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As ambições do Irã na América Latina

Hispantv tem sido rotulada como um instrumento de propaganda do regime iraniano e criticada por difundir desinformação. No entanto, o enfoque alternativo que oferece da realidade internacional conseguiu se conectar com amplos setores da esquerda latino-americana.

Os contatos com a Venezuela durante a presidência de Sayid Mohamed Khatami (1997-2005) marcaram o início da aproximação do Irã com a América Latina. Desde 2005, o presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, começou a estabelecer uma boa sintonia com Hugo Chávez. A aliança permitiu que o Irã começasse a considerar um plano muito mais ambicioso para ganhar apoio na América Latina.

O Irã se encontrava em uma situação de isolamento como consequência de seu programa nuclear. O governo de Teerã precisava buscar novos parceiros. Nas propostas da esquerda bolivariana, encontrou a união para agir frente a um inimigo comum, que definiram como imperialismo ocidental.

Para o Irã, o grande desafio era estabelecer relações duradouras com países distantes. Que pontos em comum poderiam existir entre as duas realidades?

Pontos em comum

A República Islâmica do Irã é um regime clerical xiita no qual os líderes religiosos (aiatolás) estabelecem as linhas gerais para reger o país. O chefe de Estado é o Líder Supremo e tem poderes políticos e religiosos. Ele detém o poder junto com o Conselho de Guardiões, com 12 membros. Em grande medida, limitam juntos a capacidade que o presidente do país tem para tomar decisões. Assim, como república islâmica, são os princípios religiosos que moldam a vida política, social, econômica e cultural do país.

A realidade do Irã contrasta com a dos países latino-americanos. Ademais, se analisarmos as propostas de vários grupos políticos de esquerda, através os quais o Irã tenta ganhar presença na América Latina, podemos encontrar inúmeras contradições. Questões como o peso da religião na vida política, ou aspectos defendidos por amplos setores da esquerda, como casamentos homossexuais, mudança de sexo ou eutanásia, são castigados com pena de morte no Irã.

Apesar da grande distância que separa as duas realidades, os interesses comuns baseados na rejeição aos Estados Unidos e na criação de uma ordem mundial alternativa permitiram consolidar os laços entre o Irã e vários países latino-americanos.

Portanto, não há nenhum componente ideológico nessa aproximação. Mas responde a uma aliança pragmática motivada pela possibilidade de poder atuar contra um inimigo comum. Ademais, o Irã precisa de aliados políticos e comerciais na América Latina para tentar atenuar as consequências das sanções e das más relações com a maioria de seus vizinhos no Oriente Médio.

Instrumentos utilizados pelo Irã

A diplomacia empregada na América Latina foi, no início, complementada por outras ações para que a sociedade visse o Irã como aliado. O governo desenvolveu um programa de poder brando em três níveis de ação: atividades nas embaixadas, uso de meios de comunicação e uma forte presença nas redes sociais.

É surpreendente que o Irã concentre parte de sua estratégia em uma intensa atividade nas redes sociais. A grande maioria delas é proibida e bloqueada dentro de suas fronteiras. As autoridades de Teerã estão cientes da necessidade de ganhar influência sobre a opinião pública na América Latina para que a região aprove os acordos que possam ser firmados com o regime dos aiatolás.

Com o objetivo de se aproximar da América Latina, o Irã elaborou uma narrativa que pretende exaltar os vínculos entre ambas realidades. Há alusões permanentes à sua posição contra o imperialismo e à necessidade de estabelecer uma nova ordem mundial. O apelo à luta contra o imperialismo contrasta com os valores culturais que tenta transmitir, que se referem de forma permanente às raízes do império persa. Os valores religiosos são sempre uma constante na mensagem iraniana. Exportam os princípios do Islã xiita. Ao mesmo tempo, porém, destaca a importância da religião para consolidar outros valores, como lealdade e família, independentemente da religião praticada. Também expressam sua identificação com as propostas da esquerda bolivariana.

Hispantv, notícias em espanhol

A estratégia do Irã também incluiu a promoção de um canal de notícias em espanhol que foi inaugurado pelo presidente Ahmadinejad em 2012. Em seu discurso inaugural, Ahmadinejad deixou claro que a Hispantv surgiu como um instrumento ideológico destinado a confrontar aqueles que buscavam dominar o mundo.

Desde o início de suas transmissões, Hispantv tem sido rotulada como um instrumento de propaganda do regime iraniano e criticada por difundir desinformação. No entanto, o enfoque alternativo que oferece da realidade internacional conseguiu se conectar com amplos setores da esquerda latino-americana. Embora a Hispantv não possa ser considerada um canal de notícias de referência na América Latina, é um meio para o Irã cumprir seu objetivo. As mensagens transmitidas pelo canal são posteriormente difundidas pelas redes sociais e chegam a diferentes grupos da sociedade.

A evolução política latino-americana dos últimos anos indica que as propostas progressistas conseguiram vencer várias eleições na região. México, Colômbia, Peru e Chile são países tradicionalmente mais próximos dos interesses dos Estados Unidos. É claro que não se pode considerar que a Hispantv e o poder brando iraniano foram fatores decisivos nessa mudança, mas contribuíram para fortalecer a mensagem dos grupos políticos de esquerda.

*Texto publicado originalmente no Diálogo Político.

Autor

Analista político, Doctor en ciencias sociales por la Universidad de Valladolid y profesor de la Universidad Internacional de La Rioja.

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