Uma região, todas as vozes

L21

|

|

Leer en

O papel vital da diversidade do solo para uma agricultura sustentável

Os solos são a base silenciosa de nossas sociedades e definem nossas culturas. Mais do que um recurso, os solos são um reflexo de nosso relacionamento com a natureza.

O odor da terra molhada é inconfundível e desperta algo em todos os seres humanos. Mas por que gostamos tanto desse cheiro? Provavelmente porque ele é mais do que um perfume: é o cheiro do solo “ativo”, com matéria orgânica, fértil e cheio de vida. Esse cheiro, o de um solo biologicamente saudável, é o resultado da geosmina, um composto produzido por certas bactérias. Mesmo com nossa sensibilidade olfativa limitada, poderíamos sentir esse cheiro se uma única colher de geosmina fosse dissolvida em 200 piscinas olímpicas.  

Embora muitas vezes os imaginemos como meros punhados de terra inerte, os solos saudáveis são o lar de milhões de organismos. Apenas alguns gramas de solo podem conter uma riqueza de biodiversidade, incluindo fungos, bactérias, animais, plantas e muito mais. De fato, os solos abrigam mais da metade de todas as espécies do planeta. A interação entre esses organismos, seus resíduos e os minerais do solo resulta em matéria orgânica, o material que sustenta os muitos benefícios do solo para as pessoas.

A matéria orgânica permite que as plantas cresçam e nos forneçam alimentos, além de fornecer estrutura ao solo e regular os fluxos de água, facilitando a infiltração da chuva e evitando que os rios sequem durante o período de seca. Além disso, a matéria orgânica contém mais carbono do que a atmosfera e toda a vegetação do mundo combinadas. A formação de nova matéria orgânica é, portanto, uma estratégia fundamental para o combate às mudanças climáticas. O carbono da atmosfera que a matéria orgânica incorpora ao solo pode ficar preso nele por centenas ou milhares de anos e atenuar a mudança climática. Entretanto, se essa matéria orgânica for perdida, seu carbono será liberado no ar e contribuirá para a mudança climática.

Desde a origem da agricultura, há cerca de 12.000 anos, a atividade humana tem afetado os solos e sua matéria orgânica, geralmente de forma negativa. Atualmente, a matéria orgânica do solo em quase todos os cantos do globo diminuiu como resultado do desmatamento, da expansão das terras cultivadas, das práticas agrícolas e do desenvolvimento urbano. Essas transformações resultaram na perda de aproximadamente 116 bilhões de toneladas de carbono do solo em escala global, uma quantidade equivalente às emissões de dióxido de carbono produzidas pelo mundo inteiro em 10 anos.

A América Latina não é exceção a esse padrão. As perdas de matéria orgânica na região foram registradas entre 5 e 15%, em média. Entretanto, as áreas naturais que foram transformadas para a produção agrícola ou pecuária intensiva apresentam perdas mais drásticas, entre 40 e 75%. Esse é o caso, por exemplo, da Mata Atlântica e de certas áreas do Cerrado e da Amazônia no Brasil, do Chaco e dos Pampas na Argentina (e Paraguai e Uruguai, respectivamente), ou das áreas dos Andes e do Orinoco na Colômbia.

Mas como podemos recuperar a matéria orgânica perdida? Para responder a essa pergunta, precisamos primeiro entender como ela é formada. Até alguns anos atrás, pensávamos que a matéria orgânica consistia principalmente de substâncias muito complexas. Hoje sabemos que ela é composta tanto por substâncias simples e de rápida decomposição (como folhas macias e raízes finas) quanto por substâncias complexas e de lenta decomposição (como folhas duras, madeira e raízes grossas). As substâncias simples podem se decompor e liberar seus nutrientes em questão de meses, mas partes delas também podem se ligar a pequenos minerais no solo, permanecendo presas por milênios. Assim, as substâncias simples fornecem nutrientes e estabilidade a curto e longo prazo. As substâncias complexas, por outro lado, por não estarem presas aos minerais do solo, se decompõem em questão de anos ou décadas, fornecendo nutrientes e estrutura ao solo em médio prazo.

Para recuperar a matéria orgânica perdida e ter solos saudáveis e férteis, precisamos incorporar diversos materiais, tanto de decomposição lenta quanto rápida, ao solo. Isso implica uma mudança em alguns paradigmas de gerenciamento agrícola e, em particular, uma reformulação da agricultura dominada por uma ou poucas culturas. Até apenas alguns séculos atrás, os agricultores cultivavam várias espécies em seus lotes. Desde meados do século XX, a maior parte da produção se especializou em monoculturas (culturas de uma única espécie, como soja, trigo ou milho). Esse modelo de agricultura busca maior eficiência e lucratividade, mas consome muito mais matéria orgânica (e seus nutrientes) do solo do que incorpora. Como resultado, muitos solos não conseguem produzir alimentos ou só conseguem fazê-lo com o uso de fertilizantes, herbicidas e outros insumos, porque perderam a matéria orgânica que os tornava férteis e estáveis. 

Em resposta a esse problema, nas últimas décadas, as práticas tradicionais foram recuperadas e revalorizadas, integrando-as à ciência moderna. É o caso da agroecologia, da agrofloresta e do uso de culturas de cobertura. Essas práticas permitem que os solos recebam folhas e raízes de diferentes espécies, que alimentam comunidades mais abundantes e diversificadas de organismos do solo, formando matéria orgânica diversificada. Essas práticas também protegem os solos contra a erosão e a insolação, mantendo-os cobertos por vegetação e, assim, também os protegem contra os desafios da mudança climática, especialmente temperaturas extremas, chuvas e secas.

Por exemplo, na Amazônia colombiana, o cultivo de cacau integrado ao cultivo de árvores frutíferas e espécies florestais nativas não só mantém os solos mais férteis, mas também pode ser usado como estratégia para melhorar em até 40% as múltiplas funções dos solos de pastagens degradadas. Nos sistemas montanhosos da América Latina em geral, a agrossilvicultura não apenas conserva a matéria orgânica do solo, mas também contribui para a conservação da biodiversidade vegetal e animal da região e, ao mesmo tempo, sustenta os meios de subsistência dos produtores locais. Mesmo na região dos campos dos Pampas, no sul da América Latina, onde predominam monoculturas como a soja, a incorporação de culturas de cobertura, como a aveia, poderia começar a recuperar a perda de matéria orgânica causada pelas monoculturas. 

Os solos são a base silenciosa de nossas sociedades e definem nossas culturas. Sua fertilidade nos nutre e sua estabilidade nos protege. Mais do que um recurso, os solos são um reflexo de nosso relacionamento com a natureza. Entender como eles funcionam, especialmente o papel essencial da matéria orgânica e dos organismos que os compõem, é fundamental para repensar a forma como gerenciamos os ecossistemas. Essa é a única maneira de garantir que os solos continuem sendo uma fonte de vida e bem-estar para as gerações futuras.

Tradução automática revisada por Giulia Gaspar. 

Autor

Bióloga e Doutora em Ciências Biológicas pela Universidade Nacional de Córdoba. Professora de Biogeografia na FCEFyN da UNC e pesquisadora do CONICET no IMBIV.

Biólogo pela Universidade Nacional de Córdoba. Doutorando em Ciências Biológicas no Instituto Multidisciplinar de Biologia Vegetal (UNC-CONICET), onde é membro do grupo Ecossistemas, Diversidade e Sustentabilidade.

spot_img

Postagens relacionadas

Você quer colaborar com L21?

Acreditamos no livre fluxo de informações

Republicar nossos artigos gratuitamente, impressos ou digitalmente, sob a licença Creative Commons.

Marcado em:

COMPARTILHE
ESTE ARTIGO

Mais artigos relacionados