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O embargo: um assunto entre cubanos

Desde o fim da Guerra Fria, a disputa não é entre os governos de EUA e Cuba, como afirma o regime, mas entre o exílio e o regime totalitário cubano.

A pergunta se o embargo dos Estados Unidos é a causa da atual situação econômica e financeira de Cuba não tem uma resposta simples. A ineficiência do socialismo cubano, muito maior do que a de qualquer outro socialismo leninista, e a tendência do regime de não pagar suas dívidas, mesmo quando podia, explicam em parte essa situação. Entretanto, é evidente que o embargo tem repercussões importantes em tal, caso contrário, não se explicaria a insistência de conservá-lo. Ninguém se empenha em usar um recurso que o oponente usa exitosamente para vitimizar-se e desqualificar-lhe, a menos que, no cálculo geral de ganhos e perdas, o saldo percebido seja positivo. No fim das contas, se o solo e as produções de Cuba, um pequeno arquipélago sem grandes recursos naturais, valem algo, é por nossa proximidade com os Estados Unidos. Um país cuja economia Cuba complementa desde o século XVIII, quando um subproduto de nossa produção de açúcar, o mel, tornou-se a matéria-prima para a produção do rum da Nova Inglaterra.

A dependência econômica de Cuba aos Estados Unidos é tal que, após a ruptura de 1960, o regime só conseguiu tirar o país da crise ao vender-se como o aliado ideal de quem está disposto a financiar o ineficiente socialismo cubano para irritar nosso vizinho. Cuba conseguiu sobreviver a mais de sessenta anos de desconexão com os Estados Unidos, sua economia complementar natural e histórica, ao buscar o apoio econômico politicamente interessado dos inimigos abertos ou ocultos desse país. Porque a realidade é que, além de sua proximidade com os Estados Unidos, Cuba tem pouco a oferecer a outras economias, nem pode viver de forma autônoma.

Mas a conservação desse embargo – que, lembremos, não é a única causa da situação atual de Cuba, embora a influencie – responde ao interesse de quem? Ao contrário da crença generalizada na América Latina, o embargo não se mantém pelo interesse do público ou da classe política dos Estados Unidos. Se fosse, à maneira do Vietnã, já teria desaparecido há muito tempo.

Diferentemente da época da Guerra Fria, quando políticos de ambos os partidos apoiavam medidas punitivas contra a ilha vizinha que ousara se aliar ao seu arqui-inimigo, a União Soviética, desde a década de 1990 há uma tendência na política americana de estabelecer um modus vivendi com o regime cubano. Se isso não foi possível, é pela existência de um exílio cubano importante e muito ativo nos Estados Unidos, que, diferente dos vietnamitas, conseguiu ganhar uma influência desproporcional na política americana. Considere que, embora os cubano-americanos não cheguem a 0,8% do censo, têm uma representação de quase 2% no Congresso, com três senadores e sete representantes.

Foi o exílio, com suas relações e sua habilidade política de impor seus interesses, que nos anos 1990 não só conseguiu preservar o embargo, mas garantiu que sua revogação ficasse apenas nas mãos do Congresso, dadas certas condições que qualquer futuro governo cubano teria de cumprir. E tudo isso, apesar da ideia generalizada na classe política americana de que um regime como o cubano tem suas vantagens, como o controle mais eficaz do fluxo de drogas e emigrantes, em uma ilha quase à vista de sua costa.

Deixe-nos desiludir: desde o fim da Guerra Fria, a disputa não é entre os governos dos EUA e de Cuba, como afirma o regime, mas entre o exílio e o regime totalitário estabelecido sobre a limitação dos direitos civis, políticos e econômicos dos cubanos. A diferença é justamente preservar ou eliminar essas limitações, dentro de uma sociedade cubana transnacional ou transfronteiriça cada vez mais interconectada e na qual, por exemplo, as remessas dos exilados representam a principal renda econômica para mais de um terço das famílias da ilha e quase todo o capital com o qual são iniciadas as empresas privadas.

Hoje, o embargo é o único recurso eficaz de pressão nas mãos de uma significativa e crescente porcentagem de cubanos que, insatisfeitos com a situação em Cuba e, sobretudo, com as limitações econômicas e políticas de um sistema totalitário, acabaram pondo o mar entre eles e sua pátria. Alguns questionarão esse uso “pouco” patriótico do embargo, mas quem o faz deve ser perguntado: quem é menos patriota, quem priva seus compatriotas de direitos ou quem, sem direitos em sua pátria, tentam recuperá-los pelas poucas vias abertas?

Apesar da evidência de que o exílio é, há muito tempo, o único apoio importante na política dos EUA para manter o embargo, Havana insiste em tratar sua eliminação como um assunto exclusivo entre as chancelarias dos dois países. Isso impede a solução de um problema vital para Cuba, apenas porque o regime se nega a reconhecer o exílio como uma parte da sociedade transnacional cubana e um interlocutor válido. Algo cada vez mais ilusório, dada a proporção crescente da população exilada na sociedade transfronteiriça cubana e sua importância tanto na economia da ilha quanto na política dos Estados Unidos.

A comunidade internacional deve entender que só será possível eliminar o embargo quando o regime aceitar seus exilados como um interlocutor válido e levar em conta suas demandas, pois está em suas mãos mudar a política de Washington para Havana. No final, não se pode privar os cubanos de seus direitos em seu país, dar a emigração como única saída aos inconformados e, ao mesmo tempo, esperar que, ao se acumularem aos milhões, os excluídos não acabassem controlando a política dos EUA para Cuba. Agora deve-se lidar com eles se Cuba quiser se reconectar com seu mercado natural e histórico.

Autor

Graduado do Curso de Formação Literária do Centro Onelio Jorge Cardoso e do Curso de Formação Sócio-Política do Instituto Superior de Ciências Religiosas a Distância San Agustín, da Univ. Católica de Valência San Vicente Mártir.

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