A gestão das comunicações policiais, mais do que um protocolo de relacionamento, precisa ser assumida como um compromisso estratégico de alta importância e uma ação de responsabilidade social. Isso implica desenvolver um tratamento integral e profissional que contribua para a legitimidade social das instituições.
Embora a gestão da informação não seja o único fator que influencia na percepção positiva ou negativa dos cidadãos sobre as forças policiais, ela contribui significativamente para a resolução de casos criminais, a prevenção de crimes, a confiança e as relações com os cidadãos. Na América Latina, a comunicação policial não é a mais assertiva, o que impacta na percepção das pessoas sobre a segurança e as instituições.
A falta de clareza, precisão e objetividade, bem como o sigilo de alguns porta-vozes ou oficiais de relações públicas diante de determinados eventos midiáticos, muitas vezes geram rupturas comunicacionais com sérias consequências para a reputação das instituições. Um estudo da empresa de consultoria Gallup revela que a América Latina é a região do mundo com o maior nível de desconfiança em sua polícia local: apenas 49% dos cidadãos confiam na força policial, em comparação com a média global de 71%.
Como a confiança e a credibilidade são elementos-chave para a atividade policial, é prioritário fortalecer a proximidade da força pública com os cidadãos e assumir um forte compromisso com o prestígio e a reputação dos órgãos policiais, usando a comunicação como pedra angular. Essa não é uma tarefa simples: requer uma administração muito mais transparente, oportuna, integral e organizada dos fluxos de comunicação.
O Instituto de Informação Estatística e Geográfica de Jalisco (IIEG) define a percepção de segurança como a “sensação que a população tem de ser vítima de um ato criminoso ou evento que possa atentar contra sua segurança, integridade física ou moral, violar seus direitos e levar a perigo, dano ou risco”; no entanto, como adverte o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), essa percepção nem sempre corresponde aos números reais de segurança. Por exemplo, os resultados da Pesquisa Nacional Urbana sobre Segurança Cidadã realizada pelo governo chileno constataram que, em 2016, 85% dos cidadãos perceberam um aumento da criminalidade no país, enquanto a vitimização por crimes de conotação social ficou em 27,3%.
Por que a comunicação policial deveria se preocupar com lacunas como essa, que não são diferem muito das outras latitudes latino-americanas? Porque, na medida em que as pessoas melhoram sua percepção do entorno, podem melhorar a convivência social, além de aumentar o grau de satisfação dos cidadãos com suas forças policiais.
Embora existam muitos fatores que podem incidir na percepção de insegurança e que devem ser objeto de estudo no interior de cada instituição, pode-se dizer que a informação que os cidadãos recebem através de meios de comunicação é um dos fatores críticos.
Em 2019, a Human Right Watch havia denunciado múltiplos casos de repressão e abuso policial e militar durante as diversas manifestações sociais em Chile, Equador, Colômbia, Bolívia e Haiti, observando que as forças de segurança usaram a força de maneira negligente e excessiva, mesmo contra transeuntes ou manifestantes pacíficos.
Por sua vez, esses casos de violência policial foram amplamente divulgados na mídia gráfica, audiovisual e digital, às vezes com um tom sensacionalista que incitou o mal-estar social e incidiu no agravamento da desordem.
Essa alta exposição midiática pôs em evidência a necessidade de promover reformas orientadas à proteção dos direitos humanos no interior das organizações policiais e militares, bem como atender à capacidade limitada de resposta para lidar com esse tipo de crise aos olhos do público.
Durante esse período, a representação do crime na mídia aumentou. De acordo com Kessler e Focass (2014), as notícias policiais começaram a ser cobertas como notícias de insegurança, com generalizações dos eventos, fragmentação dos fatos, centralidade nas vítimas, apelo à emocionalidade e distinção entre as chamadas ondas de crime. Em suma, aumentando a distância entre a percepção e a realidade.
É necessário uma comunicação que, mais do que seguir a dinâmica informativa estabelecida pela mídia, busque espaços de aproximação dos cidadãos, através da recuperação do discurso preventivo em torno da segurança e do fornecimento oportuno de informações à imprensa, com antecipação, monitoramento e equilíbrio.
É imperativo profissionalizar as comunicações policiais para responder de forma assertiva e empática ao conteúdo das notícias, por mais sensacionalista que seja. Ainda mais crucial é a preparação de informação relevante, argumentativa, que dê maior precisão, rigor e contexto.
Parcerias locais e regionais com jornalistas e pessoas de grande influência social precisam ser estabelecidas para definir estratégias de comunicação interna sólidas, certeiras e oportunas, bem como comunicações externas, aproveitando agências associadas, consultores e redes comunitárias.
Da parte da liderança de comunicações policiais, o foco não deve se reduzir a declarações e comunicados à imprensa. Quem assumir o papel de porta-voz da instituição deve ter clareza, informações, processos, procedimentos e mecanismos de monitoramento que lhe dêem a capacidade de evitar que a imagem da instituição seja afetada.
Trata-se de ir além de emitir e divulgar informação: há que ocupar-se também de atender às consultas cidadãs, disponibilizar canais eficientes que aproximem os cidadãos; educar e tranquilizar o público, além de cumprir com as responsabilidades sobre os erros que possam surgir, monitorar as notícias e informar sobre a evolução das situações.
Em última análise, a chave é consolidar uma estratégia integral, que inclua políticas que garantam transparência e acessibilidade, consistência, participação ativa dos policiais na comunidade e capacitação para proporcionar aos policiais habilidades de comunicação.
Essas práticas, em conjunto, poderiam contribuir para a construção e a sustentação de uma percepção positiva da segurança cidadã, a partir do fortalecimento da comunicação policial. Uma tarefa assustadora, mas que merece um profundo processo de autorreflexão e direcionamento estratégico. Há um lugar para começar.
Autor
Doutor em Políticas Públicas pela Universidade IEXE (México). Pesquisador da Organização dos Estados Ibero-Americanos (OEI). Assessor organizacional de forças policiais no México e consultor em segurança pública e privada.