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Os desafios do novo ciclo progressista

A vitória de Gustavo Petro e Francia Márquez na Colômbia e a constante liderança de Luiz Inácio Lula da Silva nas intenções de voto para presidente do Brasil indicam que os ventos progressistas voltam a soprar na América do Sul. Contudo, diferente do ciclo anterior, iniciado com Hugo Chávez na Venezuela, em 1998, e consolidado com Lula no Brasil, em 2002, e Nestor Kirchner na Argentina, em 2003, o atual ciclo terá um novo eixo estratégico: Santiago – Brasília – Bogotá em substituição ao eixo Caracas – Brasília – Buenos Aires.

O futuro ciclo progressista com seu novo eixo já se depara com três desafios políticos estruturais: renovação das esquerdas; economia e desenvolvimento, com ênfase na emergência climática; e a crescente polarização política.

 Esquerdas e renovação política

Segundo levantamento do Latinobarómetro de outubro de 2021, 70% dos entrevistados declararam estar insatisfeitos com o governo de seu país. Este dado é apenas mais uma evidência de que a agenda da renovação política vem se impondo nas democracias da América do Sul na segunda década do século XX e que as instituições e elites políticas que lideraram a redemocratização na região estão esgotadas.

O futuro ciclo progressista lida com essa problemática de modo diferenciado, sendo o Chile sua expressão mais radical. A dimensão renovadora na Constituinte salta aos olhos, com sua composição paritária de gênero e representação dos povos originários, algo impensável antes do “estallido”.

Na Colômbia, a renovação aparece na forma de uma composição com as tradições do progressismo daquele país, na união entre Gustavo Petro, um ex-guerrilheiro e político que fez sua trajetória nas instituições como deputado e prefeito, e Francia Márquez, uma ativista negra, de 41 anos, liderança ambiental e antirracista.

Por fim, o Brasil parece ter o processo político menos aberto à renovação, com a chapa Lula e Geraldo Alckmin, dois políticos experientes e que ocuparam cargos importantes. Contudo, é possível ver a renovação pautando as demais disputas eleitorais que ocorrem em paralelo ao pleito presidencial, como um Congresso e na disputa de alguns dos mais importantes governos estaduais. Haverá enorme pressão e expectativa por uma composição mais representativa em gênero e raça do ministério de Lula.

Dificuldades econômicas

Em comum entre eles há o desafio de como consolidar esse anseio por renovação em uma agenda política e econômica de governo.  Boric, Petro e Lula afirmam uma prioridade de combate à pobreza e de consolidação de direitos sociais que dialoga com a crise social que atravessa a região e que explica a sucessão de revoltas populares ocorridas na Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Equador, Paraguai e Peru desde 2019.

Entretanto, os três buscam impulsionar uma aliança com certa agenda pró-mercado: Boric escolheu como Ministro da Economia o ex-presidente do Banco Central Mário Marcel, defensor da autonomia do órgão; Petro anunciou como seu ministro o economista Antonio Ocampo, que fez parte de governos liberais e apoiou a direita nas eleições; e Lula, que evita falar em nomes, tem em Alckmin um “fiador” de que não fará uma gestão radical.

Entre a prioridade para o social e pactuação com o mercado há a questão ambiental, apresentada pelos três líderes progressistas como a dimensão que vai impulsionar as economias de Chile, Colômbia e Brasil em seus governos. Boric anunciou, em discurso para empresários antes da posse, que fará um governo “ambientalista” e de “enfrentamento à crise climática”. Petro, em seu primeiro pronunciamento como presidente eleito, afirmou que “a justiça ambiental” será um tripé de seu governo. E Lula vem articulando em seu programa uma proposta de Green New Deal brasileiro.

Trata-se de um desafio para os progressistas dos três países, cujas economias têm na mineração, agronegócio e uso dos combustíveis fósseis um dos principais pilares. O fato é que viabilizar a agenda ambiental é fundamental para se conectar com a demanda de renovação da política e da democracia e pode, ainda, ajudar na resolução da terceira dimensão, que é a polarização.

Polarização política

A partir de 2015 a região assistiu a uma hegemonia política da direita: naquele ano Maurício Macri venceu as eleições presidenciais na Argentina e a oposição ao chavismo conquistou maioria no parlamento venezuelano. Em 2016, o golpe parlamentar contra Dilma consolidou a onda direitista sul-americana. Em 2017, o Equador elege Lenin Moreno, sucessor do esquerdista Rafael Correa, com quem rompe imediatamente; em 2018, Sebastián Piñera retorna à presidência do Chile; em 2019, o Uruguai elege Lacalle Pou, do Partido Nacional; no mesmo ano, um golpe na Bolívia leva à renúncia de Evo Morales.

Os sinais de retomada progressista começaram em 2019, com o triunfo de Alberto Fernández e Cristina Kirchner na Argentina. No mesmo ano, o Chile foi sacudido pelo “estallido social”, um levante popular que levou à convocação da Constituinte e impulsionou uma renovação política radical que culminou, em 2021, com a eleição de Gabriel Boric para presidente, com apenas 35 anos de idade. Também em 2021, Pedro Castillo venceu as eleições no Peru. E um ano antes, em 2020, Luis Arce venceu as eleições presidenciais na Bolívia.

No entanto, a extrema-direita autoritária segue extremamente forte no Chile e na Colômbia, e assim será no Brasil mesmo que Bolsonaro perca as eleições. Isso implica em um cenário não só de polarização, mas de manutenção da violência política como método de ação e mobilização. As pautas da defesa da família e dos valores cristãos, “tolerância zero” contra movimentos sociais e a diversidade em defesa da ordem seguirão pautando a sociedade e as instituições nos três países.

O tipo de polarização política e social provocada por essa extrema-direita não desaparece no dia seguinte à eleição. Pelo contrário, pode até se agravar com esses setores na oposição. O quadro político nos EUA confirma isso, com radicalização dos Republicanos, ataque aos direitos por parte da Suprema Corte e violência social crescente.

Apenas um retorno ao desenvolvimentismo progressista do século XXI não será suficiente. É preciso uma estratégia concreta de reconstrução do tecido social e institucional que passa sim pelo combate à pobreza, mas também pela adesão efetiva e concreta das esquerdas tanto à agenda socioambiental quanto à demanda por renovação da política e democrática.

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Professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Doutor em Ciência Política pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP/UERJ).

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