O 19 de junho foi um dia duro para Bolsonaro, pois evidenciou que a sua narrativa já não convence como antes. Além das grandes marchas organizadas em todo o país contra o seu governo, o 19J foi também um daqueles poucos momentos nos quais nas mídias sociais pôde ser evidenciada a perda de capacidade de dominar a agenda e impor suas próprias narrativas por parte do bolsonarismo.
O Atlas Monitor, dashboard de big data da AtlasIntel, revela que no 19 de junho o bolsonarismo não só foi alvo de uma enxurrada de críticas nas ruas, mas que também perdeu o debate nas mídias sociais, em especial no Facebook e no Twitter.
Os dados apontam a que os atores que promovem o movimento 19J foram vitoriosos em sua atuação nas redes por ter conseguido dominar a agenda do dia e impulsar o debate que mais desfavorece Bolsonaro hoje: o da saúde em geral e da Covid-19 em especial. Apesar de que certos setores não tenham comparecido presencialmente na marcha de 19J, nas redes conseguiu-se polarizar todo o setor progressista e centrista entorno de uma causa comum, impulsando ao topo da agenda o tema da saúde, da Covid-19 e das manifestações.
Além disso, a mensagem de repúdio à gestão Bolsonaro, com o enquadramento da atribuição de responsabilidade pela morte de mais de 500 mil pessoas ficou claro e obteve consenso generalizado. Ainda assim, a rede bolsonarista se demonstrou bastante resiliente em termos de capacidade de engajamento em algumas postagens virais e no desempenho pessoal de alguns líderes bolsonaristas.
Guerra de Hashtags
As hashtags sobre o 19J em suas diversas versões dominaram quase completamente a lista das top 10 hashtags mais usadas ao longo do dia, mesmo considerando todo o volume de tweets coletados sobre os vários debates no Brasil.
Mesmo filtrando a coleta para o tema da saúde em geral ou do Coronavírus, as hashtags sobre o 19J são a maioria na lista das top 10. Os temas da saúde e do Coronavírus são os mais debatidos, mas também a pauta do impeachment permanece entre os grandes interesses do público.
A oposição domina o debate quando a pauta é sobre Bolsonaro
Em um monitoramento contínuo desde 2018 observa-se que, salvo raras exceções, Bolsonaro e os seus apoiadores dominam o debate relativo ao presidente e ao Governo. Significa que toda menção a Bolsonaro geralmente é esmagadoramente favorável a ele nas redes, graças a uma ação militante de seus apoiadores, que gera uma falsa percepção de que a maioria dos brasileiros o apoiam.
Porém, o dia 19/06 foi um dos raros casos nos quais as menções ao nome de “Bolsonaro” não foram dominadas pelo próprio presidente ou pelos seus apoiadores, se considerarmos as dez publicações mais virais sobre o presidente.
Comparando as Top 10 postagens sobre Bolsonaro em ambas as redes, quase todas eram críticas ao presidente. Tanto no Facebook como no Twitter, os influenciadores do debate sobre Bolsonaro foram por sua maioria perfis de opositores.
Um indicador para avaliar a campanha antibolsonarista
A capacidade de viralizar é um indicador importante ao avaliar o desempenho da campanha antibolsonarista que ocorreu no dia 19/06, demonstrando o potencial em termos de danos de imagem que este tipo de ações pode causar ao presidente, assim como os limites da militância bolsonarista na sua capacidade de viralização de conteúdo, pois, em geral, um conteúdo viraliza quando a sua narrativa faz sentido para o grosso da população em descrever a realidade.
Mas se deixarmos de olhar todo o conteúdo e nos concentrarmos somente no tema da saúde e da Covid-19, quase a totalidade das dez publicações mais virais em todo o Brasil é de repúdio à atuação do governo Bolsonaro durante a pandemia.
Certamente a vitória dos manifestantes de 19J ocorreu nas redes, mas ela não é absoluta e nem duradoura.
Mostramos até agora uma visão mais voltada ao conteúdo que viralizou nas redes, evidenciando que a base de Bolsonaro não se mobilizou o suficiente para que viralizasse conteúdos mais convenientes ao presidente. Esta constatação fica clara quando comparamos os gráficos de desempenho entre Bolsonaro e Lula no Twitter no dia 19/06.
Bolsonaro obteve um valor ínfimo de índice de mobilização da sua própria base no Twitter, enquanto Lula conseguiu mobilizar quase a metade de seus seguidores.
Bolsonaro possui o maior espaço relativo, ou seja, é o político mais mencionado nas redes, mas a sua popularidade não está ao máximo, o que indica que cerca de 20% de todo o conteúdo publicado sobre o presidente é negativo, e 80% é neutro ou positivo. Esta é a força de Bolsonaro e o limite do movimento de 19J: Bolsonaro pode não ter viralizado os seus conteúdos, mas capilarizando mensagens de apoio conseguiu superar em números os seus opositores.
O bolsonarismo ainda é um gigante da comunicação política
Portanto, o bolsonarismo continua sendo um gigante da comunicação política nas mídias sociais e será preciso muito mais do que um 19J para derrotá-lo no que já se tornou o seu habitat natural. Bolsonaro sofreu uma derrota no 19J no sentido de que, dominar os posts mais virais e a agenda temática com pautas e enquadramentos desfavoráveis ao presidente, além de contribuir a formar uma opinião pública antibolsonarista, dá a impressão de que os que o apoiam são sempre menos.
Como mostram os gráficos, Bolsonaro tem um índice de crescimento da sua base de seguidores quase nulo no dia 19 de junho, especialmente comparado a Lula, que também o supera em termos de conteúdo positivo e capacidade de mobilização da própria rede.
Para além da questão da corrida eleitoral, que não é o foco deste artigo, estes indicadores sugerem uma dimensão qualitativa sobre as narrativas que fazem mais ou menos sentido hoje no que tange à realidade. Se Bolsonaro não consegue mobilizar a própria base como antes e não cresce em termos de seguidores, é porque a sua capacidade de narrar a realidade já não é mais tão crível como antes.
Ao contrário, o Lula parece ter mais sucesso nesta área, ou pelo menos, parece encarnar uma maior capacidade de angariar consenso quando se engaja em temas relevantes para os brasileiros.
Autor
Pesquisador em opinião pública, enquadramento discursivo nas mídias e ciências sociais computacionais. Membro do Grupo de Pesquisa em Comunicação, Internet e Política da PUC-Rio.