Entende-se que o romance de Giulano da Empoli, O mago do Kremlin, gira em torno de uma das profissões política mais antigas: a do estrategista político. Seja um assessor, um conselheiro ou um político, a capacidade de ver cenários, analisá-los e, a partir daí, projetar uma estratégia de poder é uma arte ao alcance de poucos. Os políticos costumam pensar em si como magos, embora em suas ações o terno geralmente lhes caia bem.
O ex-presidente da Argentina (2015-2019) Mauricio Macri certamente se considera um mago da política, se levarmos em conta suas atitudes, declarações e poses de soberba. Seu histórico na política realmente o endossa: criou do nada um partido de bairro na cidade de Buenos Aires, capital da república, com o qual obteve vitórias eleitorais e se tornou chefe de governo de 2007 até hoje. Ao nacionalizar o partido — Proposta Republicana (PRO), de direita liberal — abriu uma brecha crescente entre os dois partidos tradicionais da política argentina desde meados do século XX: o Partido Justicialista (Peronismo) e a União Cívica Radical.
A evolução política da Argentina mostrou o PRO em constante desenvolvimento político até sua hora estelar: a eleição presidencial de 2015, na qual o partido, com a candidatura de Mauricio Macri, venceu a eleição, derrotando um kirchnerismo hegemônico entre 2003 e 2015.
Até aqui uma estratégia política impecável, a ponto de ter coroado uma presidência. Como todo grande estrategista, atendendo a premissa política que aponta ser mais difícil preservar e aumentar o poder do que alcançá-lo, a tarefa restante do PRO de Macri era, no mínimo, consolidar a presidência, conseguir a única reeleição constitucional possível e depois deixar herdeiros políticos para suceder essa nova hegemonia política.
Nada disso aconteceu. Uma série de erros políticos gravíssimos — para um estrategista — levou o PRO a ficar em terceiro lugar nas eleições legislativas de 18 de maio na Cidade Autônoma de Buenos Aires (CABA), a cidade de origem do PRO e onde ele não perdia uma eleição de qualquer tipo desde 2007. O mago do poder se tornou um simples malabarista das esquinas da cidade.
A presidência de Mauricio Macri, após derrubar o kirchnerismo, começou com um consenso social elevadíssimo que o levou a uma vitória clara nas eleições de meio mandato de 2017, apesar de uma política um tanto errática, sobretudo em tema econômico, um ponto crucial em seu programa eleitoral. Essa sinuosidade na tomada de decisões levou o governo a solicitar um empréstimo extraordinário ao FMI para sustentar a taxa de câmbio e controlar a inflação. O fracasso desse projeto levou a uma forte desvalorização, à perda de credibilidade nos mercados, à inflação e ao descontentamento social. Começava o caminho para o Calvário.
A má comunicação política, a inflação e uma série de movimentos políticos imprudentes levaram a eleição presidencial de 2019 a um terreno até então impensável: a volta do vilipendiado kirchnerismo ao poder, com um candidato escolhido por Cristina Fernández de Kirchner alguns meses antes, e ela no cargo de vice-presidente. O sonho da reeleição foi frustrado por seus próprios erros e cálculos estratégicos mal pensados.
O governo argentino de Alberto Fernández e Cristina Kirchner, além da pandemia, sucumbiu a uma feroz e crescente luta interna entre os funcionários do presidente e os funcionários e militantes de Cristina, a uma inflação galopante no último ano e a uma candidatura oficial para 2023 de um político oportunista cujo discurso é percebido como demagógico e sem substância. Nesse contexto, o triunfo eleitoral do PRO, a única oposição competitiva, já estava quase garantido na candidatura de Horacio Rodríguez Larreta, duas vezes chefe de governo da cidade de Buenos Aires. Inexplicavelmente, Macri o desperdiçou ao provocar um conflito interno no PRO entre Rodríguez Larreta, talvez temeroso de que seu certo triunfo eleitoral o destituísse da liderança do partido, e Patricia Bullrich, uma figura importante no partido, mas com uma tradição onipresente na política.
O resultado foi a derrota eleitoral do PRO nas eleições gerais — ficou em terceiro lugar — e um segundo turno eleitoral entre o candidato kirchnerista e a novidade política do La Libertad Avanza (LLA) de Javier Milei. A transferência do voto do PRO para Milei nas urnas coroou o surpreendente triunfo eleitoral deste último.
Como Macri se posicionou nesse novo cenário? Na função autonomeada de estrategista político e parceiro político “emprestando” funcionários, dada a natureza inovadora e improvisada da estrutura política do novo governo.
O governo de Milei recebeu Macri com cortesia, mas, à medida que foi se firmando e obtendo seus primeiros sucessos políticos — controle da inflação descontrolada — o presidente começou, primeiro, a adiar qualquer aliança política, depois a se esquivar das tentativas de aproximação de Macri e, por fim, a desprezar qualquer acordo com ele e, por fim, desprezar qualquer acordo com ele, para apontar que, de qualquer forma, os políticos do PRO deveriam mudar para LLA e, após a vitória de LLA no “bastião amarelo do PRO” (a cidade de Buenos Aires e a cor principal do PRO), para dizer que Macri deveria agora se aposentar da política. Qualquer análise política e da mídia aponta hoje em dia que o fracasso retumbante do PRO se deveu aos erros forçados com os quais Macri pensou e desempenhou o papel principal nessa eleição.
Certamente, a fuga de pessoal político do PRO para LLA consolidará esse novo espaço nas eleições gerais de meio de mandato de outubro e o catapultará para as eleições presidenciais de 2027. Exceto caso a síndrome de Macri — de mago a malabarista de rua — também se manifeste em Milei.
Tradução automática revisada por Isabel Lima