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O impulso verde da EU e a inserção global da América Latina

A crise climática está agora na agenda dos líderes mundiais e, como argumenta António Guterres, “não há tempo a perder”. A União Europeia avança introduzindo medidas e uma das mais recentes é proibir toda a importação de alimentos que provenham de áreas consideradas em risco de desmatamento, independentemente de serem legais ou ilegais. E a próxima normativa a ser aprovada, como aponta o Comissário Europeu para o Meio Ambiente e Oceanos, Virginijus Sinkevicius, será ainda mais exigente já que as empresas deverão certificar que seus produtos não provêm de áreas sensíveis.

Embora as emissões de gases de efeito estufa (GEE) sejam comumente associadas às emissões de dióxido de carbono e à produção de combustíveis fósseis, na região também são de grande importância as geradas pelo setor agropecuário, da silvicultura e de mudança do uso da terra (AGSOUT). A ascensão da China e o consequente aumento exponencial das exportações do complexo agropecuário agravou ainda mais o problema. O aumento implicou o avanço da fronteira produtiva, com o consequente desmatamento e degradação da floresta nativa.

O desmatamento está levando a Amazônia a um ponto crítico, que poderia transformar sua vasta superfície em uma savana com graves consequências sobre o regime de chuvas em toda a América do Sul. A queima dos pântanos ou a desobstrução no norte argentino produzem efeitos idênticos.

Atores e políticas

Independentemente da orientação política, neoliberais ou neodesenvolvimentistas, todos encaram as medidas europeias recentes com receio. A primeira reação passa por ignorar a problemática ambiental e minimizar os custos sociais do extrativismo. Esta é postura do governo Bolsonaro, que está esvaziando a agência ambiental (IBAMA), enquanto incentiva garimpeiros, fazendeiros e outros grupos de aventureiros a avançar em áreas protegidas.

No último ano, a Amazônia brasileira perdeu 13.235 quilômetros quadrados de árvores. O alinhamento do governo argentino com as entidades tradicionais do campo se qualifica na mesma direção. O setor agropecuário continua negando qualquer efeito nocivo de suas práticas, desprezando toda a legislação ambiental por afetar sua taxa de lucro, incluindo o bloqueio da lei de zonas úmidas. Mas o cenário global está mudando, e não é mais possível ignorar o fenômeno pelos efeitos sobre o mercado, a política internacional e os marcos normativos. 

Seguir pensando o problema com a mesma ótica é, em nossa opinião, inadequado. Isto é verdade em pelo menos duas frentes. No aspecto político, isto implica ignorar a crescente demanda da sociedade global pela proteção ambiental e a exigência por avançar na luta contra o risco climático, refletida pelo avanço dos partidos verdes no velho continente. No momento de elevar a proposta de proibição, a Comissão decidiu iniciar uma consulta pública. A reação foi maciça e os cidadãos deram um apoio tácito à proposta.

Um resultado idêntico foi observado na pesquisa lançada pelo Eurobarômetro na primavera de 2021, onde se destaca o alto grau de interesse público na temática da mudança climática, bem como na perda da biosfera. O extrativismo gera a mesma rejeição em nossos países, embora, infelizmente, sua voz seja silenciada: os ativistas ambientais são expostos à repressão e até mesmo arriscam suas vidas.

No aspecto econômico, posicionar-se como vítima implica continuar ignorando o processo de transformação que nossos principais compradores evidenciam. Se a demanda está mudando para produtos “amigáveis ao meio ambiente”, é inútil continuar argumentando que o problema reflete apenas uma “guerra comercial”. Os consumidores estão dispostos a pagar mais (produtos orgânicos), mudar seus padrões de consumo (reduzir o consumo de carne) e introduzir nova legislação para proibir os produtos contaminados com glifosato.

Podemos protestar, sim. Mas se nosso objetivo é continuar exportando, devemos nos adaptar à nova realidade. Felizmente, muitos produtores reconhecem estas restrições e trabalham de acordo com protocolos e normativas ambientais. Devemos aproveitar a conjuntura para projetar uma mudança na visão comercial daqueles que não o fazem, obrigar todos os produtores a internalizar todos os custos gerados por sua atividade, incluindo a proibição de todo desmatamento.

Ao pensar a interação entre o modelo agroexportador e o desenho da política climática local, as políticas comerciais adotadas pelos países importadores tendem a ocupar um lugar predominante. Como aponta a especialista Ana Paula Tostes, a praxis comercial verde na Europa é um caminho sem retorno.

Pode haver uma pitada de protecionismo, mesmo assim a América Latina não pode confrontar as medidas do ponto de vista do discurso, mas sim entendê-las como uma oportunidade. Uma vez que os países europeus cumpram seus compromissos, independentemente de nossos países cumprirem os deles, o impacto da transição verde da Europa atingirá os setores locais de exportação.

A frente externa está se transformando de maneira acelerada. Se a inação não é uma opção diante da crise climática, então enfrentar as novas medidas que nossos parceiros comerciais promovem também não deve ser uma estratégia válida.

*Tradução do espanhol por Maria Isabel Santos Lima

Autor

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Investigador Asociado del Centro de Estudios de Estado y Sociedad - CEDES (Buenos Aires). Autor de “Latin America Global Insertion, Energy Transition, and Sustainable Development", Cambridge University Press, 2020.

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