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O Canal de Panamá sofre a crise ambiental

A falta de água para o funcionamento normal do Canal do Panamá, bem como as perdas pela redução da passagem de navios mantêm o país em alerta. Mas o vínculo entre a deterioração ambiental e a economia do país está na agenda nacional desde a década de 1970.

Durante a segunda metade do ano de 2023, a falta de água para o funcionamento normal do Canal do Panamá, bem como as perdas pela redução da passagem de navios, dominaram as manchetes, com o fenômeno atmosférico e oceanográfico do El Niño vindo à tona como uma das maiores ameaças à segurança nacional. Mas o vínculo entre a deterioração ambiental e a economia do país não é uma preocupação nova e está na agenda nacional desde a década de 1970. De fato, as próprias instituições ambientais do Panamá receberam seu maior impulso devido às preocupações com o futuro do Canal do Panamá, com suas origens nas margens do reservatório de Alajuela e à sombra do Ministério do Desenvolvimento Agropecuário (MIDA).  Apesar desses esforços, a fragmentação e a marginalização da gestão persistiram, a tal ponto que nos encontramos diante das piores projeções dos últimos cinquenta anos.

Embora o Panamá tenha historicamente carecido de instituições ambientais adequadas, o país depende de seus recursos naturais e, em especial, de sua extraordinária abundância de recursos hídricos que sustentam o funcionamento do canal, mas também a produção de alimentos para exportação e abastecimento nacional, a geração de energia hidrelétrica que até hoje domina a matriz energética e o fornecimento de água potável para a população.

Um problema histórico

Até meados do século XX, os recursos naturais, incluindo florestas e água, não eram vistos como fatores limitantes para o crescimento econômico. No entanto, o avanço da fronteira agrícola, a migração de pessoas para áreas urbanas e até os processos globais de poluição e mudanças nos padrões climáticos causaram uma deterioração crescente do meio ambiente que hoje ameaça a sustentabilidade econômica e social do país.

A atual administração do Presidente Laurentino Cortizo reconheceu desde o início o grave desafio ambiental e, em particular, a necessidade de assegurar a água necessária para o funcionamento do Canal. Com a eleição de um novo administrador para a Autoridade do Canal do Panamá (ACP), reafirmou-se a proposta de um novo reservatório no Rio Indio, a oeste do Canal, bem como a possível interconexão com o reservatório de Bayano, no leste do Panamá.

Mas, por outro lado, o governo esfriou os esforços que avançaram no governo anterior de Juan Carlos Varela (2014-2019) para avançar com o Plano Nacional de Segurança Hídrica 2015-2050; incluindo a adoção de medidas urgentes para enfrentar o estado de emergência declarado com o último episódio de El Niño entre 2015-2016.

De qualquer forma, o Canal do Panamá segue sendo autônomo e de interesse nacional, o que lhe dá uma amplitude inusitada para operar além das diferenças políticas. Prova disso foi o consenso político sobre a proposta de represamento do Rio Indio na atual campanha eleitoral e as repetidas propostas para ampliar o mandato da ACP além da operação da via interoceânica. De fato, durante a administração de Juan Carlos Varela, do Partido Panameñista (2014-2019), a ACP foi até autorizada a realizar estudos hídricos sobre o aproveitamento da água em bacias distantes da rota do canal, como os rios La Villa, Perales, Parita e Santa María.

Consequências para o canal

Desde que a expansão do canal foi inaugurada em 2016 e até 2023, quando ocorreu um dos episódios mais severos do fenômeno El Niño, o número de trânsitos por ano seguiu uma tendência similar à dos últimos vinte anos. Apesar disso, e graças às novas eclusas, a tonelagem vinha aumentando muito rapidamente até 2021 em resposta à maior capacidade de transporte de carga da nova geração de navios Neo-Panamax, que começaram a cruzar a hidrovia quando a expansão foi inaugurada.

Embora seja difícil avaliar se a queda nos trânsitos e na tonelagem em 2023 e no início de 2024 afetará as tendências de longo prazo, é evidente que o abastecimento de água foi reconhecido como um fator importante na operação de longo prazo do Canal. Deve-se destacar também que isso afetou tanto os navios Panamax quanto os Neo-Panamax, o que pode afetar ainda mais a quantidade de tonelagem no futuro.  A redução nos trânsitos do Canal também está tendo um impacto no comércio e na economia mundial, aumentando as incertezas que afetaram o comércio marítimo mundial nos últimos anos.

Além das possíveis perdas econômicas e restrições de tráfego resultantes da falta de água, os cidadãos estão sofrendo com o abastecimento irregular de água potável, especialmente na província do Panamá Ocidental. Em abril de 2023, os protestos pela falta de água dominaram as manchetes no final da estação seca, reforçando o parecer técnico da ACP sobre a necessidade de aumentar o abastecimento com as iniciativas Bayano e Rio Indio.

Apesar da instabilidade gerada pela falta de água e de outros serviços básicos, o governo não propôs uma solução abrangente para esse problema além da conclusão das obras de infraestrutura e da redução esporádica do consumo. Em consequência, esse será um ponto prioritário na agenda da próxima administração que assume em julho de 2024.

Além disso, grande parte dos cidadãos percebe que o Ministério do Meio Ambiente e demais instituições estatais não têm a capacidade para responder aos problemas ambientais, segundo os resultados da pesquisa do CIEPS sobre a desconfiança nas instituições estatais. Em materia ambiental, isso é particularmente grave dado que a maioria dos cidadãos (93,3%) identifica o cuidado ambiental como a principal característica de ser um bom cidadão. A falta de resposta do Ministério do Meio Ambiente em qualquer nível (local, provincial ou nacional) despertou um forte rechaço à instituição, que foi canalizada principalmente nas manifestações nas ruas, na mídia e nas redes sociais.

Em resposta, a coordenação entre o Ministério do Meio Ambiente, o Ministério Público (promotores ambientais) e a Polícia Nacional aumentou durante esse período com a contratação de funcionários, a abertura de novos escritórios e o investimento em infraestrutura. Apesar disso, os resultados não têm sido animadores, pois tudo parece indicar que o tráfico de animais silvestres, a fronteira agrícola e a deterioração da qualidade ambiental continuam avançando, especialmente em áreas urbanas, aterros sanitários e áreas de mineração.

Até agora, nenhuma das administrações anteriores respondeu às preocupações dos cidadãos sobre o destino do Ministério ou do Sistema Ambiental Interinstitucional (SINIA), que deveria garantir a gestão intersetorial. Isso é preocupante diante de crises cíclicas, como o atual evento El Niño, e de desafios globais, como as mudanças climáticas, os poluentes orgânicos persistentes e a erosão da biodiversidade. A crise atual impactará significativamente na economia nacional pela diminuição do tráfego no canal, mas para os moradores de La Chorrera e de outras cidades do oeste do Panamá, a falta de água se tornou o novo normal. E, em poucos anos, é provável que não haja água suficiente para abastecer a crescente expansão urbana que se estende a partir da capital.

Autor

Doctor en Ciencias Políticas y Magíster en Estudios Latinoamericanos por la Universidad de Florida, Gainesville. Investigador del Centro Internacional de Estudios Políticos y Sociales AIP - Panamá (CIEPS).

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