órgão constitucional que fará o cálculo de distribuição conforme as disposições do artigo 54 da Constituição. No entanto, há também o artigo 41, que estabelece nas seções A e B o relativo aos partidos políticos em diferentes linhas e não se refere em nenhum momento às coalizões, de modo que o princípio “o que se aplica aos partidos também se aplica às coalizões” seria aplicável.  

A Lei Geral sobre Partidos Políticos expressamente o declara quando afirma, por exemplo, no Artigo 91, seção dois: “O acordo de coalizão deverá estabelecer que os partidos políticos coligados, segundo o tipo de coalizão em questão, se sujeitarão aos limites máximos de gastos de campanha que foram fixados para as diferentes eleições como se fossem um único partido. Da mesma forma, o valor das contribuições de cada partido político da coalizão para o desenvolvimento das respectivas campanhas deve ser indicado, bem como a forma de informá-lo nos relatórios correspondentes”.

E assim por diante, para tudo o que estiver relacionado às coligações (financiamento, paridade de gênero, etc.). Portanto, com esses preceitos constitucionais e regulamentares, a discussão constitucional não está encerrada e deverá ocorrer no Conselho Geral do INE antes de rejeitar ou certificar o pronunciamento equivocado feito pelo Secretário do Interior na noite das eleições simultâneas.

E isso, como vários observadores políticos disseram, não pode ser uma leitura gramatical, mas substantiva do espírito constitucional e regulatório do que cabe aos partidos políticos e às coalizões, que não devem ser necessariamente diferentes, como afirma o partido no poder. 

Uma leitura literal e tendenciosa do artigo 54 da Constituição levaria à simples imposição de uma maioria qualificada na Câmara dos Deputados e, em menor escala, no Senado. 

E, pior ainda, sem esses contrapesos, o presidente, e a futura presidente, buscaria o controle total do judiciário através dos advogados mais populares. Visto à luz de outras experiências latino-americanas – especialmente a boliviana – significaria o que o cientista político norte-americano Gene Sharp chama de “golpe de Estado brando”, com uma singularidade muito mexicana, já que esse tipo de intervenção no chamado lawfare (guerra jurídica ou guerra judicial) que a “esquerda” pretende fazer, tradicionalmente sofreu, como aconteceu no Brasil, onde os presidentes Lula da Silva e Dilma Rousseff caíram, um na cadeia e o outro fora do cargo.

Em suma, o que o INE resolver, em termos de integração do Congresso da União e do Tribunal Eleitoral do Poder Judiciário da Federação, abrirá, sem dúvida, uma bússola entre a consolidação da democracia, preservando os contrapesos indispensáveis ao presidencialismo onipotente e abrangente, ou a derrocada com um hiperpresidencialismo sem contrapesos.

Essa é a magnitude do que está em jogo no México nos próximos meses.

Autor

Professor da Universidade Autônoma de Sinaloa. Doutor em Ciência Política e Sociologia pela Universidade Complutense de Madri. Membro do Sistema Nacional de Pesquisadores do México.

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