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O que o governo de Milei entende por desigualdade e setor privado

Enviesar e desfocar a contribuição do ajuste do governo para o setor privado concentrado e omitir a crise socioeconômica que o país vive é um ato político e uma política hipócrita.

Em declarações recentes, o governo de Milei se manifestou sobre dois temas centrais nas políticas públicas que, em sua definição, demonstram claramente seu posicionamento ideológico e deixam claro quais serão os resultados socioeconômicos da política oficial.

Em seu discurso oficial no Fórum Econômico Mundial que ocorreu na Argentina, em outubro, o presidente se vangloriou de que seu governo realizou o maior ajuste econômico da história da humanidade, o que permitiu “devolver 15 pontos do PIB ao setor privado para financiar o investimento e alcançar um crescimento genuíno”. Acrescentou que esse ajuste foi realizado sem tocar no gasto social. Omitiu, é claro, que o custo do ajuste, dada a recessão produzida e o desemprego criado, sobretudo no setor público, levou quase 60% da população à pobreza.

Quase ao mesmo tempo, o porta-voz presidencial, que neste governo não é o porta-voz presidencial, mas exclusivamente do presidente, declarou em uma coletiva de imprensa que “a desigualdade não é um tema que preocupa”. Quis dizer que não é uma preocupação para o governo. Fala de uma desigualdade de renda que, em termos do coeficiente de Gini, aumentou exponencialmente dada a queda na renda social e a concentração de riqueza que está ocorrendo no país.

A questão é como essas duas declarações devem ser interpretadas. Ou seja, não o que significam como declarações políticas, mas que ideia de economia e sociedade elas contêm.

Quanto à primeira declaração, é um princípio central da economia neoclássica e, portanto, do pensamento econômico liberal, que quanto menor a intervenção estatal na economia – impostos, regulações, produção de bens, incentivos setoriais – mais recursos e mercados são liberados para a iniciativa privada. A ideia é que, em termos teóricos, todas as liberdades que se expandem no mercado serão usadas por agentes produtivos racionais e competitivos que, em sua ação constante, gerarão empregos e renda que beneficiarão o conjunto. A “mão invisível” de Smith: a partir da busca do lucro individual, o progresso do coletivo social.

O detalhe é que, no atual modelo econômico que impera globalmente, nesta fase do ciclo histórico do capitalismo, já foi amplamente demonstrado (Stiglitz, Piketty) que a liberdade de mercado e os incentivos que essa liberdade gera à iniciativa privada só favorecem a concentração exponencial de riqueza. Uma equação em que quanto maior o crescimento econômico, maior a concentração de lucros.

Os 15 pontos do PIB que Milei anunciou que devolveu ao setor privado não foram captados pelas pequenas e médias empresas, atividades reprodutivas como construção, comércio, microempresas, etc. As mesmas estatísticas oficiais mostram que todas essas atividades e setores estão em recessão, se não em risco de colapso.

Esses 15 pontos do PIB, produto do ajuste, foram para engrossar as contas das grandes empresas, dos unicórnios tecnológicos e, sobretudo, do setor financeiro, claramente improdutivo e nulo na criação de empregos. O setor privado, beneficiado pela política do governo, é o mesmo setor que se beneficiou da política econômica das últimas décadas, inclusive dos ciclos recessivos.

Vamos à frase de Manuel Adorni, porta-voz do presidente, sobretudo para algumas declarações que, devido ao seu grau de rispidez, o presidente não pode dizer.

Em um país onde, desde a ascensão desse governo há 10 meses, a pobreza cresceu quase 10 pontos (59% da população) e a indigência 8 pontos (20% da população), e onde a chamada pobreza multidimensional (pobreza que, pela perda de renda e sua sustentabilidade ao longo do tempo, leva a deficiências educacionais, de saúde, territoriais e de acesso à justiça…) se expande em amplas faixas da população, declarar que “a desigualdade não é um tema preocupante” é, parafraseando Lênin, um cretinismo político flagrante.

É quase senso comum que, se a política econômica se concentra e a pobreza se expande, o resultado é uma desigualdade que não é apenas, e deveria ser, preocupante. É imoral.

Enviesar e desfocar a contribuição do ajuste do governo para o setor privado concentrado e omitir a crise socioeconômica que o país vive é um ato político e uma política hipócrita e, pode-se dizer, imoral, desde que se esteja falando de um governo com certa dose de moralidade social e política. Esse não parece ser o caso.

Tradução automática revisada por Isabel Lima

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Diretor da Licenciatura em Ciência Política e Governo da Universidade Nacional de Lanús. Professor da Faculdade de Ciências Sociais da Univ. de Buenos Aires (UBA). Formado em Sociologia pela UBA e em Ciência Política pela Flacso-Argentina.

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