Após “29 reuniões realizadas com diferentes instâncias governamentais, públicas, privadas e da sociedade civil” em dois dias em Lima, a missão da OEA, composta por oito chanceleres ou vice-chanceleres da região, emitiu um relatório sobre a situação peruana que, sobretudo por suas omissões, é complacente com o governo de Pedro Castillo. No final, faz algumas recomendações inócuas que deixam o país na mesma; ou seja, na situação mais crítica das últimas décadas.
O chamado Grupo de Alto Nível visitou o país no final de novembro, após o governo peruano invocar a Carta Democrática Interamericana em outubro em razão do que vem denunciando como um golpe de Estado em marcha. O Conselho Permanente da OEA aceitou o pedido, se solidarizou com o governo e posteriormente formou a missão que, após visitar o país, deveria preparar um relatório a ser apresentado ao próprio Conselho.
O relatório de situação destaca sete fatores. Alguns são circunstanciais – instabilidade, alta polarização, confronto entre poderes, uso excessivo de ferramentas de controle político – outros são, digamos, estruturais – o papel dos meios de comunicação, os traços da crise social, do racismo e da discriminação – que o texto interpola de modo que inclina a balança a favor das posições governamentais. Exemplo: Castillo é rejeitado por atores políticos porque é cholo, não porque ele é inepto e corrupto, deve-se inferir.
Não aparece a corrupção
O relatório destaca que “Todos os atores entrevistados ressaltaram o alto nível de instabilidade existente” no país. Ao examinar a origem desta situação, aponta-se para “a combinação de diversos fatores, incluindo a alta fragmentação das forças políticas; as constantes mudanças na formação de gabinetes; o questionamento à nomeação de funcionários por serem considerados inadequados; a obstrução do exercício do poder; pedidos contrapostos de recorte de mandato e adiamento de eleições; os pedidos de vacância presidencial (três até o momento); o uso da questão da confiança; a dissolução do Congresso da República; investigações abertas contra o Presidente e outros integrantes do Poder Executivo, e a ausência de diálogo entre os principais atores políticos”.
O parágrafo inteiro merece ser citado, mais do que pelo que aponta – sem dúvida, fatores existentes -, devido ao que não diz. No centro deste silêncio está o traço que, acumulando denúncias que se tornaram cotidianas no país, caracteriza a gestão governamental: a corrupção.
Ao omitir este elemento, que se soma à ineficácia do aparato estatal devido à falta de idoneidade dos principais cargos no Poder Executivo, destaca a obstrução da ação governamental por parte da oposição política, que o texto detalha: “o uso indiscriminado de moções de vacância, a negação ao Presidente para viajar ao exterior, denúncias constitucionais, moções de interpelação, votos de censura, juízo político”. De fato, o trabalho da oposição, desde que Castillo tomou posse em julho de 2021, tem como objetivo minar sua gestão. Mas destacar este fator em um tom discreto de reprovação e omitir uma referência à natureza condenável da ação do governo causa um desequilíbrio no relatório.
A avaliação da ação de governo é refletida em pesquisas de opinião. Nas mais recente realizada por IPSOS, a mais reputada do país, a falta de confiança no presidente Castillo alcança 68% dos pesquisados, enquanto 69% considera que Castillo governa para seus próprios interesses e os de seus associados próximos, 67% pensa que ele não diz a verdade e 65% acredita que ele está envolvido em atos de corrupção.
O contexto, de um governo sem rumo e repetidamente marcado por atos de corrupção, não aparece no relatório do Grupo de Alto Nível, que ao escrever essa nota, encontrava-se destinado a ser aprovado pelo Conselho Permanente. Esta instância política de uma OEA desacreditada pelos preconceitos de suas ações – especialmente desde que Luis Almagro está a cargo da Secretaria Geral –, provavelmente se limitará a conceder ao governo peruano o que buscava ao invocar a Carta Democrática Interamericana: um respaldo que lhe dê oxigênio na luta política interna.
O relatório fica para trás
Esse oxigênio não parece ter chegado. No país, a recepção do relatório do Grupo de Alto Nível tem sido de rejeição pela opinião informada. Por um lado, foi apontado seu desequilíbrio e a inclusão de problemas estruturais – como o racismo e a discriminação – para explicar forçadamente uma situação de crise. Por outro lado, a recepção do texto das críticas do governo à mídia – que, “concentrados nas mãos de uns poucos”, acusa de falta de objetividade, não sendo verdadeira “e que em alguns casos até mesmo desestabilizadora”, ao tempo que invoca “exercer a liberdade de expressão de forma construtiva, responsável e imparcial, e com respeito a todos os atores” – provocou uma reação irada em editoriais e colunas de opinião.
No final, as recomendações do relatório da OEA têm pouca importância, especialmente seu apelo ao diálogo “para realizar uma convocatória a uma instância de diálogo formal entre presidência, legislaturas, altos tribunais, representantes de partidos políticos e membros da sociedade civil, livre de condições”. Para isso, o texto sugere “iniciar uma trégua política enquanto se conforma e convoca ao diálogo”. Este último, segundo alguns analistas, é uma necessidade urgente do governo, em um momento em que Castillo enfrenta no Congresso a possibilidade de ser removido ou suspenso do cargo, além das sete investigações abertas pelo Ministério Público.
Com a gestão ineficaz da missão da OEA, o país continua aprofundando uma crise que, por ser política, contagiou a economia pela falta de crescimento dos investimentos e por uma possível diminuição da produção mineira, cercada por conflitos sociais que não encontram no Estado uma instância eficiente de resolução. Na pesquisa IPSOS, quase três quartos dos entrevistados (73%) acreditam que a economia está pior do que há 12 meses e 69% acreditam que a gestão governamental afeta negativamente a economia e o emprego.
Na cena política, a briga continua. A vice-presidente Dina Boluarte se distanciou do presidente, na esperança de que Castillo seja destituído do cargo e que possa substituí-lo. O Ministro da Defesa renunciou após apenas dois meses no cargo, em meio a rumores de um possível golpe de estado para fechar o Congresso. É um quadro cada vez mais curioso, com alguns avisos de que poderia levar a um surto de violência. É uma situação em que o relatório da OEA logo será esquecido, sem pudor nem glória.
Autor
Sociólogo do Direito. Estuda os sistemas de justiça na América Latina, assunto sobre o qual tem publicado extensivamente. Desempenhou-se como docente no Peru, Espanha, Argentina e México. É membro sênior de Due Process of Law Foundation.