O Reino Unido recentemente fez dois anúncios de importância central para se pensar a o pós-pandemia: o início da vacinação contra a covid-19 em seu território e o posicionamento mais contundente em relação à agenda do problema climático. Enquanto a vacinação vem sendo acompanhada com esperança de possível retorno à normalidade, a defesa de maior pragmatismo no estabelecimento de metas e objetivos “verdes” por parte do anfitrião da próxima Conferência das Nações Unidas sobre a Mudança Climática (Glasgow, 2021) sinaliza o desejo de por em ação, de maneira mais ampla, a chamada recuperação verde (ver matéria de Daniela Chiaretti em “O Valor” de 07/12/2020).
Nos últimos meses tem-se notado a maior adesão das principais economias ao “build back better”, a busca por recuperação econômica mais sustentável e resiliente, o que passa pela ampliação dos investimentos baixos ou neutros em carbono, pela adequação ou expansão de infraestrutura mais resiliente e, por fim, pelo esverdeamento das finanças globais. Esse ganho de musculatura política da questão verde em parte pode ser creditado aos duros dias enfrentados em 2020 que ao exacerbarem o protagonismo ambiental acabaram por atuar como um grande empurrão para à agenda ambiental.
A pandemia covid-19 antecipou um pouco o futuro, mexendo em ideias fortemente sedimentadas e o “reconstruir melhor” enseja novos horizontes”
Assim, de certa forma, a pandemia covid-19 antecipou um pouco o futuro, mexendo em ideias fortemente sedimentadas e o “reconstruir melhor” enseja novos horizontes para negócios até então vistos como inviáveis, fossem pelos custos estimados ou pelas projeções de lucro.
A posição do Reino Unido não é única. Outras potências econômicas sinalizam e planejam o mesmo. Alemanha e França, para além de integrarem o plano europeu de “esverdeamento”, apresentaram propostas nacionais de investimentos baseados em setores baixos ou neutros em carbono. Na Ásia, China e Japão também anunciaram medidas descarbonizantes, ao passo que o mundo deposita esperanças de que a administração Biden ponha novamente os EUA no Acordo de Paris e avance sua transição energética e redução da emissão de gases de efeito estufa.
Os riscos à vida e à economia da não adoção de medidas que combatam as mudanças climáticas são muitas vezes apresentados como algo tão, tão distante de nossos tempos, o que em nada contribui para a compreensão da dimensão do problema. Ademais, muito dos efeitos derivados do aquecimento global já estão presentes, respondendo por grandes prejuízos.
Quando comparada à era pré-industrial, a temperatura média global está 1,2 graus Celsius mais elevada. Sucessivos recordes de temperatura têm sido registrados nos últimos anos, causando e acentuando a força de desastres de natureza climática. Os chamados eventos climáticos extremos (principalmente furacões, inundações, secas e queimadas) são uma realidade que tem trazido muitas preocupações em meio às perdas econômicas e muitas mortes.
As regiões mais pobres são as mais vulneráveis às mudanças do clima”
A edição mais recente do Índice do Risco Climático Global aponta que em torno de 495 mil pessoas morreram entre 1999 e 2018 como resultado direto de eventos climáticos extremos. Para o mesmo período os prejuízos contabilizados foram da ordem de US$ 3,5 trilhões. Entre os países, Porto Rico, Mianmar, Haiti e Filipinas foram os mais afetados, confirmando o há muito já sabido: as regiões mais pobres são as mais vulneráveis às mudanças do clima.
No entanto, a força dessas mudanças parece ser tamanha que já afeta em grande amplitude algumas entre as nações mais ricas e dotadas de excelente infraestrutura. Em 2018, por exemplo, o Japão sofreu mais intensamente com as fortíssimas chuvas que abateram seu território e provocaram 1282 mortes e prejuízos equivalente a 0,6% do seu produto interno bruto. Na Alemanha a forte onda de calor deixou quase 1500 mortos e trouxe prejuízos estimados de US$ 5 bilhões.
No presente, os EUA vivenciaram momentos terríveis com os incêndios em sua costa oeste, como também pelos furacões Hanna e Isaías, trazendo a muitos as tristes lembranças do longínquo Dust Bowl e, mais recente, do Katrina. Caminhando mais ao sul, na América Central, os prejuízos estimados pela passagem dos furacões Eta e Iota chegam a US$ 10 bilhões (40% do PIB) só em Honduras. Quando se considera os números da Guatemala, são mais de 5 milhões de afetados, aumentando as pressões migratórias em direção aos EUA ao criar uma grande leva de refugiados climáticos. E alguns meses antes, os “gêmeos” Laura e Marco já tinham causado massivos prejuízos e mortes na Ilha Hispaniola, ainda não recuperada da passagem do furacão Matthew, que em 2016 deixou 900 no Haiti.
O Brasil, por sua vez, aparece como o 79º país mais atingido por eventos climáticos extremos. Além de sofrer em 2004 os prejuízos decorrentes do Catarina (considerado o primeiro furacão do Atlântico Sul), o país tem experimentado prejuízos derivados da seca ou de enchentes, com impactos diretos sobre a agricultura, moradia e infraestrutura urbana.
Além dos recursos demandados para a reconstrução/reparação de áreas atingidas, tornam-se cada vez mais nítidos os efeitos que eventos climáticos extremos passam a ter sobre vários setores econômicos. Os riscos à agricultura – qualidade do solo, extinção de polinizadores e mudança nos regimes hídrico e pluvial -, são mais difundidos, assim como a necessidade de financiamento e implantação de infraestrutura econômica e social que seja simultaneamente mais resiliente a esses fenômenos e também combata o aquecimento global. Contudo, ainda são pouco divulgados os efeitos desse tipo de evento extremo sobre o sistema financeiro.
O setor financeiro é considerado peça central em qualquer projeto mais amplo de descarbonização e crescimento verde. Como desempenha importante papel irrigando o sistema de financiamento e formando preços essenciais para todos os mercados, tem sido chamado à maior atenção para as questões relativas à sustentabilidade.
Pensando no financiamento, começa a ficar cada vez mais claro que investimentos em plantas produtivas ricas em carbono podem não ser uma opção vantajosa de investimento, considerando tanto a possível vida útil do projeto em uma economia descarbonizada, quanto à fatores e variáveis associados, dos custos do ar poluído para a saúde do trabalhador à percepção e interesse de investidores e consumidores. Possivelmente, um portfolio contendo empresas nas quais práticas ambientais possam ser alvo de questionamento ou mesmo boicote pode ser tornar uma dor de cabeça ou menores taxas de rentabilidade.
Clima e ambiente estão sendo mais e mais incorporados aos modelos de cálculo de risco”
Outro ponto interessante trata das empresas de seguros. Clima e ambiente estão sendo mais e mais incorporados aos modelos de cálculo de risco, o que pode implicar ou em grande aumento de custos de operações seguradas ou a impossibilidade de proteger patrimônios e operações em regiões onde o “risco climático” se mostre acentuado. Como exemplos, podemos pensar nos desafios do setor e seus consumidores nos estados da Califórnia e Oregon. Os riscos e os custos de apólices de seguro para imóveis e automóveis nesses dois estados tendem à forte elevação, assim como em regiões continuamente atingidas por furacões. Segurar investimentos em plantas produtivas em cidades costeiras ou propensas à inundação pode se tornar muito oneroso, levando talvez ao declínio de grandes centros econômicos mundiais. Os eventos climáticos extremos são hoje o principal fator de criação de uma vasta camada de pessoas e ativos “inseguráveis”.
Foto da Polícia Nacional Colombiana no Foter.com / CC BY-SA
Autor
Economista. Professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Doutor em Desenvolvimento Econômico pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Foi prof. visitante no Instituto de Estudos Latino- Americanos da Univ. de Columbia.