Uma região, todas as vozes

L21

|

|

Leer en

Hezbollah e suas atividades ilícitas na América Latina

A crescente ameaça representada pelo Hezbollah na América Latina está vinculada às suas atividades de tráfico de drogas e lavagem de dinheiro.

O Hezbollah, o grupo militante xiita libanês, tem mantido presença na América Latina desde a década de 1980, usando a região como base para arrecadação de fundos e operações terroristas. Como eles operam e como é que isso pode ser abordado?

A infraestrutura financeira do Hezbollah na América Latina é sustentada por atividades ilícitas, como o tráfico de drogas, a falsificação e o contrabando. Essas atividades geram receitas significativas e fornecem um meio para a lavagem de dinheiro. Ao mesmo tempo, o grupo se integra a setores econômicos legítimos, usando empresas de fachada e associações comerciais para ocultar suas operações ilegais.

O especialista em terrorismo Emanuele Ottolenghi, senior fellow da Fundação para a Defesa das Democracias, argumenta que “a presença do Hezbollah na região foi facilitada pela diáspora libanesa, que proporciona uma rede de apoio cultural e financeiro”. Locais como a área da Tríplice Fronteira entre Argentina, Brasil e Paraguai tornaram-se focos de atividade do Hezbollah, com consequências diretas para a segurança desses países.

Ottolenghi também observa que o grupo conta com o apoio das comunidades de sua diáspora global para criar redes de lavagem de dinheiro e investir recursos por meio de sua iniciativa Dawa Global, que mantém a lealdade da diáspora e o apoio concreto. Esses investimentos incluem fundos para mesquitas, escolas, centros culturais, movimentos de jovens e instituições de assistência social. A organização envia clérigos, instrutores e professores para liderar essas instituições, garantindo a doutrinação e a lealdade contínua das comunidades.

Esse sistema facilitou o alinhamento cultural de algumas comunidades com os objetivos do Hezbollah. É uma estratégia multifacetada que garante um fluxo constante de recursos e apoio e permite que ele opere com relativa impunidade na região. Como Ottolenghi observa, a infraestrutura social que sustenta o Hezbollah é forte e sua influência é cada vez mais ampla.

A universidade que exporta a Revolução Islâmica

Vamos acrescentar um pouco de contexto. O regime iraniano começou a ganhar terreno na América Latina logo após a Revolução Islâmica de 1979. Em 1983, o clérigo Mohsen Rabbani foi enviado à Argentina para dirigir a Mesquita Al-Tawhid em Buenos Aires, marcando o início de uma profunda influência na região que culminou com o atentado à bomba contra a AMIA em 1994. Após retornar ao Irã, Rabbani estabeleceu o sistema de doutrinação mais organizado do regime no exterior, tendo a América Latina como seu principal alvo por meio da Universidade Al-Mustafa, fundada em 2007 em Qom por ordem do líder supremo Ali Khamenei.

Com um orçamento anual de US$ 74 milhões, a Universidade Al-Mustafa se tornou um centro de disseminação da ideologia do khomeinismo. A instituição treina clérigos de todo o mundo para propagar a ideologia xiita revolucionária e serve como o principal centro de recrutamento e treinamento para convertidos estrangeiros. Um departamento específico dedicado à América Latina, o Instituto Cultural Islâmico Americano, dirigido por Mohsen Rabbani, recruta discípulos e distribui textos em espanhol e português. Essa estrutura garante um fluxo constante de recursos e mantém a lealdade das comunidades por meio de investimentos em mesquitas, escolas e centros culturais.

A IranWire ressalta que a estratégia da Al-Mustafa é metódica: com um pacote generoso de incentivos financeiros, os estudantes internacionais são atraídos e apoiados financeiramente para seus estudos no Irã e em filiais no exterior. Uma grande porcentagem deles é formada por latino-americanos, que então se encarregam de propagar as doutrinas da Revolução Islâmica, criando centros culturais e partidos locais alinhados ao Hezbollah. As atividades da Al-Mustafa, que incluem o recrutamento de milícias estrangeiras, levaram a sanções do Departamento do Tesouro dos EUA, que adverte sobre seu papel na estratégia global do Irã para exportar sua ideologia e espalhar sua influência.

Não se trata apenas de doutrinação. O Hezbollah foi responsabilizado por vários ataques na América Latina, sendo o mais famoso o ocorrido na Argentina durante a década de 1990. 

Operações financeiras e criminais

A crescente ameaça representada pelo Hezbollah na América Latina está vinculada às suas atividades de tráfico de drogas e lavagem de dinheiro. De acordo com a Fundação para a Defesa das Democracias (FDD), operações como o Projeto Cassandra e a Operação Cedar revelaram a profundidade do envolvimento do Hezbollah com o crime organizado, usando redes complexas para lavar o dinheiro proveniente do tráfico de drogas.

Apesar dos esforços das autoridades internacionais, a operacionalidade do Hezbollah na América Latina continua robusta, com incidentes recentes no Brasil demonstrando sua capacidade de planejar ataques terroristas. A colaboração com os cartéis de drogas na América Latina fortaleceu suas capacidades logísticas e financeiras, um problema exacerbado pela falta de designação como organização terrorista em vários países da região.

Precisamente, a Tríplice Fronteira se tornou um epicentro de lavagem de dinheiro para o Hezbollah. Lá, o grupo se aproveita da porosidade das fronteiras e da debilidade dos controles financeiros para lavar milhões de dólares anualmente, usando empresas de fachada, casas de câmbio e cassinos para lavar dinheiro proveniente de atividades ilegais, como tráfico de drogas e extorsão.

Para fortalecer suas redes financeiras, o Hezbollah estabeleceu vínculos com cartéis de drogas mexicanos e grupos terroristas locais, como as FARC na Colômbia, colaborações que facilitam o tráfico de drogas e armas. Dessa forma, eles usam rotas de tráfico de drogas estabelecidas na América Latina para transportar cocaína e metanfetamina para a Europa e o Oriente Médio. Os lucros dessas ações são incalculáveis para a organização.

Na Venezuela, ao mesmo tempo, ela se aventurou na mineração ilegal, explorando minas de coltan, um mineral estratégico usado na fabricação de componentes eletrônicos. Essa atividade, outra das fontes substanciais de financiamento da organização na região, se beneficia da corrupção e da falta de controle estatal na Venezuela para explorar ilegalmente os recursos naturais, de acordo com um relatório da ONU.

Desafios e respostas

A capacidade dos países latino-americanos de combater eficazmente as atividades do Hezbollah é limitada pela falta de designação do grupo como organização terrorista em muitos países da região. Apenas Argentina, Colômbia, Guatemala, Honduras e Paraguai o designaram oficialmente como uma organização terrorista, e essa falta de consenso regional prejudicou a implementação de políticas efetivas e coordenadas para combater a influência e as atividades ilícitas do grupo na América Latina. Entretanto, a cooperação internacional, especialmente com os Estados Unidos e Israel, é fundamental para mitigar as redes do grupo na região.

Portanto, é imperativo que os países latino-americanos fortaleçam suas capacidades de aplicação da lei para detectar, prender, desmantelar e deter operações criminosas e financeiras. Isso inclui melhorar a formação e os recursos de aplicação da lei e de inteligência, bem como promover a cooperação entre as agências de segurança em diferentes países.

A aplicação de políticas criminais locais e regionais relacionadas à lavagem de dinheiro e ao financiamento de grupos terroristas pode ser outra fórmula viável para combater a ameaça do Hezbollah na região. À medida que os países trabalharem juntos para criar uma frente comum contra essas atividades ilícitas, implementar leis mais rígidas e garantir que elas sejam efetivamente aplicadas, será possível estabelecer mecanismos de controle e sanção que possam deter as operações do Hezbollah e fechar os canais financeiros e logísticos que sustentam suas atividades terroristas.

Embora o Hezbollah tenha estabelecido uma presença sólida na América Latina, usando a região como base para financiar suas operações globais e realizar ataques terroristas, a cooperação internacional e o fortalecimento das capacidades locais de aplicação da lei são essenciais para combater essa ameaça. Somente por meio de um esforço conjunto e coordenado é que a ameaça representada pelo Hezbollah na região poderá ser enfrentada com eficácia, garantindo assim maior segurança e estabilidade na América Latina.

Autor

Otros artículos del autor

Doutor em Políticas Públicas pela Universidade IEXE (México). Pesquisador da Organização dos Estados Ibero-Americanos (OEI). Assessor organizacional de forças policiais no México e consultor em segurança pública e privada.

spot_img

Postagens relacionadas

Você quer colaborar com L21?

Acreditamos no livre fluxo de informações

Republicar nossos artigos gratuitamente, impressos ou digitalmente, sob a licença Creative Commons.

Marcado em:

COMPARTILHE
ESTE ARTIGO

Mais artigos relacionados