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O acordo Mercosul-União Europeia em uma nova encruzilhada

No início de 2024, as fortes mobilizações agrícolas que paralisaram a Europa congelaram a possibilidade de concluir o acordo, que logo se somaram as eleições para o Parlamento Europeu.

Na esteira do novo impulso para finalmente concluir o tão esperado acordo Mercosul-União Europeia, a questão voltou aos olhos do público. Que fatores estão impulsionando a busca pela conclusão do acordo? Quais são os obstáculos? Quais são os cenários possíveis?

Um novo impulso geopolítico

O Mercosul e a União Europeia chegaram a um “acordo em princípio” sobre o pilar comercial de um Acordo de Associação em junho de 2019, bem como um acordo sobre o pilar político e de cooperação no ano seguinte. O anúncio provocou forte oposição na Europa, com a formação de uma coalizão contrária composta por produtores agrícolas e ativistas ambientais. Aos primeiros, que historicamente se opunham por considerações distributivas, juntaram-se as preocupações dos últimos sobre o impacto de um acordo sobre as mudanças climáticas, incentivadas pelas políticas do governo de Jair Bolsonaro no Brasil em relação ao desmatamento na Amazônia.

Assim, diferentemente do passado, o acordo ficou sujeito a um alto nível de “politização” e forte oposição de atores comerciais não tradicionais da sociedade civil, mobilizados por preocupações ambientais.

No entanto, a partir do final de 2022, diferentes fatores se combinaram para dar um novo impulso geopolítico ao acordo. No contexto da “geopolitização” ou “virada geoeconômica” da política comercial da União Europeia, a Comissão Europeia argumentou que, em um contexto de retorno da guerra à Europa, dado pela invasão da Rússia na Ucrânia, as lições aprendidas com a falta de insumos durante a pandemia de Covid-19, as crescentes tensões geopolíticas entre o Ocidente e a China e o eventual retorno de Trump à presidência dos Estados Unidos – agora confirmado -, a União Europeia precisava celebrar novos acordos comerciais para diversificar aliados e riscos e, assim, reequilibrar o campo geopolítico.

Nesse contexto, facilitado pelo retorno de Lula à presidência do Brasil, a Comissão buscou negociar algumas garantias adicionais sobre questões ambientais para aplacar a oposição da sociedade civil europeia. Em troca, estava disposta a fazer concessões que, no passado, teriam sido descartadas, como a redução do acesso ao mercado para as compras governamentais brasileiras exigida pelo governo Lula, ou a introdução de uma “cláusula de reequilíbrio” no caso de as políticas comerciais unilaterais do Pacto Verde Europeu reverterem os ganhos de acesso ao mercado para o Mercosul resultantes de um acordo. Com isso, os dois blocos estavam a caminho de um novo entendimento.

As resistências da economia política

No entanto, o acordo entre o Mercosul e a Comissão Europeia esbarrou em um obstáculo de longa data: a oposição agrícola europeia. Ao contrário dos “perdedores distributivos” do Mercosul, ou seja, a maioria dos setores industriais do Brasil e da Argentina, que passaram progressivamente de uma posição de oposição para uma de apoio (no Brasil) ou aceitação passiva (na Argentina), os produtores agrícolas europeus continuam a se mobilizar contra um acordo. Como resultado, os países com setores agrícolas poderosos, liderados pela França, mantiveram sua rejeição.

No início de 2024, as fortes mobilizações agrícolas que paralisaram a Europa congelaram a possibilidade de concluir o acordo. Posteriormente, as eleições para o Parlamento Europeu em junho tiveram o mesmo efeito. Como o negociador-chefe da Comissão, Rupert Schlegelmilch, reconheceu na época, “neste momento estamos presos, para ser honesto, por causa das eleições europeias e dos protestos dos agricultores na Europa”.

Passadas as eleições europeias, a Comissão tomou a iniciativa de finalmente selar o acordo. O objetivo, segundo relatos, é poder fazer um anúncio na próxima Cúpula do Mercosul, no início de dezembro. Dito isso, na esteira de novas manifestações agrícolas na França, o governo francês, com o apoio esmagador do establishment político francês, ratificou mais uma vez sua rejeição ao acordo. Portanto, a batalha continua.

Como o acordo poderia ser aprovado?

Diante dessa situação, surge a pergunta sobre qual será o destino do acordo. Uma forma de abordar a resposta é por meio das normas que regulam sua eventual aprovação na União Europeia. Na legislação europeia, o Acordo de Associação com o Mercosul tem um caráter “misto”, ou seja, combina competências comunitárias com outras que permanecem no âmbito dos Estados-Membros. Portanto, de acordo com o artigo 218 do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, sua aprovação requer, entre outras coisas, a aprovação unânime do Conselho, onde todos os Estados estão representados, o que faz com que esse cenário seja totalmente descartado.

Entretanto, se dividido, o pilar comercial, como competência comunitária, só pode ser adotado com a aprovação do Parlamento Europeu e uma “maioria qualificada” no Conselho. Essa maioria requer o apoio de pelo menos 55% dos Estados-Membros, representando pelo menos 65% da população total da União, juntamente com a ausência de uma “minoria de bloqueio”, que requer pelo menos quatro membros que representem mais de 35% da população.

Assim, a adoção do pilar comercial requer dois elementos. Primeiro, que a Comissão avance mesmo diante da oposição da França, o que representaria uma ruptura com a prática histórica da União Europeia em relação aos acordos comerciais. Segundo, que a França não consiga reunir uma minoria de bloqueio. Historicamente, a posição francesa tem sido acompanhada por outros países com fortes comunidades agrícolas, como Irlanda e Polônia, o que, no entanto, não seria suficiente para atingir o limite mencionado acima.

Entretanto, devido ao fortalecimento das demandas dos agricultores italianos, representantes do governo italiano, um país tradicionalmente favorável ao acordo, indicaram que poderiam se juntar à coalizão liderada pela França. Dessa forma, seria formada uma minoria de bloqueio.

Em suma, a liberação dessas duas variáveis acabará por definir o destino do acordo na Europa e, portanto, a possibilidade ou não de sua conclusão.

Tradução automática revisada por Giulia Gaspar.

Autor

Professor e pesquisador do Programa de Estudos Internacionais da Universidade da República (Udelar) e membro do Sistema Nacional de Pesquisadores do Uruguai. Doutor em Ciência Política pela Udelar e mestre em Economia Política Internacional pela London School of Economics.

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