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O governo aberto no México: uma miopia curável?

O governo aberto, como é conhecida a forma de governança que busca aprofundar o papel dos cidadãos na participação da tomada de decisões públicas, é uma alternativa à ameaça crônica às democracias.

Vivemos em uma época de democracias em agonia devido a seus déficits políticos ou insuficiências sociais. O chamado Governo Aberto é uma alternativa contra a extinção gradual, crônica e degenerativa que as democracias sofrem com o populismo e a ingovernabilidade de fato.

O populismo é autoritarismo porque se distingue por uma “predisposição para restringir as liberdades civis da oposição, incluindo os meios de comunicação”, de acordo com os estudos oficiais de Levitsky e Zibllatt que anunciam a morte das democracias. Ou seja, o populismo promulga leis ou políticas que perseguem as críticas ao governo ou promovem ameaças contra os críticos dos partidos de oposição, da sociedade civil ou dos meios de comunicação. Em suma, a chave para o autoritarismo consiste em deixar os cidadãos indefesos em termos de informação, de modo que eles não tenham dados para censurar o governo ou propor soluções para suas necessidades.

Mas esse não é o único obstáculo imposto pelo populismo autoritário ou a única tática para corroer o vigor das democracias. As falhas institucionais, como condutas que promovem a ilegalidade, a arbitrariedade, a corrupção, a discriminação ou alimentam divisões conflitantes de poder, também minam a fé democrática. Há também estruturas fiscais adversas, como um status quo tributário injusto, administração tributária ineficiente em face da evasão ou alocação ineficiente de recursos, que prejudicam a credibilidade operacional dos regimes eleitos. Duas outras falhas completam o contexto dos problemas. As deficiências administrativas (baixa qualidade normativa, estrutura de comando e trabalho confusa e redundante, fragmentação intra e intergovernamental) e as deficiências políticas (relações conflituosas entre o governo e a oposição, empresas e organizações civis, baixa credibilidade do discurso, falta de representatividade).

Evitar as dificuldades mencionadas acima requer abertura do governo. Ou seja, os dados, a gestão e a respectiva conta pública devem ser acessíveis e claros, sem jargões que impeçam a verificação de que o governo é exercido dentro dos cânones da legalidade e da regulamentação administrativa. Isso inclui dados que possam ser reutilizados pelos cidadãos para apresentar propostas para a solução de dificuldades sociais. Assim, a ideia de Governo Aberto proporciona legitimidade, a possibilidade de elaborar políticas públicas consensuais e aproveitar os dados, a experiência e a vontade política para corrigir desvios ou erros de governança. Seriam três seus pilares: prestação de contas, transparência e incorporação efetiva da participação cidadã.

Como o Governo Aberto é desejável, a ONU propôs aos chefes de estado uma Aliança para o Governo Aberto (Open Government Partnership, OGP) na Assembleia Geral em julho de 2011. A ideia tomou forma a partir dos ecos de iniciativas anteriores de Obama e Dilma Rouseff do Brasil. Assim, a partir de 20 de setembro de 2011, a Assembleia Geral das Nações concordou em formular a Aliança para o Governo Aberto [OGP]. As nações fundadoras da Parceria foram o Brasil, a Indonésia, o México, a Noruega, as Filipinas, a África do Sul, o Reino Unido e os Estados Unidos. 

O México, desde a fundação da Parceria, se envolveu no desenvolvimento de quatro Planos de Ação de Governo Aberto (de 2011 a 2013, de 2013 a 2015, de 2016 a 2018 e de 2019 a 2021/22). Além disso, participou da Aliança durante o período de 2014 a 2015, ocupando a presidência dessa organização internacional na posse do Presidente Enrique Peña Nieto.

Mas a Aliança nasceu míope e os políticos tropeçaram ao caminharem às cegas diante dos cidadãos e caíram em suas próprias armadilhas. A Aliança para o Governo Aberto é uma parceria entre governos, não entre governantes e cidadãos. A abertura da Aliança não transformou a casa do governo em uma casa transparente, mas em um bastião de espelhos onde as informações são refletidas de forma tendenciosa e fragmentada dentro dos muros oblíquos de uma burocracia endógena que se afunda na opacidade. E isso sem contar a arbitrariedade de classificar informações como “reservadas” sob pretextos que se prestam à interpretação astuta da lei ou, para não mencionar a máxima cínica de “eu tenho outros dados”.

Apesar das boas intenções e das credenciais positivas associadas a tais iniciativas, a representação dos cidadãos mexicanos foi distorcida na Aliança para o Governo Aberto. Isso se deve ao fato de que, nos Planos de Ação do Governo Aberto, a voz dos cidadãos foi reduzida e domesticada a algumas organizações da sociedade civil aninhadas na Secretaria Técnica Tripartite da Aliança institucionalizada. Muitas organizações da sociedade civil foram excluídas, e os cidadãos que não pertencem a organizações da sociedade civil foram e ainda são totalmente ignorados. Os cidadãos não podem propor seus problemas, pois são consultados apenas com base na seleção de determinados temas em uma janela de tempo estabelecida antecipadamente pela visão do Estado. Em outras palavras, não é possível que os problemas dos cidadãos surjam, nem há priorização de “baixo para cima”.

Mais recentemente, outras dificuldades foram acrescentadas à qualidade e à genuinidade da iniciativa: as poucas organizações da sociedade civil se excluíram porque alguns de seus membros foram espionados e vigiados digitalmente pelo governo federal mexicano durante o período de 2016 a 2018. Por fim, para agravar o fraco desempenho oficial em uma ideia que poderia melhorar a qualidade democrática, o governo desistiu em 2022 de desenvolver um Plano de Ação de Governo Aberto. E essa situação se estende até o presente. O Instituto Nacional de Acesso à Informação (INAI) está impossibilitado de elaborar o Plano de Ação devido a um grave conflito governamental: os comissários que deveriam integrar o INAI não foram designados em tempo hábil. Embora o Senado da República tenha nomeado dois comissários em 1º de março de 2023 para substituir aqueles cujos mandatos deveriam expirar, o veto presidencial a essa ação levou a consequentes amparos, suspensões, recursos e uma longa série de alegações que não terminarão até que a maioria necessária para tais nomeações no Senado da República seja atendida. Durante 2023, não se chegou a um consenso sobre nenhuma das propostas para designar quem seriam os comissários.

A luta pelo poder dos dados de um Governo Aberto mostra a importância dos dados abertos e de sua reutilização nos Planos de Ação. No entanto, apesar de ter nascido com uma Aliança míope, o Governo Aberto no México pode se tornar uma opção contra os retrocessos democráticos, desde que incorpore a participação efetiva dos cidadãos para diagnosticar os problemas prioritários e adotar soluções reais.

Texto apresentado no âmbito do convênio entre a WAPOR América Latina e a Revista Mexicana de Opinión Pública.

Autor

Doctor en filosofía por la Universidad Iberoamericana (México) y profesor en la Universidad Autónoma de Nuevo León (México)

 

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