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Não podemos normalizar os casos de violência contra escolas

O contexto em que esses ataques têm ocorrido potencializam a normalização devido a negligência com discursos de ódio proferidos por figuras públicas de extrema direita.

São Sebastião, Londrina, Salto da Divisa e Palhoça presenciaram casos de ataques a escolas em 2024. Ainda é preciso verificar se são casos de violência extrema em escolas, influenciados por discursos de ódio e ideologias extremistas, como os outros 36 que ocorreram entre 2001 e 2023 e que causaram comoção. Porém, mesmo que não se enquadrem nesse contexto específico de violência, são situações que despertam preocupação. Além disso, de acordo com a UNICEF, entre 50% e 70% dos estudantes latino-americanos são vítimas de assédio escolar, especialmente em países como México, Colômbia, Paraguai e Peru. Espancamentos, ferimentos com objetos, uso de linguagem obscena e até mesmo abuso sexual são casos alarmantes que evidenciam um ambiente de crescente insegurança escolar. Diversos ataques contra as escolas estão vinculados de forma direta e indireta com este fenômeno. Esses atos não podem ser normalizados e é dever da sociedade civil contribuir para que a população tenha uma postura atenta e proativa sobre o tema.

Os quatro episódios registrados no Brasil em 2024 revelam que a ocorrência desse tipo de violência se mantém no patamar dos dois últimos anos. Se comprovado que as ocorrências deste ano são realmente de violência extrema contra escolas, 2024 será o segundo ano consecutivo com maior número de ataques no primeiro semestre.

Mas, por que parece que elas já não tomam a relevância de antes? Daniel Cara, coordenador do grupo de trabalho do Ministério da Educação (MEC) sobre o tema, fala de uma normalização desses ataques pela população brasileira. Segundo ele, esse crime já passou a ser considerado algo enraizado em nossa sociedade.

O contexto social e político em que esses ataques têm ocorrido no Brasil potencializam a normalização. É possível citar: a negligência com discursos de ódio proferidos por figuras públicas — e com visibilidade — de extrema direita, a impossibilidade de avanço na discussão sobre a regulamentação das redes sociais e a apologia às armas.

Apesar da aparente normalização pela população em geral, o problema permanece no centro do debate político em torno da pauta de educação. De um lado, os que são favoráveis a uma educação desde uma escola homogênea (a exemplo das escolas cívico-militares), tecnicista, mais focada no preparo técnico para uma futura profissão do que no desenvolvimento de pensamento crítico. Para esse grupo, a prevenção à violência extrema contra escolas vem, exclusivamente, da segurança armada. Do outro lado, há os defensores de uma educação pública, plural, promotora do pensamento crítico, democrática e em favor dos direitos humanos, para quem a prevenção se dá a partir da melhoria na convivência escolar.

Segurança e convivência escolar podem coexistir?

Em um primeiro momento, pode ser difícil imaginar como propostas com focos distintos podem coexistir, mas esse exercício é necessário diante de uma população dividida em grupos ideologicamente opostos que demandam pela proteção de seus filhos e filhas, crianças e adolescentes.

O relatório Ataques de violência extrema em escolas no Brasil: causas e caminhos afirma que existem medidas de segurança que podem, sim, ser conciliadas com estratégias de melhora da convivência escolar, desde que essa tenha espaço propício para ser cultivada. Dentre elas, estão o aumento no cuidado de pontos vulneráveis; botões de pânico; treinamentos da equipe, câmeras externas e policiamento comunitário. É importante destacar que a segurança armada não é uma opção.

Para que possamos imaginar essa coexistência, é válido lembrar do que está na base das estratégias que promovem a convivência escolar. No e-book Violência contra escolas no Brasil: Perspectivas sobre o extremismo entre jovens e estratégias de prevenção, produzido em parceria entre Latinoamérica 21 e Instituto Aurora, em coautoria com diferentes organizações da sociedade civil, cada artigo traz uma proposta de superação desse problema.

Tais propostas são: 1) Promover uma escola heterogênea, que valoriza a educação em direitos humanos e a cultura de paz; 2) Conhecer os fatores que aproximam e os que afastam as crianças e os jovens do contato com as ideologias extremistas; 3) Prevenir com estratégias orientadas pelo agir e não pelo reagir, preocupando-se em reconhecer os sinais da violência extrema com antecedência; 4) Diante do acompanhamento das ocorrências escolares, atuar envolvendo todas as políticas públicas, tais como saúde, cultura e assistência social, reduzindo a descrença nas instituições; 5) Saber o que os jovens meninos têm buscado nas redes sociais e propor alternativas que os retirem da rota da radicalização ao extremismo, ajudando-os a pensar sobre outras masculinidades possíveis; 6) Incluir práticas pedagógicas que abram espaço para que os estudantes expressem e reflitam sobre seus hábitos midiáticos; 7) Construir possibilidades para a vida e a promoção de espaços de pertencimento que reconectem os sujeitos com experiências partilhadas, comunitárias e solidárias, prevenindo e resgatando jovens do extremismo.

O perigo do debate polarizado em meio à normalização

Diante de um cenário polarizado, deve-se ter atenção para que, ao cair na normalização do senso comum, a pauta da violência contra escolas — que diz respeito a vida de crianças e adolescentes — não se torne um instrumento para alterar a visão da população sobre como deve ser um ambiente escolar, fazendo com que soluções ineficazes para um problema complexo ganhem apoio popular.

A exemplo, no começo deste mês de julho de 2024, a Comissão de Educação da Câmara de Deputados, sob a presidência do deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) discutiu o projeto de lei 2380/2022, que previa a vigilância das escolas por agentes especializados, tendo como justificativa os casos de ataques a essas instituições. A discussão se seguiu em torno da defesa da segurança armada nas escolas para combater a violência contra e nessas instituições.

Ainda no primeiro semestre de 2024, a privatização de uma parcela das escolas públicas foi aprovada pelos governadores de dois estados brasileiros (São Paulo e Paraná), ambos de partidos que apoiam pautas mais conservadoras, sendo que tal privatização prevê a licitação das áreas de vigilância e portaria das escolas.

No fim, o que percebemos é que a não normalização da violência contra escolas diz respeito a evitar um próximo ataque a essas instituições, mas também a: 1) impedir o sucesso do lobby armamentista; 2) conter o repasse de dinheiro público para empresas privadas que visam o próprio lucro; e 3) barrar um projeto de poder pelo qual a escola é gerida pelo medo.

A sociedade civil tem o dever de provocar a população a não normalizar a violência contra escolas, garantindo que o debate sobre o tema permaneça público, incluindo a comunidade escolar, circulando na grande mídia e nas plataformas digitais, evitando que seja cooptado por grupos políticos extremistas.

Sobretudo, estamos falando da construção de um caminho que não seja enviesado pelos valores da extrema direita e em que uma sociedade dividida encontre formas de se reconectar.

Autor

Chefe de Pesquisa e Projetos do Instituto Aurora de Educação em Direitos Humanos. Mestre em Filosofia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Membro do Conselho Municipal de Direitos Humanos de Curitiba.

Diretora Executiva do Instituto Aurora de Educação em Direitos Humanos. Mestre em Direitos Humanos e Políticas Públicas pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR).

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