Uma lição deste primeiro turno é que a maioria dos colombianos preferem qualquer coisa – literalmente qualquer coisa – ao continuísmo. Federico Gutiérrez, o candidato do governo, os clãs e a ” maquinaria” mais pesada, foi, portanto, castigado sem piedade. Como Sergio Fajardo nunca soube encarnar o espírito de mudança, seu fracasso foi estrondoso e, claro, merecido. Ficaram então Gustavo Petro e Rodolfo Hernández. Ambos, à sua própria maneira, são a mudança. Após as eleições, e em vista do difícil cenário para o segundo turno do Petrismo, agora muitos querem ver no “Rodolfo” o plano C do Uribismo e um cenário simples, mais uma vez, da esquerda contra a direita. Creio que estão errados. Deixe-me explicar.
Hernández pode agora receber o apoio do uribismo. De fato, já recebeu a bênção de Paloma Valencia e María Fernanda Cabal. Sem dúvida, o uribismo jogará pelo “Rodolfo”. Isto não significa, entretanto, que Hernández seja, desde o início, uma soterrada ficha uribista. Lhe faltam vínculos muito mais orgânicos com essas redes e seus recursos.
O governo uribista se mobilizou, com total descaramento, a favor de Fico e nunca de Hernández. Na sua linguagem de grande estadista, este último se referiu a Iván Duque, entre outros pesados pronunciamentos, como “esse filho da… que nos arruinou”. Seus votos são, em grande parte, contra a corrupção de um governo uribista. A ficha da continuidade era o medíocre Fico e já saiu do tabuleiro. A mensagem de “Rodolfo”, sincera ou não, tem muito de “anti-estabelecimento” e, devido a sua origem regional, “anti-centralismo” e “anti-elitismo”. Por tudo isso chegou onde chegou.
O fato de que agora, no cenário do segundo turno, Hernández deva voltar-se como amigo dos inimigos de seu adversário não basta para rotulá-lo de ter sido já o que provavelmente chegará a ser em um futuro imediato. A boa notícia deste 29 de maio, abstraindo os novos capítulos desta história, é que o uribismo, e todo o estabelecimento, sofreu uma fulminante derrota eleitoral.
Os 14 milhões e meio de votos para Petro e Rodolfo são votos contra um projeto hegemônico e uma forma de fazer política que estão extremamente desgastados. As maiorias estão fartas da direita uribista e das “maquinarias”. Dito em poucas palavras: uma coisa é como “Rodolfo” terá que se alinhar tacitamente com o que dizia odiar para poder ganhar, e outra coisa é porque é ele, e não Fico, que se tornou o concorrente de Petro. Hernández, para os eleitores, representa uma mudança em relação ao projeto da direita uribista.
Agora, dado que “mudança” é um termo neutro com múltiplas direções possíveis, a questão é o que poderia significar para os apoiadores de Hernández e como descrever este personagem pitoresco no espectro ideológico. Algumas distinções conceituais são relevantes aqui.
Em seu batido livro à direita e à esquerda, Norberto Bobbio introduz uma distinção útil entre dois tipos de centro: o centro como “terceiro incluído” e como “terceiro inclusivo”. O primeiro representa o fajardismo com seu “nem um nem o outro”. Aqui o centro é definido como “terceiro” devido à sua equidistância dos extremos ou à sua “tibieza”. O segundo é o centro como uma “síntese” dos dois com seus “tanto um como o outro”.
Hernández, do meu ponto de vista, encarna este último tipo. “Rodolfo” representa, por um lado, o país patriarcal e autoritário e, por outro, o país anti-corrupção, pró-paz e anti-desigualdade que, de mãos dadas, agora, com um empresário astuto, pretende colocar-se em dia com sua dívida social. Não se trata aqui de explorar a neutralidade, mas de integrar os extremos. A tarefa fica a cargo de uma velha “raposa”, cantoneira, vulgar, populista e – pelos padrões colombianos – “bonachón”.
Se olharmos, por exemplo, para a história e os ideólogos da revolução conservadora na Alemanha pré-Hitler, descobrimos que não se tratava, simplesmente, de movimentos de direita. As posturas “red-baiting” e a ideia do “nacional-Bolshevismo”, representadas por autores como Moeller van den Bruck, Ernst Niekisch ou Karl Otto Paetel, visavam sem dúvida esmagar o comunismo de uma perspectiva autoritária e nacionalista, mas ao mesmo tempo saudavam a mobilização popular e, acima de tudo, suas demandas por justiça social
A denominação oficial do nazismo, a saber “Nacional Socialismo”, revela esta hibridização da direita e da esquerda dentro do culto anti-elitista do “povo”. “Das deutsche Volk…”, Hitler gritou repetidamente. Tratava-se novamente do centro como o “terceiro superior” ou “inclusivo”. Não estou argumentando aqui algo tão insesntato como que Rodolfo Hernández é um nazista, mas sim que sua postura, a diferença do mundo dicotômico de certo petrismo, não é simplesmente de direita.
Talvez quando Hernández alegou ser um “seguidor” do “grande pensador alemão Adolf Hitler” (logo pediu desculpas com a estranha desculpa de que estava pensando em Einstein), estava inconscientemente revelando sua vaga intenção de amalgamar, em chave colombiana, as virtudes da esquerda e da direita.
Voltando ao ponto: a mudança, em termos de “Rodolfo”, é a integração da mentalidade autoritária-patriarcal com elementos de uma agenda progressiva e (discursivamente) anti-elitista através da “habilidade gerencial”. Soa estranho, mas não é inverossímil. Parece improvável, mas o improvável também é real. A coerência ideológica não é um critério importante para desejos coletivos efetivos. O que é importante, neste contexto, é condensar desejos.
Petro, entretanto, representa para o eleitorado apenas a agenda progressista: direitos das minorias étnicas e sexuais, ouvir as lutas camponesas, combater o modelo econômico extrativista, simpatia com o movimento estudantil e os jovens das comunidades assassinados no primeiro semestre de 2021, etc.
Muitos colombianos, entretanto, querem uma nova paterfamília, igualmente raivosa, mas refinada, sem culpas graves e, ao mesmo tempo, um líder com sensibilidade social e capaz de atingir, também com raiva, o “estabelecimento”. Esse é “Rodolfo”. Aqui a mudança tem uma parte de novidade e uma parte de “restauração”, com sua repetição atualizada do original.
Derrotar Hernández significa, para Petro, minar a credibilidade do lado esquerdo de seu centrismo integrador e explorar ao máximo a incoerência entre um discurso anticorrupção e o apoio de fato de blocos de políticos corruptos, mas Petro perde, em todo caso, em um terreno cultural difícil de modificar e difundido: o de nossas representações ainda predominantes de “autoridade”.
A política, entretanto, é uma questão de tática e estratégia. Nada está pré-definido. Petro ainda tem três semanas para melhor comercializar sua opção de mudança e fazer alianças oportunas. O tempo se aproxima.
*Tradução do espanhol por Giulia Gaspar.
Autor
Filósofo y cientista político. Profesor del Departamento de Ciencia Política de la Universidad de los Andes (Bogotá). Doctor en filosofía por la Ruprecht-Karls Heidelberg Universität (Alemania). Especializado en teoría política y teoría social.