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México: o risco da sobrerrepresentação

Independentemente do caminho tomado pelo próximo governo, os contrapesos são essenciais para fortalecer as instituições e minimizar os riscos do surgimento de governos autoritários.

O triunfo eleitoral de Claudia Sheinbaum, candidata presidencial da coalizão “Juntos fazemos história”, foi inesperadamente acompanhado da notícia de que os partidos da referida coalizão poderiam, juntos, ter uma maioria qualificada em ambas as câmaras legislativas. Isso significaria que, ao menos no próximo triênio, não haveria contrapeso legislativo ao poder presidencial.

Isso provocou reações, com um segmento da oposição social postando nas redes a hashtag #Megafraude com imagens de erros e inconsistências nas atas que correspondiam ao relatório PREP e pôs em dúvida as contagens rápidas. Enquanto isso, a oposição política, unida na coalizão “Força e Coração pelo México”, após reconhecer a vitória de Claudia Sheinbaum, exigiu a revisão de 80% das atas, e não os 60% oferecidos pelo Instituto Nacional Eleitoral (INE) para revisar possíveis erros e inconsistências antes de levar os resultados aos magistrados do Tribunal Federal do Judiciário da Federação (TEPJF). Eles serão, em última instância, os encarregados de processar judicialmente os recursos. 

A política de revisão “voto a voto, caixa a caixa” que vem-se praticando desde as eleições de 2009 não provocou grandes mudanças nos resultados eleitorais. E dada a diferença esmagadora de 30 pontos entre a candidata governista e a da oposição, é provável que a contagem não vá adiante e os resultados preliminares divulgados pelo INE sejam ratificados. 

No entanto, poderá haver mudanças no Congresso da União, onde a coalizão vencedora poderá ficar aquém dos 84 senadores necessários para uma maioria qualificada.  

O que é sobrerrepresentação?

Na Constituição mexicana, sobrerrepresentação significa que um partido político obtém, em função de determinados mecanismos eleitorais, uma porcentagem de assentos 8% maior do que a porcentagem de votos obtidos. Ademais, a Constituição estabelece que nenhum partido deve ter mais de 300 dos 500 deputados na Câmara dos Deputados.

Entretanto, os partidos da coalizão vencedora postularam candidatos conjuntos em muitos dos 300 distritos eleitorais e transferiram votos de um partido para outro, o que é inconstitucional. Com esses votos, como coalizão, superam em muito o limite de 300 deputados, o que, se é válido para os partidos, é válido para as coalizões, como acontece em diferentes disposições do artigo 41. A Constituição contempla a sobrerrepresentação, mas não a acumulada, como a coalizão vencedora tenta hoje, que alcança 18% e que, fazendo jus ao princípio de “um voto, um cidadão”, teria de ser redistribuída entre as diferentes bancadas. 

Agora, se a maioria dos conselheiros do INE, em uma leitura literal da Constituição, for favorável, estaria rejeitando uma interpretação substantiva do espírito da Constituição, expresso no artigo 41.

Se assim for, caberá aos magistrados do TEPJF resolver o dilema entre proceder segundo o espírito da Constituição ou segundo a gramaticalidade da lei. Essa seria uma decisão histórica devido ao que significaria para a separação de poderes, os contrapesos necessários em toda democracia e a salvaguarda dos direitos e das liberdades dos cidadãos.

Os riscos da sobrerrepresentação

Se o próximo governo chegasse a ter o controle absoluto do Congresso da União, poderia correr o risco de consolidar uma visão autocrática do poder. Isso acabaria com a pluralidade construída na longa transição para a democracia, que deu ao país controles sobre o poder político. Com as maiorias que o novo governo teria, ele teria tudo o que precisava para reescrever a Constituição e as leis.

Um país sem contrapesos não implica, por si só, em um regime autoritário. Entretanto, as 20 reformas constitucionais que AMLO propôs, entre elas o controle político da Suprema Corte de Justiça, sugerem que, se forem enviadas ao Congresso em setembro e votadas com a nova supermaioria, poderá submeter o Judiciário ao Poder Executivo, como fizeram os governos autoritários latino-americanos. Para isso, no entanto, López Obrador teria que contar com o apoio de Claudia Sheinbaum, que já alertou o presidente de saída da necessidade de abrir o debate sobre as reformas propostas.

Independentemente do que o partido governista acabe decidindo sobre essas reformas propostas, os contrapesos são essenciais para fortalecer as instituições e minimizar os riscos do surgimento de governos autoritários. Regimes como o que o México viveu durante o longo período do PRI, que manteve o poder por 71 anos até que os cidadãos puseram fim a ele em 2000 com seu voto.

Autor

Professor da Universidade Autônoma de Sinaloa. Doutor em Ciência Política e Sociologia pela Universidade Complutense de Madri. Membro do Sistema Nacional de Pesquisadores do México.

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