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A seca no rio Paraná atinge a economia brasileira

As últimas semanas foram de grande turbulência no Brasil. Em meio a uma crise política entre os três poderes da República, manifestações antidemocráticas e uma economia cambaleante, a questão climática surge como outro elemento chave. A ameaça das secas, dos eventos extremos e agora de apagões elétricos colocam em risco a atividade econômica brasileira.

A agenda ambiental já é motivo de pressões internas e externas ao Brasil. Porém, o clima, mais do que nunca, tem se mostrado uma variável impeditiva de maior dinamismo econômico em função da mais grave seca enfrentada pelo país nos últimos 91 anos.

Naturalmente, outono e inverno são as estações “secas” em grande parte do território brasileiro. Ainda assim, as médias pluviométricas em todo o país estão abaixo daquelas dos anos anteriores, com especial atenção para os registros do Centro-Oeste, Sul e Sudeste, regiões onde se concentram grande parte da população e da produção agrícola brasileira.

Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e da Agência Nacional de Águas (ANA) indicam que quase 45% dos 5565 municípios brasileiros estão sofrendo algum grau (severas, extremas ou excepcional) de seca.

Ao atingir importantes regiões agrícolas e de geração de energia, a seca acarreta prejuízos bilionários, ao mesmo tempo que traz preocupações quanto ao futuro econômico dessas regiões. Por exemplo, no sul do Estado de Minas Gerais, onde se produz quase 50% da produção brasileira de café (a maior do mundo), a combinação de seca com recentes geadas destruiu lavouras inteiras, em grande escala, culminando no aumento do preço ao consumidor final na casa dos 40%, segundo a Associação Brasileira da Indústria de Café.

Pela primeira vez em anos o PIB agropecuário brasileiro caiu, com redução de 2,8% no segundo trimestre do ano, sendo determinante para a queda de 0,1% observada para o PIB total do país.

A seca em um importante rio do Cone Sul

Um ponto especial dentro desse contexto é a situação do Rio Paraná. Segundo maior rio sul-americano em termos de comprimento (quase 5.000 quilômetros), o Paraná está desde 2019 enfrentando redução de seu fluxo de águas, tornando algumas partes, antes caudalosas, possíveis de travessia a pé. Essa é a maior seca pela qual passa o rio desde 1941.

O rio Paraná é o mais importante para a geopolítica do Cone Sul, especialmente por seu papel de integrador do comércio entre as nações do Mercosul. Suas águas são utilizadas para o escoamento da produção brasileira, argentina, paraguaia e boliviana.

Além da riquíssima biodiversidade, que garante o sustento de milhares de pessoas por meio da pesca, e do papel fertilizador sobre as terras dos países em que serpenteia até chegar à foz, próxima à Buenos Aires, o rio têm papel central na produção hidroelétrica brasileira e paraguaia, via Usina de Itaipu, e argentina, via Usina de Yacyretá.

Não há consenso sobre se a situação do rio Paraná se deve às mudanças climáticas ou faz parte de seu ciclo natural, já observado em outras épocas. Ainda assim, dois pontos precisam ter destaque: 1) atualmente, qualquer seca tem impactos muito maiores que as anteriores por razão da maior densidade demográfica e econômica “ao redor” do rio; 2) ainda que as mudanças climáticas possam não ser as únicas responsáveis, as queimadas observadas todos os anos tanto na Amazônia quanto no Cerrado brasileiros poderiam estar contribuindo para mudanças no padrão pluviométrico da região. Alteração dos “rios voadores” que se formam a partir da gigante floresta ou alguma alteração no aquífero Guarani, uma das maiores reservas de água doce do mundo, ao qual a nascente do Rio Paraná está diretamente associada, podem contribuir ou explicar a atual seca.

O risco de apagões em uma economia fragilizada

Enquanto as estimativas da Comissão para a América Latina e o Caribe (CEPAL) apontam um crescimento de 5,9% em 2021 e 2,99% em 2022, as projeções para o Brasil são ainda menores: de 5,2% e 2,2%, respectivamente. No entanto, analistas do mercado já indicam possibilidade de crescimento abaixo dos 5,0%, a depender do comportamento dos mercados globais de commodities (notadamente minério de ferro), a oferta interna de energia e a política monetária posta em ação pelo Banco Central do Brasil com vistas ao controle da inflação.

Em um cenário otimista, o país poderia alcançar o nível pré-pandemia em 2023 ou 2024, porém, em um cenário mais pessimista, essa recuperação poderia demorar ainda mais, chegando apenas em meados da segunda metade da década.

O Brasil e grande parte das economias latino-americanas já vinham apresentando baixo dinamismo produtivo antes de 2020. A pandemia, por assim, piorou muito um quadro, fazendo explodir o número de desempregados, reduzindo ainda mais o investimento declinante e aumentando pressões inflacionárias.

Por isso, a região é considerada a mais afetada, tanto do ponto de sanitário, quanto econômico. Portanto, a retomada econômica, e a conseguinte recuperação, se tornaram quase um imperativo, considerando que em dois ou três anos se completariam 10 anos de baixíssimo crescimento econômico, ou seja, uma nova “década perdida”, a segunda vivida pelo país em quarenta anos.

Frente a este cenário, autoridades brasileiras confirmaram o iminente risco de “apagões” no fornecimento de energia caso os níveis de água dos reservatórios não aumentem ou não haja redução do consumo de eletricidade. Os apagões seriam catastróficos para a dinâmica de uma economia que precisa voltar a crescer para gerar empregos para 20 milhões de desempregados e retirar 10 milhões da extrema pobreza.

A quebra de colheitas, o aumento do preço da energia, o uso de termelétricas (mais poluidoras e onerosas) e o aumento do custo de transportes em várias cadeias que dependem das águas do Rio Paraná para o escoamento da produção agrícola, resultam em aumento generalizado dos preços que fizeram com que a inflação do país alcançasse os dois dígitos, algo visto pela última vez em 2000, ano que outra crise energética se apresentou ao país. 

A seca no Brasil deixa mais do que evidente os efeitos das alterações no padrão pluviométrico por conta das mudanças climáticas sobre a atividade econômica. O Brasil, apesar de sua rica biodiversidade, pode ser um dos países mais afetados por secas prolongadas, especialmente por ser grande produtora agrícola que usa de modo intenso e, muitas vezes pouco racional, seus recursos hídricos. Adicionalmente, também mostra o poder da natureza sobre as atividades humanas, indicando o quão terrível e potencialmente destrutivo seria um lockdown climático, ou seja, a paralisia forçosa de atividades econômicas por questões exclusivamente climáticas.

Autor

Economista. Profesor de la Universidad Federal Rural de Río de Janeiro (UFRRJ). Doctor en Desarrollo Económico por la Universidad Estatal de Campinas (UNICAMP). Fue profesor visitante en el Instituto de Estudios Latinoamericanos de la Universidad de Columbia.

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